Convidado para participar no programa "Escritores no Palácio de Belém", Mia Couto esteve cerca de uma hora e meia a falar sobre a sua vida e a sua escrita, África e Portugal, com o chefe de Estado sentado na última fila da assistência.
Quase no final da conversa, perante uma turma de estudantes do 10.º ano de Castro Verde, no distrito de Beja, o escritor comunicou: "Quero falar do Presidente que está aqui".
"Vocês não imaginam como o mundo inteiro pode ter neste Presidente que vocês têm um modelo, uma referência", disse-lhes.
Mia Couto acrescentou que o Presidente da República dedicou o seu tempo a este encontro "porque é importante, e porque ele é assim, não está aqui fazendo uma estratégia de propaganda".
Depois, dirigiu-se a Marcelo Rebelo de Sousa: "Quando eu falo em si no Brasil ou nos sítios onde eu vou, as pessoas ficam com imensa inveja de não terem um Presidente como Portugal tem hoje. Parabéns".
"E parabéns a vocês por terem escolhido este Presidente", concluiu, motivando uma salva de palmas.
Antes de dizer estas palavras, Mia Couto manifestou algum receito de ser "mal-entendido", referindo que é moçambicano, que não tem passaporte português e nunca irá votar em Portugal, mas que tem "uma relação de grande afeto e de regresso" com este país.
"Venho a Portugal como se houvesse um regresso antigo de uma parte de mim que é anterior a mim, que volta", descreveu o escritor, filho de portugueses que foram para Moçambique nos anos 50 do século passado.
O Presidente da República reagiu ao elogio de Mia Couto declarando: "Eu agora ia agradecer, mas já não sei o que é que hei de dizer. Parece que estamos combinados".
A seguir, agradeceu a sua presença e disse que, quando era jovem, "teria sido um sonho ter tido a oportunidade de ter uma conversa destas" com um escritor e que, agora, na sua agenda de chefe de Estado, "não há muitos pontos tão interessantes com este".
"O Mia Couto é mais importante do que a maior parte da gente importante", considerou.
Em resposta a perguntas dos alunos e do Presidente, Mia Couto afirmou que, com os seus livros, gostaria de levar as pessoas "à procura da história do outro".
"A literatura tem esse condão. Hoje quando a gente pensa que há tantos muros, tanto convite para olhar o outro como uma coisa estranha: os africanos são assim, os emigrantes são assim, os muçulmanos são assado. E a gente pensa que já sabe, mas não sabemos nunca se não soubermos a história de cada um", defendeu.
"Só te conheço quando sei a tua história", reforçou.
Quem visitar África, aconselhou, "tem de estar disponível", não deve ir com um "desejo de parecença", mas sim "ir para lá à descoberta de uma coisa que pode ser muito, muito diferente".
Mia Couto abordou a questão do racismo em Moçambique, considerando que mudou depois da independência, mas não desapareceu.
"Eu não encontro lugar nenhum do mundo onde esteja resolvido o assunto do racismo. É uma coisa que demora tempo, gerações. E é preciso ter também um outro mundo material, uma maneira diferente de dividir as riquezas que existem no mundo", sustentou.
O escritor falou também da sua passagem pelo jornalismo, do qual disse ter-se afastado pela rapidez com que era "suposto saber sobre os outros".
"Percebi que ali a questão era o tempo. O jornalista tem de fazer essa mentira porque ele tem de ser mensageiro em cima do acontecimento. Preferi ser biólogo porque não cobram ao biólogo esta coisa de dizer o que é que é o outro mundo assim de repente", explicou.
Sobre Portugal, contou que fica "extasiado com a luz" e que Lisboa é talvez "a cidade mais bela" que conhece, acrescentando: "E gosto muito de um modo de ser português, que é um modo de receber bem, é um modo de estar disponível para os outros. Sinto-me bem, sinto-me em casa, sinto-me em família".
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