Foi nos corredores do Parlamento Europeu que nos cruzamos com Péter Techet e Martin Bukovics, um analista a trabalhar em Viena, e um jornalista ambos húngaros vieram para assistir à sessão de abertura do novo Parlamento Europeu, tal como o SAPO24.
Na agenda, o desejo de ver as primeiras intervenções da nova estrela da oposição húngara no Parlamento Europeu, Péter Magyar, líder do novo partido "Respeito e Liberdade", mas a conversa rapidamente se encaminhou para Orbán e a sua recente viagem à Rússia, pouco antes daquela sessão plenária.
Sobre a reação da opinião pública ao facto das intervenções de Orbán naquele plenário terem sido descartadas, Péter comenta: "Não foi um grande problema na opinião pública, porque a imprensa amiga do estado decidiu ignorar a oposição e os media independentes e preveniram qualquer tipo de reação popular. É o que tem acontecido deste que o Orbán está no poder há mais de 10 anos".
Sobre a presidência do Conselho da UE a cargo do governo do país, Martin acrescenta. "Acho que não terá importância quase nenhuma. O Orbán está a fazer um jogo de poder com a Europa e a tentar criar caos".
"Claro que se Trump ganhar as eleições pode fazer alguma diferença, mas já será no fim do mandato (em novembro) e não fará quase nada. Ele está bastante sozinho no que diz respeito aos conservadores. A Meloni está a afastar-se e por isso só lhe resta fazer um pequeno caos na narrativa", diz.
"Lembrar que quanto ao Trump, Orbán não é só pró-Rússia, é também pró-China, e neste ponto acho que o Trump não estará de acordo. Por isso, quando se conhecerem, não sei se estarão tão na mesma página como a maior parte do mundo pensa", sublinha.
Um país sem oposição
Cada vez mais isolados da restante Europa, as políticas de Orbán limitam a cada dia a possível oposição. Agora integrados numa família Europeia os Patriotas pela Europa, onde também está o partido de André Ventura, Chega, o partido do governo húngaro Fidesz vai eliminando inimigos internos.
Segundo Martin Bukovics, existem dois grandes grupos de oposição. Os socialistas que estão a perder, quer internamente, quer ao nível do Parlamento Europeu e um grupo quase tão conservador como o Orbán, encabeçado por Péter Magyar.
Neste último caso, o partido de Péter Magyar que é parte do PPE, onde se integra o PSD e o CDS, é a nova estrela da oposição. É, no entanto, ideologicamente, muito semelhante ao do primeiro-ministro, apesar de se tentar posicionar entre Orbán e a posição pró-europeia.
"O objetivo deste Péter Magyar é conseguir ser eleito e por isso apela a todos os públicos", sublinha o jornalista. "Apesar disto, a questão da União Europeia é muito importante dentro da narrativa húngara porque é a esperança que a própria união se possa revoltar contra a política do Fidesz. Mas, isso não tem acontecido e por isso Magyar tem usado técnicas de Órban", aponta.
Como vantagem, este novo partido está a contribuir para o fim do Jobbik, outrora um grande movimento conservador no país.
Para Péter a importância desse movimento é atualmente nenhuma: "O partido quase desapareceu durante as eleições europeias, tendo menos de 1%. Mas foi substituído por outro partido extremista, o 'Mi Hazánk' (O movimento da nossa terra) que é a mesma narrativa do Jobbik. São anti-União Europeia, Racista, Anti- LGBTQIA+, mas não são tão fortes".
Sobre Péter Magyar, o analista refere que este se concentra nos temas da soberania nacional até mesmo contra a União Europeia, mas também contra a “máfia de Orban”.
"Usa narrativas de Órban contra ele. Mas é importante reiterar ele é de direita e conservador", destaca. "O que ele está a fazer é o que foi feito na Polónia. É tentar arranjar uma alternativa à direita", afirma.
Órban e a Ucrânia
Naquela sessão planaria, votava-se também para que o Parlamento Europeu raiterasse que a UE deve continuar a apoiar Kiev, durante o tempo que for necessário até à vitória, e os eurodeputados apoiaram unanimemente uma resolução que define a primeira posição oficial do Parlamento Europeu recentemente eleito sobre a invasão russa.
Reconhecido como pró-Putin esta não é a opinião do primeiro-ministro húngaro, o que preocupa a opinião pública.
"É muito estranho observarmos este alinhamento relativo à Rússia, em especial nesta última visita a Moscovo de Órban. Mesmo a direita húngara nunca apoiou a Rússia. A Hungria não é a Sérvia, onde os laços com a Rússia são claros. A Hungria tem um passado pesado com a Rússia", refere Martin.
"Até o Órban era conta a Rússia, mas desde que está no poder (2010) mudou a narrativa e existem até teorias da conspiração que é um agente do Kremlin", sublinha o jornalista ironicamente. "De qualquer forma, esta narrativa mudou a forma como toda a direita olha para a Rússia e hoje sabemos que pode parecer uma tentativa de obter a paz, mas na realidade a narrativa é sempre de proximidade com a Rússia", afirma.
"A resposta de Órban para a guerra é a Ucrânia desistir da guerra", aponta. "Neste ponto Péter Magyar também não sabemos como vai agir. Ainda agora durante o debate no Parlamento Europeu sobre a Ucrânia, votou contra apoiar a Ucrânia. Não percebemos ainda se é uma estratégia para obter o eleitorado ou se é a verdadeira opinião dele", acrescenta.
Magyar tem sete eurodeputados em 21, o Órban 11. "O objetivo dele é provavelmente ser um Donald Tusk húngaro", adianta o jornalista.
Um país sem imprensa
Numa nota mais séria, questionamos o que se passava na imprensa do país. Entre risos, Péter Techet foi perentório: "A maior parte dos cidadãos vê notícias online, em especial no Facebook".
"Sabemos que existe uma enorme pressão económica sobre os média. Já não existe imprensa escrita privada, o que existe é imprensa do estado", acrescenta. A isto acrescenta-se a escassez de media de qualidade: "Não se sabe de onde vem as notícias das redes sociais. Podem vir do Estado, de uma empresa privada, de onde quer que seja".
Além disso, segundo o profissional da comunicação, "existe um conglomerado de media estatal que trabalha de forma coordenada e existe em todas as plataformas". Fora dos meios do estado "existem alguns meios independentes, mas como os anúncios no Facebook vão diretamente para a rede social não se consegue pagar a jornalistas e por isso ninguém quer ser jornalista", refere o analista.
Apesar disso, sublinha que existem possíveis soluções como subscrições, entre outras. "Estamos a tentar ser criativos para criar novas formas de fazer notícias", afirmam ambos.
O jornalista, destaca que apesar de tudo não existe censura na Hungria. "Ninguém vai preso na Hungria por escrever alguma coisa. O que tem feito é notícias falsas feitas pelo governo", revela, além da preferência por cobrir o partido do governo e as suas atividades.
Aponta ainda que "quando existe um grande evento ninguém vai ver os media do estado. Porque sabem que não podem confiar neles e acabam sempre por encontrar meios independentes. O Youtube, por exemplo, é uma forma de ver notícias hoje em dia", acrescenta Péter.
Recorde-se que o Alto Representante cessante da União Europeia (UE) para os Negócios Estrangeiros convocou, esta segunda-feira uma reunião informal para Bruxelas no final de agosto, boicotando uma reunião de contornos semelhantes que estava prevista para Budapeste, para mostrar que “há consequências”.
O anúncio foi feito por Josep Borrell após uma reunião ministerial, em Bruxelas, na sequência de um mal-estar generalizado com a atual presidência semestral húngara do Conselho da UE.
“Tem de haver consequências simbólicas e formais”, disse Borrell.
*O SAPO24 esteve a acompanhar a primeira sessão do Parlamento Europeu em Estrasburgo a convite do Parlamento Europeu
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