Em entrevista à Lusa, o chefe de gabinete adjunto da Presidência ucraniana, Ihor Zhovkva, agradeceu a Portugal, após a visita de dois dias terminada na terça-feira dos ministros dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, e da Educação, João Costa, o apoio prestado por Portugal desde o início da invasão russa, em 24 de fevereiro de 2022.
O político, com funções de política externa no gabinete do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensly, revelou que durante a visita do chefe da diplomacia portuguesa foi transmitido que este apoio deve aumentar.
“Discutimos com o ministro dos Negócios Estrangeiros que o nível de apoio militar de Portugal é bastante modesto: três tanques, após dois anos de agressão [russa], não mais de mil munições. Mas esta quantidade pequena é importante, porque cada parte de equipamento militar e de munições conta”, referiu Ihor Zhovkva, acrescentando: “Esperamos que, depois das eleições [legislativas em Portugal, em 10 de março], o nível de apoio não diminua, mas aumente, porque contamos com mais apoio de Portugal”.
Na entrevista à Lusa, o responsável ucraniano mencionou igualmente a participação de Portugal na coligação internacional de fornecimento de caças norte-americanos F-16 à Ucrânia, que prevê a formação de pilotos e de técnicos de manutenção, mas que deveria passar a contemplar o envio destes aviões de combate, à semelhança do que já anunciaram Países Baixos, Dinamarca, Bélgica e Noruega.
“Agradecemos o facto de Portugal fazer parte da coligação de F-16 e de ter entrado em termos de formação e treino não só para pilotos, mas também para técnicos e engenheiros, o que é muito importante. Mas gostaríamos certamente que Portugal fizesse a entrega de F-16”, afirmou.
As autoridades ucranianas dizem ter consciência de que Portugal não têm uma quantidade grande destes aviões de combate, no entanto, “tal como no exemplo dos tanques, seria bom ter pelo menos vários deles, seria muito simbólico se Portugal quisesse fornecer estes aparelhos”, e que, após as eleições legislativas, esse passo possa ser dado.
Ihor Zhovkva assinalou que, uma vez que Portugal integrou a coligação internacional, o objetivo final deste grupo é fornecer F16: “Por isso, seria muito bom se Portugal se juntasse a nós e se tornasse num dos cinco principais países a fazer entregas”.
O político ucraniano advertiu também que os países europeus não estão suficientemente ativos em relação a este tópico e expressou o seu desapontamento se for confirmado que próximo pacote não terá sanções setoriais.
"Precisamos de mais. Não apenas nós, mas toda a gente precisa de mais", afirmou, desafiando todos os estados-membros a investir igualmente na sua defesa: "Se existirem indústrias relevantes no seu país [Portugal], e espero que existam, elas devem unir os seus esforços com as empresas ucranianas e realizar esta produção conjunta, a fim de reforçar o nosso potencial militar".
Este é um assunto que "a União Europeia deveria refletir seriamente", assinalando que a Ucrânia ainda não faz parte da UE, mas já está a cumprir a sua parte das obrigações na defesa desta parte do continente europeu e estará sempre".
A propósito, o responsável da Presidência ucraniana recorda que o seu país já está a proteger o flanco leste europeu face à agressão russa, descrevendo as forças ucranianas como "as melhores para proteger esta parte do globo, não contra o segundo exército mais forte do mundo - este mito evaporou-se na Ucrânia -, mas que também não é o exército mais fraco do mundo".
Para Ihor Zhovkva, o despertar da Europa para o investimento em defesa é tardio - "antes tarde do que nunca" - e lembrou a promessa há cerca de um ano de entrega de um milhão de munições de artilharia de calibre 155 milímetros à Ucrânia, que ficou muito aquém do pretendido.
"Quantas é que conseguiu entregar? Trezentas mil. É uma vergonha para toda a União Europeia, para uma grande instituição, não ser possível entregar um milhão de peças de artilharia ao meu país", sustentou, congratulando-se por o chancele alemão, Olaf Sholz, ter levantado esta questão durante a última reunião extraordinária do Conselho Europeu.
O que está em causa, destacou o político ucraniano, é a segurança da Ucrânia neste momento e de toda a UE: "É para a vossa própria segurança em Portugal e noutro países amanhã. Porque se pensa que a guerra está algures longe, hoje [quarta-feira] acordámos com bombardeamentos em explosões em Kiev. É o habitual para nós", comentou.
No final da sua visita à Ucrânia, o ministro dos Negócios Estrangeiros afirmou que Portugal “vai anunciar muito em breve um novo pacote de ajuda correspondendo àquilo que são as necessidades do momento” das autoridades de Kiev.
O chefe da diplomacia portuguesa não precisou o tipo de ajuda que está em preparação, remetendo para um anúncio a ser realizado pela ministra da Defesa, Helena Carreiras, que, referiu, “tem feito esforços muito grandes” nesse sentido.
Segundo dados do Ministério da Defesa fornecidos à Lusa no final de dezembro, Portugal entregou à Ucrânia, desde o primeiro trimestre de 2022, três carros de combate Leopard 2A6, 28 viaturas blindadas de transporte de pessoal M113, além de outro equipamento militar, incluindo espingardas automáticas, metralhadoras pesadas, equipamentos de proteção e de comunicações, material médico e sanitário, munições de artilharia, sistemas aéreos não tripulados e geradores.
O mais recente apoio previsto envolve três viaturas blindadas de transporte de pessoal M113 e duas M577 em versão de socorro e apoio médico.
Durante a visita a Kiev, João Gomes Cravinho reiterou a disponibilidade de Portugal para fornecer formação em caças F-16 às forças da Ucrânia, mas não indicou se o treino já está a ter lugar, remetendo, mais uma vez, esclarecimentos para a ministra da Defesa, nem apontou a possibilidade da entrega dos aviões de combate, deixando, porém, às autoridades ucranianas a ideia de que não se perspetiva alterações no compromisso do apoio português a Kiev após as legislativas.
Para Ihor Zhovkva, a introdução dos caças F-16, há muito solicitados pelas autoridades de Kiev, pode levar a uma mudança no conflito em várias dimensões, desde logo porque, “em primeiro lugar, quando se faz uma contraofensiva, deve ter-se proteção aérea”, o que não existe nem existiu nas operações em grande escala das forças ucranianas na sua iniciativa militar no segundo semestre do ano passado com vista a empurrar as tropas russas, mas sem grandes ganhos territoriais.
Por outro lado, explicou, os F-16 e outros equipamentos podem ajudar na defesa aérea do país do interior da Ucrânia, devido à falta de cobertura em todo o território, e os caças podem ser usados na interceção de mísseis de cruzeiro e de ‘drones’.
“Seria realmente um grande apoio para as nossas forças armadas”, comentou, na missão de “defender e fazer a libertação do território”, escusando-se a mais detalhes sobre a introdução dos F-16 nas operações com a justificação de que não é militar nem deve partilhar o conteúdo das reuniões do gabinete de guerra.
“É a tarefa dos diplomatas e a tarefa do nosso Governo procurar novos tipos de armas e é isso que estamos a fazer. Se o Exército, as Forças Armadas estão a pedir F-16, nós fazemos o nosso trabalho”, declarou.
Ainda sobre Portugal, o responsável da Presidência mencionou a importância da presença dos ministros dos Negócios Estrangeiros e da Educação na segunda-feira no Fórum de Reconstrução de Jitomir, região a 150 quilómetros a oeste de Kiev, e onde o Governo português se comprometeu com a recuperação de uma escola de referência, Liceu 25, destruída por um bombardeamento russo em março de 2022.
Ihor Zhovkva recordou o seu papel nos primeiros contactos desde então com as autoridades portuguesas que conduziram ao projeto de Jitomir e reforçou a ideia também destacada por João Costa e João Gomes Cravinho, na sua visita ao Liceu 25, de que Portugal pode não só reconstruir escolas enquanto edifícios, mas reestruturar o sistema de educação secundária na Ucrânia”.
O chefe de gabinete adjunto da Presidência elogiou também o acolhimento de acima de 60 mil refugiados ucranianos em Portugal desde a invasão da Rússia, que se juntaram a uma diáspora já existente, observando que estas pessoas vivem em boas condições, mas, “ao mesmo tempo, e até antes da agressão russa, contribuem bastante para a economia”, à semelhança do que acontece em quase todos os países da Europa.
“Agora há ucranianos em todos os países europeus. São trabalhadores esforçados, dominam as vossas línguas, estão bem integrados nas sociedades. Esperamos que possam regressar a casa depois da vitória [contra a Rússia], mas é um sinal da integração real da Ucrânia na União Europeia”, sustentou.
Nesse percurso de integração, Ihor Zhovkva também saudou o apoio português, recordando as passagens do primeiro-ministro, António Costa, e do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, por Kiev, e contando que o novo executivo a sair das próximas legislativas continue ao lado da Ucrânia.
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