Mesmo num dia de céu encoberto e com a chuva a teimar cair, dezenas de turistas passeiam pelo pequeno calçadão que acompanha a Praia da Luz, onde já nada remete para um dos casos de polícia mais mediáticos em Portugal, que dez anos depois ainda se mantém vivo nas memórias dos que por ali se cruzam.

Pela segunda vez a passar férias naquela zona, a britânica Irene Duffield acredita que ninguém vai esquecer a pequena Madeleine McCann, desaparecida a 3 de maio de 2007 de um apartamento na praia da Luz, cujo nome perdurará na memória coletiva dos ingleses, como em todo o mundo, durante muito tempo.

A turista, que vive no condado de Essex, no Reino Unido, acredita que se tratou de um "caso único" num país "seguro", ao qual os britânicos são muito afeiçoados, razão pela qual o desaparecimento da menina, por si só, não impede as pessoas de voltarem ali.

"Com sorte, ela ainda estará por aí e poderá aparecer viva", crê Irene Duffield, criticando, no entanto, a atuação da polícia portuguesa que, inicialmente, terá conduzido mal a investigação, por não ter atuado "tão rápido quanto devia".

O marido, Bruce, também acredita que o desaparecimento de Maddie não é motivo para afastar as pessoas de irem para aquela zona do Algarve, uma vez que "poderia acontecer em qualquer lado", embora este caso em particular tenha sido "muito difundido em Inglaterra".

O francês Yann Allo está pela terceira vez na Praia da Luz e considera que "há casos semelhantes que acontecem em todo o lado", mesmo no seu país, que afetam as pessoas numa fase inicial, mas que depois caem no esquecimento.

"Nos primeiros tempos, acho que teve algum impacto no turismo da Praia da Luz, porque certas pessoas com crianças pequenas talvez tenham ficado com receio, mas com o tempo a imagem vai desvanecer-se e não fica uma má imagem para a praia da Luz", refere.

Acabado de chegar para uma temporada de um mês e meio de férias, o turista diz que em França já se "virou a página" e não se fala tanto do caso Maddie, apesar de ter tocado o país, sobretudo no seu caso, por ser natural da região da Bretanha.

Presidente da Câmara de Lagos na altura do incidente, Júlio Barroso confessa que nunca vai esquecer o ambiente de comoção e de união que se gerou entre a população e os turistas da Praia da Luz.

"Suscitou nas pessoas uma grande mágoa e um sentido de solidariedade e de entreajuda", lembra, dizendo recordar-se dos primeiros instantes, em que toda a população aderiu em massa para procurar "a mais pequena pista".

Para o ex-autarca, se num primeiro momento se registou uma quebra na procura de alojamento no aldeamento turístico onde Maddie desapareceu, agora Luz Ocean Club, "isso foi ultrapassado com relativa facilidade" porque se percebeu que se tratava de um caso isolado.

"Se inicialmente isso suscitou alguma dúvida sobre a segurança em Portugal e no Algarve está mais que demonstrado que as pessoas não atribuem qualquer responsabilidade à falta de mecanismos de segurança, policiais e até de prevenção", frisou.

Contudo, o caso permanece como um alerta "para aumentar os níveis de proteção", porque até no sítio "mais pacato do mundo", onde mais de 50% dos habitantes são estrangeiros, pode acontecer.

Criada na zona da Praia da Luz, Catarina Rêgo recorda como há dez anos não se falava ali de outra coisa e de como havia a "tendência para guardar as crianças", o que já não vê acontecer, hoje em dia.

"Inicialmente talvez as pessoas pensassem um bocadinho no assunto, hoje em dia não noto qualquer repercussão a nível do turismo nem uma preocupação nas famílias com crianças", observa.

Considerando que este é um caso que perdurará na memória de todos, Catarina confessa que a população ainda sente "uma mágoa" relativamente ao caso, porque nunca ter ficado esclarecido o que realmente aconteceu.

Jerónimo Veiga, que vive há vários anos na Praia da Luz, confessa que até lhe custa trocar impressões sobre o caso e recorda como, numa fase inicial, os habitantes eram olhados de lado pelos turistas.

"No início desta situação o 'portuguesinho' da Praia da Luz era muito mal visto", relembra, contando que ainda hoje tem em casa um jornal com expressões pejorativas publicadas na Imprensa britânica e que o revoltaram.

Ainda hoje, diz, pode haver alguns britânicos que olham para os habitantes da Praia da Luz de maneira diferente, mas a vida continua na pequena vila junto ao mar, onde nunca mais se repetiu caso semelhante.