Numa entrevista de Meloni, dada aos 19 anos, quando era líder do antigo Movimento Social Italiano, principal formação neofascista do pós-guerra, a futura primeira-ministra italiana elogiou Mussolini, considerando que foi um bom político e que tudo o que fez foi pela Itália.

Agora, a líder dos Irmãos de Itália não repete esses elogios, mas isso não impediu o seu antecessor na liderança do Irmãos de Itália, Ignazio la Russa, de proferir uma frase que ficou colada ao partido: “Nós somos herdeiros do Duce”.

Os Irmãos de Itália vão acompanhados de outros extremistas de direita: Sílvio Berlusconi, pelo Força Itália, e Matteo Salvini, do Liga, acompanham-na na nova marcha até ao poder.

Contra todas as expectativas de há apenas um ano, o resultado das eleições legislativas de Itália, em 25 de setembro, deu a vitória a uma coligação de direita e extrema-direta.

Liderada por Meloni, esta coligação acontece numa altura de ascensão de grupos extremistas na política institucional de países como a França e a Alemanha, a Polónia ou a Hungria, a Suécia ou a Espanha.

Por isso, apesar de poder parecer óbvio comparar Meloni com Mussolini e a Marcha sobre Roma com uma nova marcha para o radicalismo em Itália, é arriscado fazê-lo sem cair em exageros.

O fascismo de Mussolini teve a sua origem no início do século XX, numa Itália em profunda crise, com uma unificação mal aceite pelas regiões e uma economia muito diferente de norte para sul.

A entrada na I Guerra Mundial, contra a Alemanha, em busca de reconhecimento da soberania, acabou por ser uma desilusão, já que a Itália pretendia receber territórios que lhe foram negados.

Neste caldeirão de crises, surgiu o movimento fascista, sob liderança do antigo jornalista Benito Mussolini.

No fim de outubro de 1922, os paramilitares Camisas Negras, que formavam o braço armado do grupo nacionalista prepararam um golpe, ocupando pontos estratégicos da capital italiana.

Naquele dia, 28 de outubro, o Governo apavorou-se e quis decretar um estado de emergência, o que foi recusado pelo rei Vitor Emanuel III, tanto para evitar derramamento de sangue como para se manter no trono a todo o custo. O rei abriu a cidade aos membros do movimento — na chamada Marcha sobre Roma — e acabou por convidar Mussolini a formar governo, onde o “Duce” se manteve até 1943.

Com ideias altamente contrárias ao liberalismo, marxismo e anarquismo, o fascismo é classificado como uma ditadura militar de extrema-direita.

Um regresso a este passado não é propriamente temido por ninguém, as épocas são diferentes e Meloni deu a entender, durante a campanha eleitoral, que sabe até onde pode ir, condenado mesmo a invasão da Ucrânia, ao contrário do seu parceiro Matteo Salvini, cujo partido, o Liga, se uniu ao Força Itália, de Berlusconi, para apoiar o Irmãos de Itália, da próxima primeira-ministra.

Mas uma das vertentes da política desta coligação pode causar um extremismo renovado: a imigração.

A Itália é uma das principais portas de entrada de imigração em situação irregular na Europa, e a xenofobia do seu discurso promete radicalizar-se. O trio governamental inclui Salvini, que foi processado por bloquear a entrada de migrantes nos portos italianos, mesmo quando as suas condições eram tão precárias que a única alternativa era a morte ou a tortura no regresso aos países de origem.

Por outro lado, Meloni é uma apoiante do primeiro-ministro húngaro, Viktor Órban, que levou o Parlamento Europeu a decretar o seu país como uma ‘democracia não plena’, defendendo ambos o lema Deus, Pátria e Família.

A marcha rápida da extrema-direita de volta ao poder de Itália não deixa observadores nem analistas indiferentes.

Por um lado, porque o país tem sido, ao longo da história, um embrião de vários movimentos extremistas, e, por outro, porque a Itália se situa num ponto de convergência de tensão crescente, com a Europa de um lado e o Médio Oriente e África do outro, e ainda porque a proximidade de uma nova crise numa das maiores economias da Europa tende a criar respostas mais populistas.