“Não tenho qualquer notificação. Temos seguido sempre, e para mim é essencial, em Lisboa, o combate à corrupção, a transparência, tudo aquilo que são a parte da regulação em relação aos dados e portanto nós estamos a trabalhar, mas não temos qualquer notificação nesse aspeto. Mas estaremos sempre do lado da lei, a cumprir a lei e a fazer as coisas como elas devem ser feitas”, disse Carlos Moedas (PSD).
Em manchete, o jornal Novo afirma hoje que o Ministério Público (MP) vai levar a Câmara de Lisboa a julgamento por, no mandato anterior, liderado por Fernando Medina (PS), ter divulgado dados pessoais de dissidentes russos à embaixada da Rússia, no âmbito da organização de uma manifestação por estes ativistas.
Segundo o jornal, o MP acompanha a deliberação da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), que condenou e multou em 1,2 milhões de euros a autarquia.
A Lusa pediu à Procuradoria-Geral da República uma confirmação da acusação da Câmara de Lisboa pelo MP por violação de dados no caso conhecido como “Russiagate”, mas até ao momento não obteve resposta.
Um processo foi aberto devido a uma participação - que deu entrada na CNPD em 19 de março de 2021 - relativa à comunicação pela autarquia à embaixada da Rússia em Portugal e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros russo de dados pessoais dos promotores de uma manifestação realizada junto à embaixada.
Os ativistas, dissidentes do regime russo, tinham realizado em janeiro de 2021 um protesto pela libertação de Alexey Navalny, opositor do Governo russo, e argumentaram que a Câmara Municipal de Lisboa, liderada então por Fernando Medina, pôs em causa a sua segurança e a dos seus familiares na Rússia aquando da divulgação dos seus dados.
O caso tornou-se conhecido da opinião pública em junho do ano passado, levando a uma série de protestos, desde a Amnistia Internacional aos partidos políticos.
Fernando Medina pediu "desculpas públicas" pela partilha desses dados, assumindo que foi "um erro lamentável que não podia ter acontecido", e disse que soube do caso através da comunicação social.
Na apresentação de uma auditoria interna sobre o assunto, o então presidente do executivo lisboeta (agora liderado por Carlos Moedas, que na altura pediu a demissão de Medina) reconheceu que a autarquia desrespeitou reiteradamente um despacho de 2013 assinado por António Costa, presidente do município à data e atual primeiro-ministro.
Em 2013, António Costa emitiu um despacho para alterar a prática, dando “ordem de mudança de procedimento no sentido de só serem enviados dados à Polícia de Segurança Pública e ao Ministério da Administração Interna”.
Um mês depois de conhecida a divulgação de dados às autoridades russas, a Câmara de Lisboa aprovou por maioria (com oito votos a favor, seis contra e três abstenções) a exoneração do encarregado de proteção de dados do município e coordenador da equipa de projeto de proteção de dados pessoais, Luís Feliciano.
Foi ainda aprovada a alteração das competências da equipa de projeto de proteção de dados pessoais e designado o respetivo coordenador.
A presidente da CNPD, Filipa Calvão, ouvida no parlamento sobre esta matéria, defendeu que o encarregado de proteção de dados não deveria ser destituído, sublinhando que a responsabilidade deveria ser imputada apenas ao município.
Medina recusou que a exoneração do responsável tivesse servido como “bode expiatório” e definiu-a como uma necessidade para “restabelecer a confiança no funcionamento dos serviços”.
Questionado sobre a polémica, António Costa considerou não haver responsabilidades políticas a extrair da transmissão de dados às autoridades russas, lamentando a ideia lançada de que a Câmara de Lisboa seria “uma espécie de centro de espionagem do senhor Putin”.
Também confrontado com o caso, o embaixador da Rússia em Portugal, Mikhail Kamynin, afirmou em junho que a embaixada eliminou os dados dos manifestantes do protesto, frisando que as informações não foram transmitidas a Moscovo.
Já em janeiro deste ano, a CNPD multou a Câmara de Lisboa em 1,2 milhões de euros no processo relativo ao tratamento de dados pessoais de participantes em manifestações, depois de ter identificado 225 contraordenações nas comunicações feitas pelo município no âmbito de manifestações, comícios ou desfiles.
A coima relativa à contraordenação pela ausência da avaliação do impacto sobre a proteção de dados poderia atingir 10 milhões de euros, enquanto as restantes 224 poderiam ir, cada uma, até aos 20 milhões de euros.
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