Primeiro foi Marcelo Rebelo de Sousa a anunciar em Melgaço, no distrito de Viana do Castelo, que a cerca sanitária em Odemira iria ser levantada "de imediato, hoje mesmo". Ou seja, às 00h00 desta quarta-feira.
Depois foi a vez de António Costa confirmar a informação. O primeiro-ministro, de resto, alterou esta tarde de emergência a sua agenda e deslocou-se ao concelho de Odemira para uma reunião de trabalho e assinatura de protocolos que visam dar resposta às necessidades habitacionais verificadas no concelho.
"Não tenho a menor dúvida do custo enorme de uma cerca sanitária. Para quem está, para quem não está e para quem quer estar. Os residentes e atividades económicas têm um custo muito grande", aferiu António Costa em conferência no Cine-Teatro de Odemira, Largo Sousa Prado, em Odemira, onde confirmou o que Marcelo Rebelo de Sousa tinha anunciado pouco antes.
O líder do executivo começou por dizer que tinha chegado a "altura de não falarmos mais por telemóvel" e que por isso resolveu "vir cá" (Odemira) — aproveitando a ocasião para agradecer às autoridades locais. Depois enfatizou que a vacinação aumentou, assim como a capacidade de testagem, além de que nos últimos 15 dias foi registada uma "diminuição muito significativa da taxa de incidência e do ritmo de transmissão" (mas alertou que a decisão do Governo "não significa que o problema tenha desaparecido").
Tendo estes factores em conta e tendo o delegado de saúde do Litoral Alentejano indicado que a maior parte dos casos positivos correspondiam a cadeiras de transmissão já identificadas, o primeiro-ministro explicou que não havia transmissão comunitária e que por isso estavam reunidas as condições para se levantar a cerca sanitária em São Teotónio e Longueira/Almograve.
"Hoje durante a tarde reunimos um Conselho de Ministros eletrónico que já está concluído e portanto foi decretado o levantamento da cerca sanitária a partir das 24:00 de hoje nestas duas freguesias", explicou ainda António Costa.
Praticamente em simultâneo com as palavras do primeiro-ministro chegava às redações o comunicado do Concelho de Ministros.
"Atendendo à evolução positiva da situação epidemiológica verificada naquelas freguesias, decorrente em grande medida da implementação de mecanismos para a mitigação das dificuldades que o elevado grau de mobilidade e as dinâmicas próprias daquela zona geográfica criavam no combate à propagação do vírus SARS-CoV-2, decidiu o Governo alterar as medidas de restrição da circulação que estavam em vigor desde 30 de abril", pode ler-se na nota.
"O problema existe em Odemira, como existe em todo o país. Não vale a pena ninguém ter ilusões de que há concelhos imunes e concelhos onde há covid-19", frisou na sua intervenção o primeiro-ministro, lembrando que "já todos" tiveram "melhores números e piores números" de casos.
Costa admite que situação não é nova
O primeiro-ministro reconheceu hoje que a realidade dos trabalhadores agrícolas em Odemira (Beja) "não é nova" e que havia trabalho feito na área da habitação, mas a pandemia de covid-19 "consumiu" recursos, energia e tempo.
"Nós sabemos que esta realidade não é nova, aqui em Odemira, nem nos era desconhecida", afirmou António Costa.
O chefe do Governo lembrou que "uns meses antes de aparecer" a covid-19, tinha sido aprovada uma resolução do Conselho de Ministros centrada nas questões da agricultura e dos trabalhadores deste setor em Odemira (Beja).
Costa aludia à Resolução do Conselho de Ministros 179/19, de 24 de outubro de 2019, a qual estabeleceu uma moratória de 10 anos que permite a manutenção de estruturas de habitação amovíveis (contentores) e 16 pessoas por unidade de alojamento, quatro por quarto e uma área de 3,4 metros quadrados para os trabalhadores, entre outras matérias.
Esta resolução foi "fruto de muitos meses, anos de trabalho", até se ter "conseguido desenhar uma solução para resolver uma situação específica de habitação neste concelho, que tem a ver com um elevado número de trabalhadores sazonais associados à atividade agrícola", recordou o primeiro-ministro.
Mas, com o aparecimento da covid-19, "grande parte da nossa atividade foi perturbada" e levou à "reorientação dos esforços para outra urgência, que era responder" à situação de pandemia, frisou Costa.
"Podia-se ter feito mais? Seguramente poder-se-ia ter feito mais. A verdade é que o ‘covid’ consumiu muito daquilo que era a disponibilidade dos recursos, a energia e o tempo disponível para tratar desse outro domínio", relacionado com as condições de habitação dos trabalhadores agrícolas em Odemira, admitiu.
Na sua intervenção no concelho alentejano, o primeiro-ministro disse também que esta pandemia de covid-19 "revelou muitas das fragilidades que existem no país", não apenas em Odemira.
"Foi por isso, aliás, que no Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) que apresentámos à União Europeia, todo o primeiro capítulo destina-se precisamente a enfrentar as vulnerabilidades sociais, aquelas que são as maiores vulnerabilidades que expõem o país em situação de crise", destacou.
O reforço do Serviço Nacional de Saúde e a habitação são as duas prioridades dessa aposta do PRR na correção das vulnerabilidades sociais, segundo o primeiro-ministro.
O que disse Marcelo
Para Marcelo Rebelo de Sousa, "acabou por fazer caminho uma solução de acordo que permitisse ultrapassar, por um lado, as questões jurídicas e, por outro, as questões de sensibilidade pessoal e social que se levantavam, no imediato e no futuro", referiu o chefe de Estado, que falou à margem de uma visita ao lar da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM) em Melgaço.
"Fico satisfeito por isto acontecer e permitir ao mesmo tempo desbloquear a situação sanitária que estava a ser um tema de controvérsia ou pelo menos um problema para a circulação de trabalhadores na entrada e saída, na transposição da cerca sanitária", sustentou.
Segundo o Presidente da República, os acordos hoje alcançados "mostram que em democracia o diálogo, a paciência, a aproximação de pontos de vista e muitos casos pode facilitar as soluções".
De manhã, em Caminha, também no distrito de Viana do Castelo, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou ser preciso retirar "muitas consequências políticas" do caso dos imigrantes de Odemira.
"Em relação a Odemira, acho que tem de retirar muitas consequências políticas. Tem de se fiscalizar para saber como é por respeito à legalidade, tem de se apurar se há ou não uma situação que convida àquilo que são atuações criminais, tem de se pensar a sério no problema dos imigrantes que estão cá dentro, que trabalham", referiu.
À tarde, em Melgaço, questionado se houve precipitação do Governo ao decretar a requisição civil, Marcelo Rebelo de Sousa disse que "a compreensão da realidade e própria evolução da realidade mostrou que havia soluções alternativas e que uma mais imediata podia ser substituída por outras".
"Foi isso que aconteceu. A solução a que se chegou tem vantagens para todos", disse, admitindo que desde que iniciou a deslocação ao Alto Minho, na segunda-feira, manteve vários contactos com o Governo sobre esta questão de Odemira.
"Fui acompanhado o que se passava", acrescentou escusando-se a comentar se a deslocação hoje do primeiro-ministro a Odemira representaria à retirada da resolução do caso ao ministro da Administração Interna.
"A minha função não é ser analista político. Vejo o que se passa, verifico o que se passa e penso que a solução a que se chegou é satisfatória para todas as partes (?) O que interessa é que o Governo entendeu, ao mais alto nível que era uma questão que merecia esta solução", observou, rejeitando ter feito pressão para a deslocação de António Costa a Odemira.
"Certamente que os contactos para uma solução destas já vinham de trás isto deve levado a um pressuposto, a muitas conversas para ajustar o acordo e chegar a esta solução. Não se faz assim, da manhã para tarde".
"Sobre atuações, declarações, posições de membros do Governo a minha resposta é sempre a mesma. É matéria sobre a qual não me pronuncio, como não me pronunciou sobre intervenções de líderes partidários , nem parlamentares, dirigentes, sindicais", disse.
Autarquia já tinha pedido para o fim imediato da cerca sanitária
Recorde-se que o presidente da Câmara de Odemira, José Alberto Guerreiro, revelou ontem que ia exigir ao Governo o fim "imediato" da cerca sanitária decretada para duas freguesias do concelho, por considerar que "a situação está controlada".
"Depois da decisão da assembleia municipal, não só estou mandatado para o exigir, como já era uma determinação da câmara municipal e julgo que estão reunidas as condições para o fazer de imediato, não apenas na quinta-feira", frisou o autarca esta segunda-feira.
As freguesias de Longueira-Almograve e São Teotónio estão em cerca sanitária, desde 30 de abril, por causa da elevada incidência de covid-19, sobretudo entre os trabalhadores agrícolas, muitos deles imigrantes.
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