Aquela feira do livro, a mais relevante da América Latina, anunciou hoje, numa conferência de imprensa pela Internet, a atribuição do 30.º Prémio FIL de Literatura em Línguas Românicas 2020, à escritora portuguesa Lídia Jorge.

Na mesma sessão de anúncio, realizada 'online' pela feira, Lídia Jorge afirmou que este prémio literário – que distingue o conjunto da carreira – surge “num momento muito particular”.

“Um prémio como este diz: ‘Os teus livros valem alguma coisa para os leitores’ e dá um sentido à nossa vida pessoal. Em primeiro lugar, a literatura é uma grande alegria interior, íntima, e depois quando passa para a audiência, para as pessoas, para o público que a lê e ama, é um milagre”, afirmou Lídia Jorge.

O Prémio FIL de Literatura em Línguas Românicas, com um valor monetário de 150 mil dólares (cerca de 126 mil euros), será entregue – “se a pandemia permitir”, alertou a autora – a 28 de novembro, em Guadalajara, por ocasião da feira.

A escritora disse à Lusa que temos hoje "uma liberdade ilimitada e, ao mesmo tempo, parece haver um confinamento do pensamento crítico". A autora afirmou-se "surpreendida" e "muito contente" com a atribuição do prémio, a distinção máxima da Feira Internacional do Livro de Guadalajara (FIL Guadalajara), que lhe deu eco de outros leitores, além de Portugal.

Lídia Jorge, em declarações à agência Lusa, considera que "há uma contradição nos tempos que correm, em que há uma liberdade ilimitada e, ao mesmo tempo, parece haver um confinamento do pensamento e da reflexão crítica".

"Este prémio, como que me veio dizer que escrevo para alguma coisa, e a minha vida tem um sentido", afirmou.

Lídia Jorge disse que se sentiu "comovida" por o júri a ter apontado como uma das mais importantes vozes da literatura em língua portuguesa.

A autora está a trabalhar no seu próximo romance, "agora parado, devido a outros afazeres", sobre o qual não adiantou pormenores, embora na sessão de anúncio do vencedor do prémio, que decorreu pela Internet, tenha aludido a uma nova obra, que poderá ter por título “Misericórdia”, influenciada pela recente perda da mãe e pela pandemia da covid-19.

“O homem é um hospedeiro e o hóspede é o covid-19. Tem milhares de letras no seu genoma, mas não o conhecemos. É insidioso. Pensamos na ‘Origem das Espécies’, que explica que uns comem os outros. A natureza é uma questão de fome”, disse.

"A escrita é um ato de jubilação e luta interior, muito solitário", disse à Lusa a autora d'"A Noite das Mulheres Cantoras".

Durante o conferência de imprensa deste tarde, que a anunciou como vencedora, Lídia Jorge também dedicou o prémio aos “companheiros” da literatura portuguesa, citando autores como, entre outros, Nuno Júdice, Hélia Correia, Mário Cláudio, Mário de Carvalho e Almeida Faria.

O júri referiu "o nível literário como a sua obra novelística retrata a forma como os indivíduos enfrentam os grandes acontecimentos da História", e destacou a "humanidade" da escritora, "na forma de se aproximar tanto dos temas tratados na sua obra - adolescência, descolonização, lugar da mulher, emigração, agentes da História -, bem como na apresentação das personagens que a protagonizam".

Em ata, o júri explica que a escritora obteve "o respeito unânime da crítica com o seu chocante romance 'A Costa dos Murmúrios' (1988), escrito em resultado da sua passagem por Angola e Moçambique em processo de descolonização. Nele, as terríveis consequências do colonialismo são descritas com um realismo às vezes brutal, emergindo também no romance um problema que passará por toda a sua literatura: a reflexão sobre como a história é construída e escrita".

Na sessão de anúncio do vencedor, o presidente da FIL de Guadalajara, Raúl Padilla López, felicitou o júri pela "escolha desta magnitude", que distinguiu a escritora portuguesa.

Esta é a 30.ª edição do prémio que será entregue a Lídia Jorge no próximo dia 28 de novembro, na cerimónia de abertura da FIL de Guadalajara, no México, que decorrerá até 06 de dezembro.

Lídia Jorge estreou-se em 1980 com o romance "O Dia dos Prodígios".

É também autora dos romances "O Cais das Merendas" (1982), "Notícia da Cidade Silvestre" (1984), "A Última Dona" (1992), "O Jardim Sem Limites" (1995), "O Vale da Paixão" (1998), "O Vento Assobiando nas Gruas" (2002), "Combateremos a Sombra" (2007), "A Noite das Mulheres Cantoras" (2011), "Os Memoráveis" (2014) e "Estuário - 2018".

O prémio máximo de Guadalajara junta-se a uma carreira já distinguida com o Prémio Tributo de Consagração Fundação Inês de Castro (2019/2020), o Grande Prémio de Literatura dst (2019), o Prémio Vergílio Ferreira (2015), da Universidade de Évora, o Prémio Luso-Espanhol de Cultura (2014), o Prémio Internacional de Literatura da Fundação Günter Grass (2006), o Grande Prémio de Romance da Associação Portuguesa de Escritores, o Prémio Correntes d'Escritas (2002), o Prémio Jean Monet de Literatura Europeia (2000) e o Prémio D. Diniz da Casa de Mateus (1998), entre outros galardões.

António Lobo Antunes, premiado em 2008, e os escritores brasileiros Ruben Fonseca, em 2003, e Nélida Piñon, em 1995, são os outros autores de língua portuguesa já distinguidos com o principal prémio da FIL de Guadalajara.

O prémio foi entregue pela primeira vez ao chileno Nicanor Parra, em 1991.

Lídia Jorge sucede ao mexicano David Huerta, premiado em 2019.

A Feira Internacional do Livro de Guadalajara, a segunda maior do mundo, no mercado livreiro, depois da feira de Frankfurt, na Alemanha.

Portugal foi o país convidado da FIL de Guadalajara, na edição de 2018.

O nome de Lídia Jorge foi proposto à organização da feira pela Casa da América Latina, e a decisão final coube a um júri que integrou Mario Barenghi (Itália), Anna Caballé (Espanha), Luminita Marcu (Roménia), Anne Marie Métailié (França), Rafael Olea Franco (México), Javier Rodríguez Marcos (Espanha) e Regina Zilberman (Brasil).

Na mesma sessão de anúncio, Lídia Jorge dedicou o prémios aos “companheiros” da literatura portuguesa e revelou que está a trabalhar numa nova obra, que poderá ter por título “Misericórdia”, influenciada pela recente perda da mãe e pela pandemia da covid-19.

“O homem é um hospedeiro e o hóspede é o covid-19. Tem milhares de letras no seu genoma, mas não o conhecemos. É insidioso. Pensamos na ‘Origem das Espécies’, que explica que uns comem os otros. A natureza é uma questão de fome”, disse.

Em tempos de pandemia, Lídia Jorge sublinhou ainda que “a literatura é um ato de resistência absolutamente indispensável” e que é preciso “publicar, ler e divulgar”.

“As pessoas compreendem que a leitura é um exercício fundamental sem o qual as outras artes serão menores, serão superficiais. Esta pandemia é uma espécie de tomada de consciência e que devemos regressar à leitura silenciosa”, disse.

Lídia Jorge esteve em 2018 na Feira Internacional do Livro de Guadalajara, no ano em que Portugal foi o país convidado.

(artigo atualizado às 20:12)

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