Cerca de uma hora antes do início do desfile, marcado para as 15:00, a zona do Marquês de Pombal já estava ocupada por cidadãos, identificados com partidos políticos, mas também muitos anónimos e grupos organizados, com cravos vermelhos, apitos, megafones, tambores e faixas com palavras de ordem.
Cidadãos anónimos, cravo ao peito ou nas mãos, traziam apitos e cartazes, nos quais se liam frases como “Liberdade de expressão”, “A liberdade conquista-se todos os dias”, “Orgulhosamente livre”, “Há alturas em que é preciso desobedecer”, mas onde também pediam “mais habitação”, “salários justos” ou criticavam o aumento do custo de vida.
O protesto de centenas de professores ouvia-se por cima da música de intervenção dos carros de som dos partidos, mas outros grupos de protesto também esperaram a sua vez de entrar no desfile, como pouco mais de uma dezena de jornalistas da Lusa.
Depois da chaimite que abriu o cortejo, uma senhora de cabelos brancos, cravo vermelho na mão, tentava contrariar o homem que ao peito tinha escrito “organização” como se fosse um nome e que a tentava encaminhar para a berma da avenida, porque ela estaria a perturbar o desfile das entidades que organizaram o evento.
“O 25 de Abril não é vosso, é do povo”, gritou-lhe a mulher, que continuou a desfilar teimosamente entre a chaimite e o quadrado de tecido vermelho que demarcava o desfile dos organizadores, e que não quis prestar declarações à Lusa porque também não concorda com a forma como o jornalismo se está a portar em Portugal.
Se pelo centro da avenida circulava o desfile organizado, dos partidos, encimado pelo PCP, Juventude Comunista e CGTP, a exigir a paz, o pão, habitação, saúde e educação, era nas bermas que estavam sobretudo os cidadãos, famílias com crianças pequenas, que também tinham as suas razões para ali estar.
Raul e Alexandra foram pelo “esforço e toda a luta de todos os homens e mulheres” que os antecederam, numa altura em que é preciso continuar a fazer um esforço pela liberdade.
“Hoje, para mim, tem um significado muito especial porque vejo que esta liberdade e os direitos que nós temos muito ameaçados por movimentos extremistas no nosso país. Assusta-me imenso”, disse Alexandra.
Ao longo do percurso largas centenas de populares aproveitavam a sombra ou faziam fila para comprar água ou um cravo vermelho de última hora.
“Os cravos são a um euro. Levo o mesmo que no ano passado, para não dizerem que está tudo mais caro. Vá, que é para acabar”, ia respondendo a florista, junto ao Rossio.
Inês e Filipa vieram pela primeira vez ao desfile como “uma forma de prestar homenagem àquilo que aconteceu e que ainda hoje em dia contribui tanto” para a vida do país.
“Acaba por ser uma festa”, diz Inês Lacerda, de 22 anos.
“É também assegurar que a nossa geração e as futuras gerações valorizem sempre este dia, todo o significado e a liberdade que o país ganhou”, acrescentou Filipa Morais.
A ver o movimento descendente na avenida, Fausto Castelhano confessou que não falta a um desfile e nem faltou ao 25 de Abril.
Na altura, era o responsável na RTP pelo emissor de Monsanto, correu para o serviço de madrugada, quando ouviu o primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas (MFA), mas o emissor de Monsanto já estava ocupado pelas forças afetas ao regime.
“Eu, quando me apresentei ao serviço na RTP, fiquei imediatamente detido. Creio que os militares do MFA se esqueceram das instalações principais de onde poderia ser dada a transmissão até à casa dos telespectadores. E creio que isso foi uma oportunidade perdida, porque não houve oportunidade de verem ao vivo, minuto a minuto, tudo o que se estava a passar, quer o movimento militar, quer o movimento popular”, disse, salientando que “é uma mágoa” que tem.
“Não houve televisão nesse dia. Só a partir creio que das 17:50, para aí”, acrescentou.
Já era quase 18:15, os discursos oficiais tinham terminado há muito, a última “Grândola” tinha sido cantada e a chaimite estava pronta para regressar ao quartel, quando as centenas de professores em protesto começavam a chegar aos Restauradores, enchendo ainda meia avenida, por detrás da faixa onde se lia “Só não há dinheiro para quem trabalha”.
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