Pioneira da dança contemporânea, determinada na abordagem de questões sociais, trabalhou com compositores como John Cage, teve por alunas Trisha Brown e Meredith Monk, concebeu coreografias como “Ceremony of Us” (“Cerimónia de nós mesmos”, em tradução livre), congregando bailarinos afro-americanos e brancos, na viragem da década de 1950 para a seguinte, quando a luta pelos direitos civis atingia o auge nos Estados Unidos e, em estados do sul, ainda persistiam políticas segregacionistas.

“A dança foi um abrir de olhos [para mim] – levá-la onde as pessoas estão, em vez de esperar que viessem ter comigo”, disse Anna Halprin ao The New York Times, em 2014, numa entrevista que o jornal hoje recorda.

Nascida Anna Schuman em Winnetka, Illinois, em 13 de julho de 1920, Halprin iniciou os estudos de dança, dentro dos padrões clássicos, na infância. Concluiu-os na Universidade de Wisconsin, onde se formou no início da década de 1940, e onde conheceu o arquiteto paisagista Lawrence Halprin (1916-2009), com quem viria a casar-se e a construir 70 anos de vida em comum.

Após a II Guerra Mundial, o casal fixou-se em São Francisco. Em 1955, Anna Halprin fundou a Francisco Dancers’ Workshop, companhia e escola, onde trabalhou com compositores como Luciano Berio, John Cage, Terry Riley e La Monte Young, com escritores como Richard Brautigan, James Broughton e Michael McClure, e onde teve por alunos figuras maiores da dança e da música nos Estados Unidos, como Trisha Brown, Meredith Monk, Simone Forti e Yvonne Rainer. Para a escola, Lawrence Halprin concebeu um ‘deck’ que se tornou num dos mais célebres laboratórios da dança contemporânea, nos anos de 1950.

Entre as mais conhecidas coreografias de Anna Halprin encontra-se “Parades & Changes”, de 1965, na qual os bailarinos dançam até à nudez, e que a coreógrafa Anne Collod revisitou em “Parades & Changes, Replays”, apresentada em Portugal, em 2009, nos auditórios da Culturgest, em Lisboa, e de Serralves, no Porto.

Estreada no Hunter College de Nova Iorque, a obra foi de imediato proibida, emitidos mandados de captura para a coreógrafa, o compositor Morton Subotnick e para os bailarinos.

“Parades & Changes”, considerada pela crítica e a história da dança “uma peça-chave, fundamental para a compreensão do trabalho de pesquisa levado a cabo por Halprin desde os anos de 1950”, esteve afastada dos palcos norte-americanos durante 20 anos, embora tenha sido escolhida como espetáculo de estreia, na inauguração do Museu de Arte de Berkeley, na Califórnia, em 1970.

A obra “resulta de um longo processo de experimentação baseado na improvisação estruturada, da colaboração entre bailarinos e na pesquisa sobre o processo, o lugar, a ação e o autor”, explicou Anne Collard, que trabalhou de perto com a coreógrafa norte-americana, quando da apresentação em Portugal.

“O seu trabalho [de Anna Halprin] é uma parte importante da História da Dança”, disse o coreógrafo Merce Cunningham, o primeiro dos contemporâneos, com Martha Graham, nos Estados Unidos.

O percurso de Anna Halprin centra-se na importância de envolvimento da comunidade, nos seus processos, na renovação da dança e na noção de que esta é “uma atividade profundamente democrática”. É o caso de “Planetary Dance” (“Dança Planetária”) uma obra aberta a todos, que se destina a ser interpretada por qualquer pessoa que decida participar, mesmo sem formação como bailarino, mesmo que não saiba dançar.

Depois de lhe ter sido diagnosticado um cancro, no início dos anos 1970, Halprin começou a utilizar a dança como instrumento de fisioterapia e recuperação, procurando responder a necessidades físicas. Desenvolveu programas específicos para pacientes de cancro e de sida.

Com a filha Daria, fundou o Instituto Tamalpa, em 1978, destinado à formação e investigação, nesta área. Com o marido, escreveu “Intensive Care: Reflections on Death and Dying” (“Cuidados Intensivos: Reflexões sobre a Morte e o Morrer”), em 2000.

A obra de Anna Halprin soma mais de 150 coreografias. Escreveu três livros de caráter autobiográfico, o mais recente dos quais “Making Dances That Matter” (“Fazer a Dança que Interessa”), de 2019, no qual procura desenvolver recursos para a “criatividade comunitária”.

“Parte do desafio que enfrentei no meu trabalho foi levar a prática de dança a um lugar onde possa servir múltiplas necessidades sociais, comunitárias e de sobrevivência”, escreveu Halprin, nesta derradeira obra.

O seu objetivo, confessou, foi sempre “a criação de danças importantes para as pessoas, na sua vida real, como veículo de mudança social e de resistência da comunidade”.