Dylan da Silva e Hugo Abreu, à data dos factos ambos com 20 anos, morreram e outros nove instruendos sofreram lesões graves e tiveram de ser internados durante a denominada 'Prova Zero' (primeira prova do curso de Comandos) do 127.º curso de Comandos, que decorreu na região de Alcochete, distrito de Setúbal, a 04 de setembro de 2016.

Ângela Abreu contou em julgamento que recebeu um telefonema do então ministro da Defesa, na manhã de 5 de setembro de 2016, quando ela e o marido viajavam de carro, de França (onde estão emigrados) para Portugal, após serem informados de que o filho tinha morrido.

A prestar depoimento na qualidade de assistente e vestida com a farda do Exército que o filho envergou, a mãe da vítima relatou ao coletivo de juízes que Azeredo Lopes ligou para dar as condolências, ao que ela lhe respondeu: “Mataram o meu filho”. Na resposta, o então ministro da Defesa disse-lhe: “Vai para averiguações, vai para inquérito”.

Ângela Abreu revelou que durante a conversa telefónica trocou, por várias vezes, o apelido Azeredo por Azevedo e que, a determinado momento, o então ministro da Defesa corrigiu-a dizendo: “não é Azevedo, é Azeredo”, o que a testemunha entendeu como uma atitude “feia”, de alguém “grosso, bruto e frio”, para com “uma mãe que tinha acabado de perder um filho”.

A testemunha afirmou ainda que, perante a atitude do antigo ministro da Defesa, ficou sem vontade de continuar a conversa, acrescentando que lhe ligou passados uns dias, mas que Azeredo Lopes “não atendeu a chamada”.

Visivelmente emocionada, a mãe de Hugo Abreu referiu que, tanto ela, como o pai, que testemunhou antes, não sabiam que o filho estava nos Comandos, acreditando que isso aconteceu porque o filho os queria “proteger”, pois trata-se de um curso “muito difícil”.

A mãe do furriel Hugo Abreu (classe de sargentos) frisou que o filho estava “feliz e a fazer o que gostava”, sublinhando que, neste processo, não quer que alguém que possa ser inocente “pague por uma coisa que não fez”.

Ângela Abreu frisou que, até hoje, nunca ninguém do Exército lhe pediu desculpas pela morte do filho, exceto o psicólogo com quem fala (ainda atualmente), desde o dia em que chegou a Portugal para ver o corpo do filho.

Considerando a morte do filho “uma coisa indesculpável”, a mãe deste recruta, assim como o pai, relataram hoje em tribunal que só viram o corpo no dia 06 de setembro (chegaram a Portugal por volta das 16:00 de 05 de setembro), após a autópsia, tendo ambos declarado que o filho estava irreconhecível e que só o reconheceram pelos dedos das mãos, que estavam com “arranhões”.

O julgamento relativo à morte de dois recrutas no 127.º curso de Comandos prossegue na tarde de hoje com a continuação da inquirição de um dos instruendos deste curso.

Em junho do ano passado, o Ministério Público deduziu acusação contra os 19 militares do Exército, todos do Regimento de Comandos, considerando que os mesmos atuaram com "manifesto desprezo pelas consequências gravosas que provocaram" nos ofendidos.

Os oito oficiais, oito sargentos e três praças, todos militares do Exército do Regimento de Comandos, a maioria instrutores, estão acusados, ao todo, de 539 crimes de abuso de autoridade por ofensa à integridade física.