Misteriosa Melania

Depois de semanas longe de olhares públicos, Melania marcou presença esta terça-feira, 30 de janeiro, no primeiro discurso sobre o Estado da União de Donald Trump, como manda o figurino.

Sorridente, Melania foi aplaudida ao entrar no Congresso. Vestida de branco, marcou pelo contraste face às representantes democratas que optaram por se vestir de preto para mostrar a sua solidariedade com o movimento #MeToo, que visa alertar e combater o assédio sexual.

Quebrando a tradição, Melania Trump chegou separada do presidente ao Capitólio. Poucos minutos após a sua entrada, Donald Trump chegou ao Congresso e o casal trocou um aceno.

A relação entre ambos tem estado debaixo dos holofotes depois de Melania cancelar a sua viagem a Davos, Suíça, o que fez o presidente viajar sozinho ao Fórum Económico Mundial.

Melania, de 47 anos, esposa de um homem Trump, 71 anos, conhecido pelos comentários pouco educados sobre mulheres, e que se divorciou já por duas vezes... os rumores de uma nova separação assombram o casal.

créditos: EPA/CHRIS KLEPONIS

O discurso sobre o Estado da União foi o primeiro ato importante que contou com a presença da primeira-dama desde que veio a público que Donald Trump terá tido um caso com a atriz pornográfica Stormy Daniels, em 2006. Trump é acusado de ter pagado a Daniels um mês antes das eleições presidenciais de novembro de 2016 para que permanecesse em silêncio. A atriz marcou presença na noite de terça-feira no programa  "Jimmy Kimmel Live!", no canal ABC, mas evitou responder a qualquer pergunta sobre o caso.

Melania, ex-modelo, discreta, é uma figura enigmática. Nunca expôs as suas opiniões ou objetivos, fala pouco em público, e raramente é vista em Washington, tento inclusivamente nos primeiros meses do mandato de Trump optado por ficar em Nova Iorque até que o filho Barron completasse o ano letivo. Só depois Melania rumou para junto do marido, na Casa Branca.

Ji Seong-ho, o desertor

Em pleno período de tensão entre Washington e Pyongyang, o presidente norte-americano homenageou no Estado da União um desertor norte-coreano. Ji Seong-ho, que escapou da Coreia do Norte em 2006, ocupou um lugar de destaque na tribuna, perto da primeira-dama Melania Trump, enquanto o Presidente contou sua história aos congressistas.

Trump relatou o sofrimento de Seong-ho, atropelado por um comboio na Coreia do Norte em 1996, incidente que o obrigou a amputar um pé e uma mão.

créditos: EPA/MICHAEL REYNOLDS

Desnutrido e amputado, foi torturado pelo regime por ter visitado a China. Eventualmente acabou por fugir do país, através da China e do sudeste asiático, caminhando com muletas.

"Hoje vive em Seul, onde ajuda outros desertores, e transmite para dentro da Coreia do Norte o que o regime mais teme: a verdade", disse Trump. "Agora, tem uma nova perna, mas Seong-ho, eu entendo que conserve as muletas como recordação do quão longe chegou. O seu sacrifício é uma inspiração para todos nós", acrescentou.

Ji Seong-ho estuda atualmente na universidade de Dongguk e preside dois movimentos de defesa dos direitos humanos.

Quando os legisladores se levantaram, Seong-ho fez o mesmo, exibindo triunfalmente as suas muletas. Depois, a ovação.

Ryan Holets, o polícia de Albuquerque

Ryan Holets e a família decidiram adotar Hope [Esperança], uma bebé filha de uma sem-abrigo viciada em heroína. Esta história fez manchetes em dezembro e captou o olhar da Casa Branca, que os convidou para marcar presença no discurso de Estado da União.

"Como vimos esta noite, os desafios mais difíceis despertam o melhor dos americanos", disse Trump. "Ryan e Rebecca, vocês simbolizam a bondade da nossa nação. Obrigado", acrescentou o Presidente, com os congressistas a homenagear o casal com uma ovação de pé.

Ao anunciar os convidados especiais, a Casa Branca salientou que os Holets estão "a quebrar barreiras entre toxicodependentes e a polícia, para ajudar a salvar as suas vidas".

A história deste casal e de Hope começa em setembro do ano passado, depois de Ryan ter respondido a uma ocorrência de rotina em Albuquerque. Atrás de uma loja de conveniência estava um casal a injectar-se com heroína. A mulher, Crystal Champ, estava grávida de oito meses. O que começou por ser um confronto com esta mãe, acabou por se transformar na decisão de adotar a criança que estava para nascer, com o consentimento da progenitora.

Hope nasceu a 12 de outubro, um mês antes da data prevista, e foi submetida a tratamento.

Os Holets começaram entretanto a recolher fundos para financiar a reabilitação da mãe da criança e do seu parceiro. Num primeiro momento o casal foi relutante, mas acabaram por aceitar e vivem hoje num centro de reabilitação.

Pais de luto

Elizabeth Alvardo, Robert Mickens, Evelyn Rodriguez e Freddy Cuevas são pais de duas meninas —  Kayla Cuevas e Nisa Mickens — assassinadas em 2016 pelo gangue MS-13.

"Estas duas preciosas meninas foram brutalmente assassinadas quando caminhavam juntas na sua cidade. Seis membros do gangue selvagem MS-13 foram acusados pelo assassinato de Kayla e Nisa. Muitos destes gangues tiram partido de brechas na nossa legislação para entrarem no país como menores não acompanhados", disse Trump. "Todos estamos de luto com vocês. (...) Não podemos imaginar o quão profunda é a vossa dor, mas podemos garantir que outras famílias não passam pelo mesmo", acrescentou.

Em setembro de 2016, os corpos de Nisa, 15 anos, e Kayla, 16 anos, foram encontrados na rua. As meninas tinham sido brutalmente espancadas. Em março do ano passado, 13 pessoas foram acusadas de sete homicídios, incluindo o das duas crianças.

O Presidente dos Estados Unidos aproveitou este exemplo para criticar as "fronteiras abertas" do país, que permitiram a proliferação de drogas, armas e gangues, um fenómeno que levou à "perda de muitas vidas inocentes".

Se o presidente conseguir o apoio do Congresso, os seus planos em termos de imigração têm por base quatro pilares, que detalhou:

O primeiro consiste em encontrar um "caminho para a cidadania" para os estrangeiros sem documentos que chegaram ao país na infância. O segundo, disse Trump, "protege completamente a fronteira" sul, através da construção de um muro no limite com o México e da contratação de mais agentes de imigração.  O terceiro passava por pôr fim ao sistema de sorteio de documentos de residência, sendo substituído por um sistema de mérito para os imigrantes com habilidades requeridas por empresas americanas. E o quarto - que gerou protestos dos legisladores democratas durante o discurso - colocaria fim às políticas que permitem o reagrupamento familiar, limitando ao máximo a possibilidade de os imigrantes já instalados no país trazerem outros membros das suas famílias.

Os heróis

Entre os homenageados estava o ex-fuzileiro Matthew Bradford, do Kentucky, que perdeu a visão e as suas pernas no Iraque, em 2007, depois de pisar numa mina. Depois de várias cirurgias e de um período de recuperação, o fuzileiro voltou a alistar-se, em 2010, sendo o primeiro cego e amputado de duas pernas a fazê-lo. "Não são convites que se recebam todos os dias. É um grande reconhecimento ser homenageado  pelo Presidente pelo nosso serviço e resiliência", disse Bradford ao Courier Journal antes da cerimónia de ontem.

Também na galeria, junto a Melania Trump, sentou-se David Dahlberg, um guarda florestal da Califórnia que salvou 62 crianças num campo de férias, em julho de 2017, depois do local ficar cercado por chamas sem controlo.

Ashlee Leppert seguiu a bordo de um dos primeiros helicópteros para socorrer vítimas do furacão Harvey. "18 horas de operação para salvar mais de 14 vidas", salientou Trump.

Jon Bridgers fundou em 2016 a organização sem fins lucrativos Cajun Navy, que assistiu a população do Texas na sequência das cheias que tiveram lugar após o furacão Harvey.

Estes foram apenas 10 dos 18 convidados especiais do Estado da União, pessoas comuns que para a administração Trump são testemunho daquilo que os Estados Unidos têm de melhor.

Trump. Os principais pontos (e frases) do discurso à nação 

Unidade

"Esta noite, peço a todos que deixemos de lado as nossas diferenças, que procuremos terreno comum e que possamos construir a unidade necessária para servir as pessoas que nos escolheram".

Economia:

“A América virou finalmente a página de décadas de acordos de comércio injustos, que sacrificaram a nossa prosperidade e enviaram [para outros países] as nossas empresas, os nossos trabalhos e a riqueza da nossa nação”.

"A era de submissão económica terminou".

"Durante muitos anos, as empresas e os postos de trabalho apenas nos abandonaram, mas agora estão a regressar."

Investimento 

“Estou a pedir a ambos os partidos que se unam para nos dar a rede de infraestruturas segura, rápida, de confiança e moderna que a nossa economia precisa e que as nossas pessoas merecem”.

"Vamos construir novas estradas fantásticas, pontes, avenidas, ferrovias e vias fluviais".

Imigração

"Durante décadas as fronteiras abertas permitiram que drogas e gangues entrassem nas nossas comunidades mais vulneráveis. Permitiram que milhões de trabalhadores sem qualificação competissem por empregos e salários com os americanos mais pobres. E, tragicamente, provocaram a perda de muitas vidas inocentes."

"É o momento de mudar estas regras obsoletas de imigração e trazer finalmente o nosso sistema de imigração para o século XXI."

Rivais

"Enfrentamos à volta do mundo regimes fora de controlo, grupos terroristas e rivais como China e Rússia, que ameaçam os nossos interesses, a nossa economia e os nossos valores. No confronto com estes perigos, sabemos que a fragilidade é o caminho mais seguro para o conflito e que um poder sem paralelo é a forma mais segura de defesa."

Guantánamo

"No passado libertamos estupidamente centenas e centenas de terroristas perigosos, apenas para encontrá-los novamente nos campo de batalha. (...) Por isso, hoje cumpro uma outra promessa. Acabo de assinar uma ordem para que o secretário [de Defesa, Jim] Mattis reexamine a nossa política de detenção militar e mantenha aberta as instalações de detenção em Guantánamo."

Se não teve oportunidade de ver o discurso de Trump, reveja aqui (em inglês)