"Estávamos a receber o primeiro-ministro quando se ouve um ‘chinelar’ no primeiro andar, de uma senhora que ainda morava no edifício, que desceu as escadas de roupão para abraçar o primeiro-ministro, declarando que gostava muito dele", recordou o antigo deputado social-democrata, em declarações a propósito dos 40 anos da autonomia regional que se assinalam este ano.
Segundo Fernando Faria, que então era vice-presidente da Assembleia Legislativa, "não havia as seguranças que há hoje", porque também "não havia as ameaças que há hoje".
"Ficámos todos a pensar que podia ter-se dado ali um ato violento, mas, afinal, tratava-se de um ato de ternura", afirmou, entre sorrisos, Fernando Faria, que foi deputado entre a I e a IV legislaturas (1976-1992).
Naquele tempo, a Assembleia Regional era composta por 43 deputados que, inicialmente, auferiam apenas o correspondente aos dias em que se realizavam sessões plenárias ou reuniões de comissões parlamentares.
Os deputados entenderam, no entanto, que a eleição de dois deputados por ilha e mais um por cada 7.500 habitantes, num total de 43, "prejudicava as ilhas maiores", como é o caso de São Miguel e da Terceira, em matéria de representatividade.
"Se somássemos os votos das ilhas mais pequenas, São Miguel e Terceira não tinham maioria, embora tivessem mais população" lembrou o ex-parlamentar social-democrata, adiantando que, por essa razão, a Assembleia Legislativa decidiu aumentar o número de deputados de 43 para 52.
Uma nova alteração à lei eleitoral, ocorrida em 2006, permitiu aumentar novamente o número de deputados ao parlamento dos Açores, que passou a eleger 57 deputados (mais cinco, através de um circulo regional de compensação).
Fernando Faria, 72 anos, manifestou alguma desilusão pela evolução que o processo autonómico açoriano registou ao longo dos últimos 40 anos.
"Tenho uma certa desilusão. A ideia inicial disto era o parlamento ser o primeiro órgão da autonomia regional. Nunca foi, porque, na prática, quem manda no parlamento são os líderes dos principais partidos", observou.
O antigo deputado contou que, nos primeiros anos da autonomia, os partidos procuravam o "consenso" entre as partes, mesmo que tivessem de estar reunidos "até às duas, três da manhã".
"Agora, a ordem final vem do presidente do partido", realçou, lamentando que o regime parlamentarista que se desejava para os Açores "nunca" tenha funcionado plenamente.
Os deputados, que entretanto passaram a auferir o vencimento mensal pelo desempenho da sua atividade política, a maioria dos quais em regime de exclusividade, foram perdendo, por outro lado, oportunidade de intervir em plenário, para levantar problemas da sua ilha ou da região, considerou.
"Estou convencido de que há deputados que durante quatro anos não conseguem abrir a boca no plenário", alertou o ex-deputado social-democrata, recordando que agora "apenas falam os líderes dos partidos", o que é “um bocado frustrante".
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