No encerramento da conferência "A Justiça antes e depois do 25 de Abril", integrada nas comemorações dos 50 anos da Revolução e realizada na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa deixou muitos avisos e apelos sobre o setor, num discurso onde passou pelo passado, pelo presente e, sobretudo, pelo futuro da justiça.

“Sem justiça independente e amplamente confiável não há democracia. É por aí que começam as tentações ditatoriais, adulando-a para poder conquistar, diabolizando-a para a poder fragilizar e dominar”, avisou.

Para o chefe de Estado, é preciso que os outros poderes públicos saibam resistir “a uma e outra dessas tentações”, mas também que a justiça esteja “atenta para prevenir identificação entre o essencial controlo legal dos responsáveis públicos e do combate ao abuso de poder e a visão de que, ao fim ao cabo, existiria apenas um poder verdadeiramente íntegro” que seria o judicial.

“Saber da parte de todos repensar com humildade onde se não está a cumprir, saber da parte de todos o que falta de estruturas e meios para cumprir mais e melhor no modo e no tempo”, pediu ainda.

Marcelo Rebelo de Sousa apelou também a todos os intervenientes para que se autoexaminem e revejam “métodos ou rotinas que serviram no passado”, mas neste momento “são travões, às vezes mastodônticos”.

O objetivo do Presidente da República é que se evite “ao mesmo tempo a exposição de uns e outros poderes, excessiva, que acelera juízos públicos que cairá em cima de todos eles”, tendo em conta os tempos da própria justiça.

Deixando claro que "construir uma democracia não é missão fácil", Marcelo Rebelo de Sousa focou-se na confiança "que não pode ser perdida ou enfraquecida".

"Confiança primeiro entre os protagonistas da justiça, expressa em concordâncias claras e fortes, que possam ser apresentadas a decisores políticos e parceiros sociais a uma só voz sobre aquilo que é prioritário fazer de estrutural e o que é crucial no plano da emergência", defendeu, considerando que isto foi possível "no mínimo dos mínimos entre 2016 e 2017".

Com a confiança como foco principal, Marcelo Rebelo de Sousa pede que esta exista "entre os protagonistas da justiça e os decisores políticos e parceiros sociais", pedindo que "aceitem sacrificar visões particularistas a uma visão de regime nacional" e haja uma pacto entre decisores políticos e parceiros sociais sobre a justiça.

"Este diálogo e esta criação de confiança em dois planos, que são complementares, deve abranger todos os protagonistas da justiça e todos os decisores políticos. Os primeiros que deixem de ver os segundos como seus adversários, por uma suspeição globalizante de que sempre tenderão a impedir o controlo do seu poder e da sua corrupção. Os segundos que deixem de ver os primeiros como seus opositores, por razões de suspeição também globalizante, de que sempre tenderão a abusar da independência ou autonomia como caminho para irresistível afirmação política", pediu.

Defendendo que "a confiança institucional é imprescindível", o chefe de Estado admitiu que isto "pode ser difícil" tendo em conta "tantos e tão recentes eventos que podem ter causado ou agravado queixas ou mesmo acrimónias, ostensivas ou veladas, de parte a parte".

"Em terceiro lugar, confiança entre a justiça e os mediadores informativos. Os órgãos de comunicação social, esse outro poder, que sendo de interesse público sofre no momento dificuldades económicas e financeiras que o debilitam. Pode ser complexo para não tocar na independência ou autonomia de cada qual, e porque requer a muito melindrosa equação de como a justiça comunicar, matéria muitas vezes debatida, mas nunca satisfatoriamente resolvida", enfatizou.

Para Marcelo Rebelo de Sousa, "apesar de tantas vicissitudes, a justiça tem resistido ao desgaste de outras instituições públicas" e os "portugueses mantêm apreciável grau de confiança nela como um todo", o que considerou fundamental que continue a acontecer.