Formado em psicologia, Lucas Foster iniciou a carreira profissional no setor público brasileiro, no desenvolvimento de políticas com foco em crianças e adolescentes, mas o modelo de trabalho com que se deparou, “lento e burocrático”, não era aquele em que se via a trabalhar. Contas feitas, rumou à Dinamarca para estudar liderança internacional.

“Tinha 25 anos e estava meio perdido. O modelo de trabalho no setor público não me satisfazia, era muito lento e burocrático. Na Dinamarca acabei tendo contacto com uma sociedade mais dinâmica, inovadora, mais livre. E nesse processo percebi as minhas potencialidades e conheci o meu primeiro cliente, o arquiteto Bjarke Ingels, responsável pela sede da Google na Califórnia”.

Apesar de isto ter ditado um afastamento daquela que é a sua área de estudos, Foster reconhece que a psicologia lhe trouxe “muita capacidade de escuta e de observação, assim como uma liberdade maior para a aceitar as diferenças e compreender as limitações do indivíduo. [A psicologia] deu-me um olhar um pouco mais sensível para a natureza humana nas suas diferentes formas, tanto na vida pessoal como profissional”, diz o criativo brasileiro. 

Ao regressar da Dinamarca, Lucas já vinha menos perdido e com novos planos — sem, porém, abdicar do sentido da sua caminhada. “[Quando voltei para o Brasil] eu queria continuar trabalhando para qualificar a experiência de vida das pessoas, o que é parte do meu propósito, e entendi que tinha adquirido habilidades na área de gestão, sobretudo gestão de projetos”. E é neste contexto que nasce a ProjectHub, em 2011, “um lugar onde eu [Lucas] recebia pessoas com ideias transformadoras, capazes impactar positivamente o mundo, mas que vinham de maneira muito desestruturada, e eu ajudava a estruturar através de consultoria”.

Ela disse que “a grande inovação é admitirmos que não nos conhecemos”. E depois, deu-nos música
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A base estava lançada, mas três anos depois Lucas percebeu que “a maioria desses empreendedores tinha a mesma dificuldade: a de aceder a investimento, recursos financeiros, para viabilizar as suas ideias. Foi quando a gente decidiu criar uma plataforma de tecnologia onde os empreendedores submetiam as ideias e os investidores acederem essa base de dados para investimento. Esta é a segunda fase da ProjectHub: tornar-se uma plataforma de tecnologia para conectar empreendedores e investidores com o objetivo de viabilizar projetos”.

E aqui a experiência na Dinamarca foi fundamental, porque quando Bjarke Ingels decidiu fazer uma missão no Brasil entrou em contacto com a ProjectHub, tornando-se o seu primeiro cliente nesta nova fase. “Ele queria explorar novas oportunidades de mercado no Brasil e eu fiz a ligação com um investidor”. Assim, “essa ideia de conectar empreendedores criativos com projetos inovadores e investidores se materializou com esse contrato”.

Em termos práticos, a ProjectHub funciona como uma “plataforma de financiamento coletivo [crowd funding] e no momento em que o investimento é realizado uma percentagem reverte para a empresa”.

Atualmente, a plataforma reúne 10 mil empreendedores e tem 4 investidores ativos — sendo que já chegaram a estar mais de 20, entre os quais a Google, a 3M e o Mercado Livre.

De uma palestra ao Dia Mundial da Criatividade é um pulo (um pulo aos Estados Unidos)

Inquieto — no mesmo registo em que acontece a nossa conversa, com Lucas em andamento, entre o encontrar lugar de estacionamento e fintar uma fila no mercado para conseguir um café — o diretor criativo estava longe de se contentar.

Em 2014, quando a ProjectHub estava a fazer a transição de um serviço de consultoria para uma plataforma de tecnologia, o Centro Universitário de Belas-Artes desafiou a empresa a trazer John Hawkins, autor do best-seller “Economia Criativa”, para uma série de palestras no Brasil.

“E eu falei assim: já que a gente vai lançar uma plataforma global para conectar empreendedores criativos e investidores, e temos a presença do John Hawkins, vamos fazer disso um grande evento. E, quando nós olhámos, 17 de novembro era o Dia da Criatividade no calendário português, e eu pensei: se 17 de novembro é o Dia da Criatividade em Portugal, nós estamos no Brasil, mas somos uma plataforma global, e contamos com a presença de um autor britânico… Então vamos chamar o nosso evento Dia Mundial da Criatividade”.

“Foi ambicioso”, reconhece Lucas. “A cruzar os mares”, diz [risos]. Mas o facto é que o salto não foi maior do que a perna e estava lançada a semente.

“As pessoas aderiram à ideia e a gente organizou de novo em 2015 e 2016. Em 2017, eu fui convidado para participar num encontro na sede da ONU, em Nova Iorque, na semana do Dia Internacional da Mulher. Aí nós explicávamos quem éramos e o que fazíamos e quando eu falei do Dia Mundial da Criatividade uma das pessoas que trabalhava na ONU me disse que estava para aprovar uma resolução nesse ano que estabelecia o Dia Mundial da Criatividade e Inovação e que a data escolhida era 21 de abril. Então decidimos postergar o evento de novembro para 21 de abril de 2018. E nessa época comecei a entender que o Dia Mundial da Criatividade não podia ser um evento, tinha de ser uma plataforma que conectasse pessoas que querem ensinar outras pessoas a serem criativas e pessoas que querem aprender a ser mais criativas”.

E assim foi. Replicando o software e a lógica utilizada na ProjectHub para ligar empreendedores e investidores, Lucas Foster e a sua equipa criaram esta nova plataforma, denominada World Creativity Day.

“O evento em 2018 saltou de 1 cidade e 300 participantes para 14 cidades e 4 mil participantes. Em 2019 subiu para 60 cidades, 54 mil vagas disponíveis e 22 mil pessoas inscritas".

Mas Lucas não anda de lés a lés a colocar estes eventos de pé, a lógica é colaborativa. “Dentro da plataforma elegemos um líder local que é responsável por conectar outros três usuários: o anfitrião (responsável pelo lugar que quer receber a atividade); o inspirador (a pessoa que quer fazer a atividade nesse local); e o voluntário (aquele que ajudar o líder local a viabilizar a atividade e traz as pessoas que vão participar da atividade). Este ano tivemos 796 atividades em 5 países”. O objetivo é agora chegar às 250 cidades e 150 mil pessoas.

Apesar de reconhecer que o projeto do Dia Mundial da Criatividade é “algo muito especial” na sua vida, Lucas Foster tem pelo menos mais dois a correr em paralelo, o Creative Hub — um programa de mentoria oferecido pela ProjectHub para empreendedores registados na plataforma — e o Lab Criativo, que reúne educadores de diferentes áreas que geram conteúdos para uma audiência mais abrangente, composta por estudantes e colaboradores de empresas.

“Sempre me envolvi com educação, mas não tinha na ProjectHub um lugar para exercer esse trabalho, já que a ProjectHub tornou-se muito mais um negócio de tecnologia e de investimento de marca. Então, o Lab Criativo era o meu lugar de criação e de educador”, explica Lucas.

Hoje, “o principal projeto dentro do Lab Criativo é o prémio Brasil Criativo, uma premiação que realizamos em 2014, que tem a chancela do Ministério da Cultura e teve o apoio da UNESCO em 2016, sendo considerada a premiação oficial da economia criativa no Brasil”.

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Quando lhe perguntamos como dá conta de tantas frentes, Lucas explica que o segredo está na equipa: “Eu tenho uma equipa liderando a ProjectHub, eu tenho um diretor executivo no projeto do Dia Mundial da Criatividade e tenho uma diretora de conteúdo no Lab Criativo. E aí o meu papel é controlar o nosso roadmap e atuar como conselheiro nas três empresas”.

No próximo dia 3 de julho, Lucas Foster vai marcar presença no Rock In Rio Innovation Week, em Lisboa, para falar sobre “a história da causa que virou um movimento global pelo direito de criar”. É a primeira vez em Portugal e não esconde o entusiasmo, contando aproveitar a viagem para tirar uns dias em família, descansar e conhecer a cidade.

A passagem por Lisboa servirá para trabalhar esse “músculo” da criatividade. “A Criatividade é uma potencia humana, uma capacidade inerente ao ser humano que, como um músculo, pode ser fortalecida ou atrofiada. A criatividade tem a ver com a capacidade que nós temos de fazer coneções entre o nosso repertório e o mundo exterior”, resume. “Estamos muito entusiasmados com essa possibilidade de aproximar o Dia Mundial da Criatividade com o Rock in Rio. Nada melhor do que o entretenimento e arte para inspirar as pessoas”.

E quando se fala em inspiração, Lucas é categórico: “Pessoas inspiradas vivem melhor". "A gente não escolhe nascer, a vida é um presente que a natureza nos dá e é a coisa mais preciosa que a gente tem, e tem de ser bem vivida”.