NÃO CEDER AOS TERRORISTAS

RESGATE DE REFÉNS NO AEROPORTO DE ENTEBBE, 1976

Um casal alemão embarcou num avião da Air France em Atenas a 27 de junho de 1976, instalou‐se tranquilamente nos seus lugares na primeira classe e colocou as volumosas bagagens de mão por baixo dos lugares à sua frente. O homem era de baixa estatura, com barba e cabelo castanhos que emolduravam um rosto oval, um bigode que caía sobre um queixo pontiagudo e olhos azuis e arredondados. Aparentemente cansado, recostou‐se no assento e fechou os olhos. A companheira, com casaco e calças de verão, era uma mulher alta e loura com um rosto cuja beleza ficava ligeiramente prejudicada por um queixo proeminente.

O voo do Airbus A300 de Telavive para Paris, com uma curta escala em Atenas, transportava 246 passageiros, 105 dos quais judeus e israelitas, e doze elementos da tripulação. Na escala em Atenas embarcaram mais pessoas. Os passageiros provenientes de Telavive olharam de forma indiferente para dois homens aparentemente originários do Médio Oriente, com fatos escuros, que foram levados para os seus lugares na classe turística por uma hospedeira loira e sorridente.

Às 12h35, quinze minutos após o avião ter descolado de Atenas, os dois alemães abriram os seus sacos. O homem retirou uma grande caixa de chocolates com cores garridas e abriu a tampa de lata. A mulher pegou numa garrafa de champanhe e começou a rodá‐la nas mãos. Subitamente, o homem sacou uma metralhadora em miniatura da caixa de chocolates e pôs‐se em pé com um salto. Correu para a cabina e apontou a arma aos pilotos. Ao mesmo tempo, a mulher desenroscou o fundo da garrafa de champanhe e retirou uma pistola e duas granadas.

«Mãos no ar!», gritou aos passageiros da primeira classe. «Não saiam dos vossos lugares!»

Madalena Sá Fernandes junta-se ao É Desta Que Leio Isto no próximo encontro, marcado para dia 23 de novembro, pelas 21h00. A autora traz "Leme", o seu primeiro livro, editado pela Companhia das Letras.

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Madalena Sá Fernandes nasceu em Lisboa, em 1993. Licenciou-se em Línguas, Literaturas e Culturas pela Universidade Nova de Lisboa e escreve crónicas no jornal Público.

Este livro apresenta "o relato da vivência de uma rapariga que assiste, durante anos, à erosão dos pilares que sustentam as ligações humanas: vê a mãe subjugada à violência do homem com quem mantém uma relação amorosa disfuncional; vive na pele a distorção dos papéis desempenhados por pais e filhos; alimenta-se da solidão para ultrapassar um quotidiano de medo e fúria; disputa um lugar só para si no meio do caos familiar; aprende a reconhecer o consolo das pequenas vitórias; e, por fim, reconstrói-se a si e às suas memórias", é referido na sinopse.

"Nenhuma criança conhece de antemão os nomes das coisas, mas todas as crianças reconhecem instintivamente o perigo. Para a protagonista desta história, o perigo tem o nome de um homem, e é sinónimo de obsessão, desequilíbrio, solidão, desamparo, poucas certezas e muitas dúvidas", pode ler-se.

Assim, "Leme" é entendido como "um golpe de escrita para regressar à vida. Uma cintilação plena de vida e um soco no escuro que nos engole: eis um livro que aponta diretamente aos limites do bem e do mal".

Gritos semelhantes podiam ouvir‐se na classe económica, onde os dois homens do Médio Oriente tinham saltado dos seus lugares empunhando pequenas metralhadoras e subjugado facilmente os outros passageiros. A voz agitada do sequestrador alemão ressoou nos altifalantes. Anunciou, num inglês com sotaque, que era o novo comandante do avião e identificou‐se como Basil Kubaissi, comandante do «Comando Che Guevara da Faixa de Gaza», pertencente à Frente Popular de Libertação da Palestina.

Houve pânico nos compartimentos dos passageiros: gritos de medo e de raiva, e choro, irromperam de quase todos os lugares. Os passageiros, horrorizados, perceberam que tinham sido sequestrados e eram prisioneiros de terroristas. O «novo comandante» e a companheira ordenaram aos passageiros que atirassem todas as armas na sua posse para os corredores. Alguns atiraram canivetes. Em seguida, os sequestradores revistaram cuidadosamente todos os passageiros do sexo masculino. Entretanto, o avião virou e dirigiu‐se para sul.

Numa reunião do governo em Jerusalém, foi discretamente entregue um bilhete a Shimon Peres. O ministro da defesa, de cinquenta e três anos, fora um dedicado assistente de David Ben Gurion; atribuía‐se a Peres o estabelecimento da aliança de Israel com a França, em 1956, e a realização de uma «missão impossível»: a construção de um reator nuclear secreto perto da cidade de Dimona, no sul do país.

Peres passou o bilhete ao primeiro‐ministro, Yitzhak Rabin, que pôs os óculos e leu. Um ano mais velho do que Peres, com cabelo louro grisalho e tez rosada, Rabin combatera no Palmach, as tropas de elite de Israel durante a Guerra da Independência. Assumira o cargo em 1974, depois de ter sido chefe do estado‐maior das Tzahal e embaixador de Israel nos EUA. Concorrera ao cargo de primeiro‐ministro contra Peres nas primárias do Partido Trabalhista, mas apesar do apoio do aparelho do partido ganhara por poucos votos. Os dois homens detestavam‐se e Rabin fora obrigado a aceitar Peres como ministro da Defesa contra a sua vontade.

Ambos, apesar das suas más relações, tinham de cooperar para tratar da segurança de Israel. Tanto Rabin como Peres conheciam bem a Frente Popular, uma organização terrorista liderada pelo Dr. Wadie Haddad, médico nascido em Safed que abandonara a sua profissão para se dedicar à luta contra o Estado judaico. Realizara vários sequestros sangrentos e recorria também a recrutas estrangeiros, incluindo o famoso Carlos, um terrorista de origem venezuelana com um cadastro aterrador de atentados à bomba, raptos e assassinatos, que o tinham tornado o homem mais pro‐ curado da Europa. Haddad fora o primeiro a organizar o sequestro de um avião israelita, em 1968, e tinha a reputação de ser um fanático traiçoeiro e cruel.

Livro: "Não Há Missões Impossíveis"

Autores: Michael Bar-Zohar e Nissim Mishal

Editora: Clube do Autor

Data de Lançamento: outubro de 2023

Preço: € 20,00

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A Guerra dos Seis Dias, em 1967, alterara radicalmente as relações entre Israel e os seus inimigos. Em junho de 1957, ameaçado de aniquilação pelo presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, e pelos seus aliados, Israel desencadeara uma guerra preventiva que aniquilara os exércitos do Egito, da Síria e da Jordânia; Israel emergiu da guerra com o controlo de enormes pedaços de território: a Península do Sinai, os montes Golã e a Cisjordânia. Após a extraordinária vitória de Israel, os exércitos árabes tinham sido em grande parte substituídos por organizações terroristas recém‐criadas que afirmavam continuar a luta do mundo árabe contra Israel. Estas organizações substituíram o confronto no campo de batalha por sequestros, atentados à bomba e assassinatos, dirigidos sobretudo contra civis israelitas. A Frente Popular de Wadie Haddad era um dos grupos mais impiedosos que Israel tinha de enfrentar.

Depois de receber as notícias do sequestro, Rabin e Peres convocaram com urgência um conselho de ministros e altos funcionários. Enquanto o grupo estava reunido, chegaram mais informações sobre o sequestro. Entre os cinquenta e seis passageiros que tinham embarcado em Atenas, quatro eram passageiros em trânsito que tinham chegado à Grécia num voo da Singapore Airlines proveniente do Koweit. Julgava‐se que tinham passaportes falsos. A Mossad, o serviço nacional de informações de Israel, identificou rapidamente os alemães como Wilfried Böse, fundador do grupo terrorista alemão Células Revolucionárias, anterior‐ mente associado a Carlos e agora à Frente Popular; e a companheira de Böse, Brigitte Kuhlmann, que se sabia pertencer ao grupo terrorista Baader‐Meinhof. Os outros dois foram identifica‐ dos como os palestinianos Abu Haled el Halaili e Ali el Miari.

Os relatórios dos serviços secretos referiam também que a segurança do aeroporto de Atenas revistara apenas de forma superficial as bagagens dos passageiros e não vira as quatro metralhadoras em miniatura Scorpion nem as granadas, escondidas em caixas de chocolate de lata e numa garrafa de champanhe. Além disso, várias embalagens de explosivos tinham sido escondidas na bagagem de mão dos sequestradores.

À meia‐noite, enquanto o avião parecia ainda dirigir‐se para o Médio Oriente, Peres reuniu‐se com Yekutiel «Kuti» Adam, o chefe de operações das Tzahal, de quarenta e nove anos, um general brilhante com um enorme bigode farfalhudo que revelava as origens caucasianas da família. Certificaram‐se de que as Tzahal estariam preparadas para entrar à força no avião se aterrasse no Aeroporto Ben Gurion. Entraram num jipe do Exército e dirigiram‐se para a base da Sayeret Matkal, a unidade de elite de comandos das Tzahal, que já começara a ensaiar um ataque a um grande Airbus, para o caso de o avião sequestrado aterrar em Israel.

O recém‐nomeado comandante da Sayeret era Yoni Netanyahu, com trinta anos, um dos irmãos Netanyahu que, segundo Peres, «eram já lendários: três irmãos que combatiam como leões, destacando‐se nos seus feitos e na sua aprendizagem». Os irmãos, Yonatan «Yoni», Binyamin «Bibi» e Ido, filhos do famoso académico Ben‐Zion Netanyahu, eram ou já tinham sido membros da Sayeret Matkal. Yoni, nascido em Nova Iorque, um bonito tenente‐coronel de cabelo desgrenhado, conjugava as suas capacidades militares com um grande amor pela literatura e, sobretudo, pela poesia. Após a Guerra dos Seis Dias, Yoni passara um ano em Harvard e seis meses na Universidade Hebraica antes de regressar ao serviço militar. Naquela noite, Peres e Adam esperavam encontrá‐lo na base da Sayeret; no entanto, estava fora, a liderar uma operação no Sinai, e o ensaio foi supervisionado pelo seu vice, Muki Betzer, um dos melhores combatentes da Sayeret.

Não ficaram muito tempo porque Peres, pouco depois de chegar, foi informado de que o avião sequestrado fizera uma escala para reabastecimento em Bengasi, na Líbia, e continuara em direção ao seu destino, no coração da África: o aeroporto de Entebbe, nos arredores de Kampala, capital do Uganda. As primeiras notícias provenientes de Entebbe revelaram que o ditador do Uganda, o general Idi Amin, recebera calorosamente os terroristas e declarara‐os «bem‐vindos». Ao que parecia, a aterragem em Entebbe fora previamente combinada com Amin.

Amin era um governante cruel e temível que governava o seu país com mão de ferro. Era um homem enorme, com o uniforme coberto de medalhas, e a revista Time chamara‐lhe o «selvagem de África». Outrora um humilde soldado, subira na hierarquia do Exército até se tornar chefe do estado‐maior e em seguida tomara o poder com um golpe de Estado sangrento e declarando‐se a si próprio «Sua Excelência o Presidente Vitalício, Marechal de Campo Alhaji Dr. Idi Amin Dada, Senhor de todos os animais em terra e de todos os peixes nos mares, Conquistador do Império Britânico em toda a África e especialmente no Uganda». Até há pouco tempo, Amin fora aliado de Israel e realizara o treino de paraquedista da academia de paraquedismo das Tzahal como convidado do antigo ministro da defesa Moshe Dayan. Peres conhecera‐o num jantar em casa de Dayan e recordava‐se de ele ser simultaneamente atraente e assustador, «como uma paisagem da selva, como um segredo indecifrável da Natureza».

Mais tarde, Amin rompeu as relações diplomáticas com Israel quando a primeira‐ministra Golda Meir se recusou a vender‐lhe jatos Phantom. Expulsou também todos os israelitas do seu país e tornou‐se amigo dos piores inimigos de Israel, nações árabes hostis e organizações terroristas. Durante a Guerra do Yom Kippur, em 1973, afirmou até ter enviado uma unidade do Exército do Uganda para combater contra as Tzahal. E este déspota sem escrúpulos tinha agora nas suas mãos a vida de 250 reféns no aeroporto de Entebbe, a 4000 quilómetros de Israel.

Quando estas notícias chegaram a Israel, houve uma tempestade. Os Israelitas foram assolados por sentimentos de fúria e desamparo. Nos meios de comunicação social, surgiram debates acesos sobre a reação adequada. Muitas das famílias dos reféns juntaram‐se para pressionar o governo. Todos faziam a mesma exigência: libertem os nossos entes queridos.

Nos dias que se seguiram, a situação tornou‐se mais clara. Em Entebbe havia mais terroristas à espera do avião. Amin enviara o seu avião privativo à Somália para trazer Wadie Haddad e alguns dos seus capangas. Os reféns estavam no Terminal Velho do aeroporto, guardados por terroristas e soldados ugandeses. Os terroristas tinham separado os passageiros judeus dos outros, fazendo reviver memórias atrozes da «seleção» do Holocausto pelos nazis na Segunda Guerra Mundial. Uma das terroristas alemãs, Brigitte Kuhlmann, era especialmente cruel, agredindo ver‐ balmente os passageiros judeus com comentários antissemitas grosseiros.

À chegada, Wadie Haddad entregou a Amin uma lista de ter‐ roristas presos em Israel e noutros países que exigiu que fossem trocados pelos reféns. E a lista vinha com um ultimato: se Israel não aceitasse as exigências de Haddad antes do fim do prazo que estabeleceu, os seus homens começariam a executar os reféns. Amin enviou a lista para Israel.

O primeiro‐ministro Rabin nomeou uma comissão ministerial para lidar com a crise. Na reunião da comissão a 29 de junho, Rabin perguntou ao seu chefe do Estado‐Maior, general Mordechai («Motta») Gur, se considerava que poderia haver «uma opção militar».

Gur era uma espécie de lenda. Depois de combater na Guerra da Independência, ingressara no corpo de paraquedistas e participara em muitas situações de combate ao lado de Ariel Sharon. Fora ferido num combate contra as tropas egípcias em 1955. Em 1967, liderara a 55.ª Brigada de Paraquedistas na conquista de Jerusalém Oriental e fora o primeiro soldado israelita a chegar ao monte do Templo. «O monte do Templo é nosso!», gritou pela rádio quando o seu veículo meia‐lagarta chegou ao lugar mais sagrado do povo judeu. Após a Guerra do Yom Kippur, Gur fora nomeado chefe do Estado‐Maior de Israel, o décimo no cargo; Rabin tinha uma grande consideração por ele, mas pensava que Gur não tinha solução para a questão de Entebbe.