"O meu sonho, como lusodescendente, é fazer um leilão 100% português aqui em Paris. Pode ser muito lindo com ótimos resultados porque Portugal - toda a gente está a ver agora - não é só um pequeno país que está no fundo da Europa, é um país com uma cultura muito rica", contou o leiloeiro à agência Lusa, adiantando que vai inaugurar, em abril, um escritório no Porto.
O jovem de 33 anos verificou que "há cada vez mais colecionadores franceses que estão a comprar arte portuguesa", tendo vendido, há pouco tempo, uma tela de Manuel Cargaleiro a um cliente francês que já tinha várias peças em azulejo do artista.
Descrita como "a 'start-up' das leiloeiras" por "Le Journal des Arts", a FauveParis foi fundada em 2014 por Cédric Melado e Lucie-Éléonore Riveron, tendo uma equipa composta por profissionais dos 26 aos 35 anos, cujo objetivo é "descomplexar o mercado da arte" e mostrar que ela é acessível "a toda a gente", através de preços que vão dos cem euros até acima dos 200 mil euros.
"A ideia da FauveParis foi fazer uma leiloeira diferente daquilo que existia em Paris, com a vontade de trazer para os leilões e para a arte pessoas mais jovens ou pessoas que sempre tiveram medo de entrar num sítio onde está exposta arte e onde se podem comprar objetos de arte. Afinal, numa leiloeira, há todos os valores e é público, toda a gente pode entrar", descreveu.
Para convencer os mais céticos - e porque "as pessoas têm menos medo de entrar num café" - a leiloeira tem um café-restaurante repleto de estantes com livros de arte, que está ligado à sala de exposições por um corredor envidraçado que dá para um jardim interior, em pleno bairro da Bastilha, no centro de Paris.
No "Café Fauve", podem folhear-se os catálogos dos leilões - editados em forma de revista de arte - comer "ovos em cocotte", truta fumada ou sopa do dia, assistir a conferências sobre história da arte e beber um copo, em noite de jazz e de leilão.
Cédric Melado, que estudou Direito e História de Arte, pensa ser "o único lusodescendente" no universo de cerca de 600 leiloeiros em França, tendo começado por trabalhar numa das principais leiloeiras francesas, a Tajan, onde, em 2010, vendeu o quadro "Saint-Fargeau", de Maria Helena Vieira da Silva, por mais de um milhão e 300 mil euros, o valor mais alto pago por uma obra de um artista português.
"A sorte que eu tive foi começar na Tajan, que é uma das cinco grandes leiloeiras francesas, onde eu fiz o leilão da coleção Jorge de Brito, grande empresário português, que tinha a maior coleção de pinturas da Vieira da Silva. Foi em 2010 e fiquei nessa altura com o recorde do mundo para a venda de uma obra de arte portuguesa (...). Até agora ninguém ultrapassou esse valor", lembrou.
A ligação a Maria Helena Vieira da Silva permanece e, numa das vitrinas da leiloeira, está "a primeira peça que Vieira da Silva apresentou em Paris", um dos exemplares do livro infantil "Kô et Kô, les deux esquimaux", datado de 1933, com dois guaches originais.
A ParisFauve também faz vendas privadas, tendo vendido uma tela de Vieira da Silva por 450 mil euros e uma peça de Vhils por cerca de 20 mil euros.
Cédric Melado nasceu em Blois, "uma pequena cidade onde há muitos portugueses da região da Guarda", e "o facto de ser português ajudou imenso" no mercado da arte e na FauveParis, onde "as peças mais bonitas" que vendeu "são peças de colecionadores portugueses ou que foram compradas por portugueses".
Em 2014, o lusodescendente fez um leilão intitulado "Sur Les Traces de Vasco da Gama" ("Nas pisadas de Vasco da Gama"), no qual tinha um pequeno tecido do navegador português, "herança direta do 'bis-bis-bis-bis-bis-bisneto' de Vasco da Gama", mas também, arte indo-portuguesa, pratos brasonados da Companhia das Índias e porcelanas chinesas com decoração portuguesa.
A leiloeira fechou o ano de 2016 com vendas no valor de dois milhões e 700 mil euros, mas o montante mais elevado alcançado em leilão foi em 2015, com uma peça arrematada por 206 mil euros: uma taça de René Lalique, artista francês da Arte Nova, que andava "perdida" desde 1902 e que foi encontrada, "graças a um contacto português".
Na sala de exposições, onde estão obras de Andy Warhol, Antoni Tapiès, Georges Braque, Oscar Niemayer, Nikias Skapinakis e Gonçalo Mabunda, entre outros nomes, a leiloeira tem patente "uma antológica breve" do pintor português Armando Alves, até 25 de março, com 14 quadros que percorrem a sua carreira, de 1955 até 2016.
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