“Muitos especialistas [estão empenhados] e muito dinheiro está a ser aplicado na descoberta de vacinas e de tratamentos e, apesar de haver algumas opiniões mais otimistas, isso não acontecerá tão depressa”, diz em entrevista à agência Lusa, o especialista principal do ECDC para resposta e operações de emergência, Sergio Brusin.
“Não é algo que vai acontecer nos próximos meses”, reforça o perito.
Aludindo às várias investigações em curso, dentro e fora da Europa, Sergio Brusin nota que, apesar de alguns testes em humanos para potenciais vacinas estarem já a avançar, “para haver produção suficiente para distribuir por toda a gente na Europa serão precisos vários meses, não é algo que poderá ser feito rapidamente”.
“É preciso haver uma produção segura, fazer a distribuição, priorizar a quem dar primeiro”, elenca, destacando ser “muito mais provável que isso só aconteça em 2021”.
Aqui entra também a incógnita que este novo coronavírus ainda é para os especialistas, visto que, por ser um surto novo, não se sabe “se as vacinas ou tratamentos a serem criados irão proteger apenas por uma temporada, como as vacinas da gripe, ou se será algo que irá proteger por mais tempo”, explica Sergio Brusin à Lusa.
"É preciso ser cauteloso no levantamento das medidas e isso só pode ser feito se [os países] monitorizarem realmente a situação de forma muito próxima"
Por isso, “de momento, é preciso continuar a fazer” o que está a ser feito, “nomeadamente [manter] o distanciamento físico e social, o rastreamento de contactos”, entre outras medidas, defende.
“E se uma vacina for descoberta no final deste ano, início do próximo, e se a produção arrancar logo, então no próximo ano talvez possamos estar mais otimistas”, adianta o especialista.
De acordo com Sergio Brusin, “ligeiramente mais otimista” é agora o retrato da pandemia na Europa, pelo menos face há algumas semanas, razão pela qual o especialista recomenda aos países que sejam “cautelosos” e “vigiem” o levantamento das medidas restritivas.
Em cerca de 20 países europeus, entre os quais Portugal, “foi já possível estabilizar o aumento em termos de números”, pelo que “a pandemia na Europa está, lentamente, a abrandar”, explica o responsável.
“Definitivamente que ainda não estamos a conseguir controlar [a pandemia], mas o número de casos também não está a aumentar como estava a acontecer”
“Isto mostra que as medidas adotadas pelas várias autoridades, incluindo pelos Estados-membros, estão a resultar e agora temos de ser muito ponderados e começar a levantar algumas das restrições para ver o que acontece”, alerta.
E recomenda: “É preciso ser cauteloso no levantamento das medidas e isso só pode ser feito se [os países] monitorizarem realmente a situação de forma muito próxima para que, antecipadamente, possam reimpor algumas das medidas se for necessário”.
Ainda assim, isto não significa que a covid-19 já esteja controlada na Europa.
“Definitivamente que ainda não estamos a conseguir controlar, mas o número de casos também não está a aumentar como estava a acontecer”, ressalva Sergio Brusin.
Existem, porém, países “onde este decréscimo ainda não está a acontecer e não se sabe se foi por causa da tardia implementação de medidas ou se existem outras razões”, entre os quais Suécia, Reino Unido ou Bulgária, adianta o especialista à Lusa.
Centro europeu de doenças destaca “intervenção precoce” em Portugal
O Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) considera que o baixo número de doentes com covid-19 em Portugal, comparativamente a outros países, resulta da “intervenção precoce” das autoridades e da reduzida importação de casos do estrangeiro.
Numa altura em que o país já ultrapassou a barreira dos 27 mil casos e dos mil mortos, ainda assim muito abaixo do registado noutros países do espaço comunitário, o especialista principal do ECDC para resposta e operações de emergência, Sergio Brusin, afirma em entrevista à agência Lusa que “Portugal e outros países na Europa têm um número inferior de casos”.
Uma das justificações é “a implementação atempada de medidas, que é algo que pode diminuir bastante a propagação”, destaca o perito, que é um dos mais experientes daquele organismo da União Europeia (UE).
“Isto foi algo que aconteceu em Portugal e noutros países da Europa por causa da intervenção bastante precoce”, reforça.
A outra justificação, de acordo com Sergio Brusin, “é que poderá ter havido menos introdução [de casos do] exterior, como aconteceu na Grécia, por exemplo”.
Os primeiros casos de covid-19 em Portugal (importados de Itália e Espanha) foram registados a 02 de março, quando já outros países europeus tinham dezenas ou centenas de infetados.
E só precisamente um mês depois de ter sido registada a primeira morte na Europa (de um turista chinês em França), é que se verificou o primeiro óbito em Portugal, a 16 março passado, um idoso de 80 anos com outras patologias.
Mas foi ainda antes da primeira morte que o Governo português começou a adotar medidas de contenção do surto, começando logo com a suspensão de eventos com mais de 5.000 pessoas e dos voos para Itália, a 09 de março.
A 12 março, o executivo de António Costa decretou o fecho de todos os estabelecimentos de ensino públicos e privados, medida com efeito a partir de 16 de março, e também nessa altura começaram a ser encerrados outros espaços não essenciais, dada a declaração de estado de emergência em todo o país (em vigor desde as 00:00 de dia 19 de março), que trouxe ainda restrições à circulação.
Depois dessa fase, Portugal entrou no dia 03 de maio em situação de estado de calamidade devido à pandemia, após três períodos consecutivos em estado de emergência, estando agora em vigor medidas como o dever geral de recolhimento domiciliário e o uso obrigatório de máscaras ou viseiras em transportes públicos, serviços de atendimento ao público, escolas e estabelecimentos comerciais.
“É muito fácil dizer que deveríamos ter sido mais rápidos, mas não creio que, em meados de janeiro, a população tivesse aceitado ficar fechada nas suas casas"
Questionado pela Lusa se a Europa, no seu todo, demorou a agir, Sergio Brusin sublinha que “a resposta dada foi sempre razoável e proporcional ao conhecimento disponível”, visto que “havia muito pouca informação de início”.
“Pensávamos que a situação estava apenas confinada à China, a Wuhan” […], mas agora começamos a ver que talvez tenhamos tido introdução [de casos] na Europa mais cedo do que pensávamos, como indicam os últimos relatórios de França, e na altura não sabíamos que o vírus já estava a circular na Europa”, assinala.
Além disso, de acordo com Sergio Brusin, “teria sido difícil impor este tipo de restrições e medidas” sem a informação que hoje existe.
“É muito fácil dizer que deveríamos ter sido mais rápidos, mas não creio que, em meados de janeiro, a população tivesse aceitado ficar fechada nas suas casas, não circular, parar de trabalhar em fábricas e noutros locais, porque o surto nessa altura parecia confinado a Wuhan e a mais alguns locais na China”, adianta o especialista.
Especialista prevê “verão anormal” na Europa com distanciamento em praias e voos
O especialista Sergio Brusin, do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), antecipa que o próximo verão na Europa “não será normal”, devido à covid-19, sublinhando a necessidade de manter distanciamento em praias e em voos.
“Com alguma cautela, é possível recomeçar, mas também é necessário entender que esta não será uma temporada normal de turismo ou de viagens, será uma temporada com uma lenta reabertura da economia, em que será possível fazer um pouco mais do que acontece hoje [dado o confinamento], mas não será um verão normal na Europa”, refere em entrevista à agência Lusa o especialista principal do ECDC para resposta e operações de emergência, Sergio Brusin.
Um dia antes de a Comissão Europeia divulgar recomendações para os setores do turismo e dos transportes, após o encerramento de fronteiras internas e externas da União Europeia (UE) e da suspensão de viagens para conter o surto, o especialista diz à Lusa as recomendações do centro europeu para estas áreas “são as mesmas” feitas em termos gerais.
“É possível retomar gradualmente [estes dois setores], mas só se [o país] conseguir monitorizar, fazer uma boa vigilância e tiver camas suficientes [nos cuidados intensivos] e equipamento de proteção suficiente para os serviços de saúde, trabalhadores na primeira linha e para a população em geral”, enumera Sergio Brusin.
E por notar que “o distanciamento físico e social está a resultar”, o especialista recomenda que esta medida continue a ser seguida pelos Estados-membros, tanto no que toca a meios de transporte como voos, como a locais como praias.
Em causa está, por exemplo, a opção de atribuir lugares alternados em voos para deixar o assento do meio livre entre passageiros.
“Tanto nos aviões como em todos os outros meios de transporte – como comboios, autocarros – isto é particularmente difícil [de concretizar] e cada país e cada operador terá de fazer uma rigorosa avaliação de risco”, mas “se for possível manter uma distância física razoável, o risco baixa”, explica Sergio Brusin.
O mesmo se aplica às praias, segundo o especialista, para quem “este tipo de medidas [de distanciamento] vão funcionar em qualquer local, seja ou não turístico”.
“Há várias coisas que podem baixar o risco, mas nenhuma pode garantir que não há risco”
“Se o distanciamento social é possível numa grande praça numa determinada cidade, também irá resultar numa praia, nas ruas. O que sabemos é que as pessoas não devem estar fisicamente próximas para não transmitirem o vírus dessa forma”, insiste Sergio Brusin.
E compara: “Se estiver a andar numa rua com muita gente em Lisboa, será tão mau como estar numa praia cheia em Marbella [Espanha]”.
Já questionado sobre a colocação de possíveis divisórias em praias e em restaurantes, Sergio Brusin explica que “depende bastante da configuração” porque só se as pessoas estiverem “distanciadas por dois metros ou mais” é que têm “risco muito baixo de transmitir a doença”.
“Se o quiserem fazer com uma divisória em vidro ou colocando mesas mais afastadas umas das outras é quase a mesma coisa e depende sempre muito do espaço que há disponível, da situação local, se há vento ou humidade, se é um espaço fechado ou aberto”, elenca.
Ainda assim, deixa o alerta: “Há várias coisas que podem baixar o risco, mas nenhuma pode garantir que não há risco”.
“A grande conclusão é que é preciso manter distância. Se se conseguir manter a distância, as coisas vão correr muito melhor. E já o vimos nos últimos meses, [porque] quando essas medidas foram aplicadas, o número de casos baixou”, conclui Sergio Brusin.
A Europa é a região mais afetada do mundo pela pandemia, tendo já ultrapassado as barreiras das 150 mil mortes em milhões de casos.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.
Sediado na Suécia, o ECDC é um organismo da UE que ajuda os países a criar respostas para surtos de doenças.
*Entrevista de Ana Matos Neves, da Agência Lusa
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