Pouco faltava para as quatro da tarde e o movimento no parque de estacionamento indicava que alguma coisa deveria estar para acontecer em breve. Para quem vem de Lisboa, Santarém por estes dias é capital de um dos festivais de gastronomia mais concorridos e, entre os carros que chegam e as pessoas que deles saem em direção aos pavilhões do CNEMA - Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas, é de presumir que fosse o petisco a razão desse vai-e-vem. Trata-se de um equívoco de forasteiros, como percebemos minutos depois. Nem o festival de gastronomia tem mesa naquele recinto, nem estes convivas vêm pelo petisco. São convivas do evento que é a nossa razão de estarmos ali e que, visto de fora, parece ter casa cheia garantida.

Lá dentro, estão tantas outras pessoas, bem mais do que cá fora, muitas já sentadas. À espera. O que a trouxe cá? “Sou do PPD/PSD e ele é PPD”, responde Isabel, que veio de Almeirim e que ali está de olhos postos no palco. O nome 'dele' é Pedro Santana Lopes e esta é uma frase de iremos ouvir mais vezes ao longo da tarde.

Santarém foi o lugar escolhido por Pedro Santana Lopes para anunciar a sua candidatura a líder do PSD “para unir o partido e ganhar o país”. Ou para clarificar primeiro e unir depois o partido, e daí seguir para o país, como dirá mais à frente. Mas mais que dois verbos em punch lines é capaz de ser tiro ao lado e, no grande cartaz colocado à entrada da sala, é de unir e ganhar que se trata. Clarificar fica para mais tarde e já lá vamos.

O ambiente na sala que irá receber o candidato já está composto, como se costuma dizer nestas coisas. A maior parte das cadeiras está ocupada e há gente ao fundo da sala e de pé, alinhados num conjunto de dois ou três degraus. O palco está pronto e a sala é embalada ao som de “paz, pão, povo e liberdade, todos unidos no caminho da verdade”, o hino do PSD em loop. A comunicação social está a postos, câmaras apontadas, repórteres de microfone em punho, outros sentados a rever notas ou a preparar o artigo que irá sair dali.

Vêem-se caras conhecidas, Rui Gomes da Silva distribui abraços, Carlos Carreiras também lá está, e chegarão “históricos” como Rui Machete, presidente da Comissão de Honra da candidatura a quem caberá a nota de abertura. Mas há quem venha sem ser por compromissos partidários. É o caso de Zulmira Gonçalves que veio de Coimbra por causa do tempo em que trabalhou com Santana Lopes na Figueira da Foz. “Ele é único. Não o conhecia antes de trabalhar com ele na Figueira da Foz, entrei na câmara por concurso público e prometi-lhe que voltaria ao PPD/PSD, se ele voltasse à política”. Ele voltou e ela também.

À medida que se encurtavam os minutos que iam até à hora marcada para a apresentação - 4 da tarde de um domingo de calor em pleno outono ribatejano - o speaker, aquela voz sem rosto que ouvimos em estádios de futebol e também em comícios, fazia-se ouvir. Repetia que faltavam apenas uns minutos para chegar aquele que todos esperavam e pedia que as pessoas fossem ocupando os lugares. Pedro Santana Lopes está quase. Mais uns minutos e, de novo, está quase. Até que “Pedro Santana Lopes está a entrar nesta sala … aplausos … vamos unir o partido e ganhar o país”. Sai do ar o hino do PSD, entra uma música pensada para trazer solenidade o momento. O speaker ainda diz que quer ouvir “PSD, PSD”, recebe algum coro em troca. Santana Lopes entrada sala. Senta-se na primeira fila do lado direito e sorri.

Não vai ser ele a dar o tiro de partida. Como mandam os rituais nestas coisas da política, há um antes. Que é um momento definidor, quanto mais peso tiver o antes, mais valor entrega ao protagonista da sessão. Rui Machete dispensa grandes apresentações, mesmo para os mais novos ou para os mais distraídos. É aquilo que se convenciona chamar um “histórico” do partido de que foi fundador, onde exerceu variadíssimos cargos, quer internamente, quer no Governo, foi presidente da Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e é um nome ouvido e respeitado.

E Rui Machete não se engana. Começa como deve começar. Por recordar os mortos e as vítimas dos incêndios da semana passada. Pede um minuto de silêncio, e faz-se silêncio. Mesmo com o bebé que chora, mesmo com o telemóvel que acaba por tocar. Um minuto, em pé e em silêncio.

O "nosso" Pedro ou o mito do eterno retorno

Só depois, Machete diz que está ali para falar do “nosso” Pedro Santana Lopes. Há coisas que não se herdam, conquistam-se dirá mais à frente o candidato e Machete conquistou cada palavra que ali profere. Conquistou o direito a tratar Francisco (Sá Carneiro) por Francisco e Pedro (Santana Lopes) por Pedro. Porque conheceu o Francisco e porque conhece o Pedro e porque o “Francisco sempre reparou no Pedro”.

Espalhados na sala, muitos militantes terão a certeza que estão na casa certa. Como Isabel, com quem falámos antes e que ali está “por causa do ideal de Sá Carneiro”, e como José António Manica, apoiante de Pedro Passos Coelho, por causa de quem se filiou no partido em 2015, mas que não hesita em dizer que “Sá Carneiro é o que une” os dois Pedros.

Rui Machete não se demora. Sublinha que é Santana Lopes que tem “o perfil mais adequado e mais carisma”, que “nunca soçobrou perante os revezes” e que “a sua maturidade e capital de experiência acumulado” o irão ajudar.

De volta à plateia, há quem acene afirmativamente. Zulmira Gonçalves já o tinha dito, por outras palavras. “A idade, a tranquilidade, o ter passado por tanta coisa”, diz, fazem dele hoje um melhor político. “Mais sereno, mas com a garra de sempre”. “Está mais maduro e mais persistente na política”, sublinha, no mesmo sentido, Isabel. “E não vai ser traído por um presidente”, acrescenta José Manuel Manica. Como foi com Sampaio, é o que está a dizer?, perguntamos. “Sim, foi caprichoso”.

De volta ao palco. Santana já abraçou Machete, os fotógrafos já captaram o momento, e ele lá está, sozinho, no púlpito, com uma plateia de 600 pessoas à sua frente. Não acusa qualquer estranheza. Pudera. E as primeiras palavras revelam o à-vontade de quem faz isto desde que tem memória. “… está calor… Se tirar o casaco a meio, não se ofendam”. Não irá tirar, mas ninguém se teria ofendido. É o Santana.

E Santana sabe as regras da casa. É por isso que começa por agradecer ao anfitrião, o presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves, que está na sala, recordando que aprendeu que um líder de autarquia é “a autoridade máxima” quando está presente. Agradece, de seguida, a Rui Machete, enumera outros agradecimentos a várias estruturas do partido, para deixar deliberadamente para o fim Isaura Morais, presidente da Câmara Municipal de Rio Maior e sua mandatária por Santarém. Terá ainda uma última palavra para Conceição Monteiro, “a minha querida Conceição Monteiro”, que foi secretária de Francisco Sá Carneiro e que é uma apoiante de todas as batalhas que já travou.  Não esquece os incêndios. “Estamos todos devastados com uma tragédia que deixa cicatriz profunda na alma nacional”. E só cumpridas as regras do que tem de ser dito, entra na política a sério, naquele que é o palco onde o conhecem desde sempre.

Andou por aí e agora "está aqui"

E será pela memória que vai começar. Com a célebre frase de 2005, aquela que proferiu quando anunciou cessar funções na liderança do partido, aquela que, afirma, nunca pensou ver tantas vezes repetida. A de que ia “andar por aí”. E andou por aí, como é público e notório, mas agora, e faz a pausa que estes momentos exigem,  diz “estou aqui”.

“Aprendi em 2004 e 2005 que a legitimidade do voto não se herda, conquista-se”, diz o Santana de 2017 ao Santana de 2004 que herdou o poder de Durão Barroso, de partida para Bruxelas, saindo da Câmara Municipal de Lisboa, que tinha conquistado pelo voto em 2001, para o cargo de primeiro-ministro, a que não tinha concorrido. Diz que quer propor um pacto: não vai falar do passado, nem comparar o que aconteceu com o seu governo de 2004 face a governos futuros. Está lá toda a alusão às vitórias e governos de José Sócrates, mas o nome nunca será proferido. Todos o sabem na sala, por isso aplaudem, por isso se agitam. Mas lá deixa escapar que pensa várias vezes sobre esse passado e o futuro em que se transformou, “ai se isto fosse com o Santana”. Risos na sala. Decreta que todos tenham “contenção e decoro”, como quem diz sem dizer que todos têm telhados de vidro.

Naquele momento, percebe-se que ele percebe. Quem anda nas lides da política há mais tempo, percebe que era impossível que não percebesse. Percebe que o seu passado é para os seus adversários, dentro e fora do partido, uma arma de arremesso. E percebe-se que deixa um sinal claro: todos têm um passado, dentro e fora do partido, e ele também sabe qual é. Por isso não vai decretar o fim da memória, pelo contrário, vai assumir que a memória não é um fantasma mas sim uma prova de vida. “Alguém quer um partido sem memória? Sem respeito por si próprio? O que vou dizer é o que sempre disse. Venho assumir o que sou e o que quero continuar a ser”. Está feita a declaração de interesses. Segue-se o ajuste de contas.

Quem nunca?

É altura para introduzir o verbo "clarificar". Santana Lopes quer primeiro clarificar e depois unir o partido. Clarificar implica saber quem é o quê, quem fez o quê, quem defende o quê. Afinal vai falar-se de passado. Sem nomear, vai falar-se do passado de várias figuras do PSD, incluindo o seu adversário, Rui Rio. Pedro Santana Lopes honra-se do “trabalho de salvação nacional feito por Pedro Passos Coelho”. Santana Lopes “nunca foi para a Aula Magna fazer sessões com o Bloco de Esquerda”. Santana Lopes “nunca foi para a Associação 25 de Abril ouvir elogios de Vasco Lourenço”. Santana Lopes nunca disse, a meio de uma legislatura do partido, que “a democracia está mais difícil; estamos a caminho de uma ditadura corporativa”. E hoje está ali a apresentar essas contas.

Isto é Santana Lopes a clarificar.

Fará depois o historial dos desafios que aceitou a pedido do partido, será especialmente aplaudido quando recorda que, em 1997, Marcelo Rebelo de Sousa o desafiou para concorrer à Câmara Municipal da Figueira da Foz, e que ganhou. Também recorda o desafio de Durão Barroso para a Câmara de Lisboa, mas sintomaticamente a sala aí fica em silêncio. Fez tudo isso, mas, sublinha, “nunca como desta vez" veio "para clarificar e unir”.

“Eu não gosto de chamar geringonça"

Segue-se a mira à oposição que fará, depois de clarificar e unir o partido, e antes de ganhar o país. O tiro, como era de esperar, é certeiro a António Costa. No pavilhão de Santarém, Santana Lopes decreta morte ao termo “geringonça”. “Eu não gosto de chamar geringonça. Eles adotaram o termo, acham que envolve algum carinho. Trata-se de uma frente de esquerda com comunistas e a extrema esquerda das quais o PS se aproveita para governar com um programa que não é o seu”. Talvez a sala não esperasse uma declaração tão explícita, mas sabe-se pelos aplausos que o queria ouvir. “Este governo apoiado pela extrema esquerda é mau para o país. Quem assume que vai governar à esquerda tem de assumir as consequências”.

Quanto ao PPD/PSD, tem de preparar a alternativa. Que partido quer Santana? “Mais adequado aos tempos que vivemos (…) Com respeito pelas nossas origens e cada vez mais popular, entendendo por popular perceber os anseios e problemas das pessoas”. O caderno de encargos para o país “aposta no crescimento da riqueza”, porque o candidato não quer se contentar com ordenados de “600 ou 700 euros” para licenciados, com um PIB aquém de outros países - enumera Espanha, Irlanda e Suécia, mas sempre sublinhando que “Portugal não se pode fechar em folhas de Excel”. 

Captar e agregar talento, combater o esquecimento dos mais velhos, mais sozinhos, mais fracos - e aqui vislumbram-se os anos de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a contribuir para o ideário -, combater a desertificação. Quer um Estado forte na saúde, na educação, na segurança social - mas “espera muito” dos privados. Tudo isto sendo “intransigente” com os princípios e valores. O que significa, diz, assumir pactos, mas não “com migalhas para contentar parceiros de coligação”. Deixa escapar o que entende por migalhas. “Qualquer dia sobra ao PS deixar que seja aos 14 ou aos 15 anos que os jovens vão poder tomar decisões sobre a sua vida”.

Há uma pausa que antecipa uma declaração solene. Os 40 anos de política ativa de Pedro Santana Lopes estão todos naquele palco. Tira os óculos e olha em frente. “O meu nome é Pedro Santana Lopes e assumo tudo o que fiz até hoje”. Podia ser um fim de intervenção. Mas não é.

Apresentação da candidatura de Pedro Santana Lopes
créditos: MadreMedia

Tem mais para dizer e este foi apenas um ponto de ordem. Quer dizer que não se incomoda por ter 61 anos, mas que se incomoda por esse ter sido um tema que o seu adversário trouxe ao debate. “Disse que eu era mais velho que ele, bem sou um ano mais velho … eu compreendo e não levo a mal”. Não leva a mal, mas lista todos os líderes europeus da “sua” idade ou mais velhos, como Merkel, May ou Rajoy, e também os mais novos, do primeiro-ministro de Áustria recém-eleito, com apenas 30 anos, ao canadiano Trudeau. Tal como recorda que “a vida é feita de vitórias e derrotas”, foi assim com “Sá Carneiro, com Soares, com Mitterrand, com Chirac”. Tudo para provar um ponto: “ninguém deve ser excluído”. Cita Ortega Y Gasset porque “cada um é ele próprio e as suas circunstâncias”.

E volta às suas circunstâncias. Repete o nome. “Sou pai de 5 filhos, avô de quatro netos, divorciado mas bem na minha vida pessoal”.

Não termina sem um desafio, um elogio e uma homenagem. Um desafio às distritais do PSD para que organizem debates com os dois candidatos “para que os militantes os possam conhecer”. Um elogio ao Presidente da República que foi nestes dias “a voz da consciência nacional” e de que o PPD/PSD “se deve orgulhar". E um agradecimento a Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão e Pedro Passos Coelho.

Foi um Santana que não desiludiu aqueles “que deram uma lição e que num domingo de calor não falharam à chamada”. Um Santana que se apresentou  para fazer o que sempre fez melhor, política. Confrontando o seu adversário interno e confrontando o seu adversário externo. Que respondeu aos anseios de quem veio por causa de Sá Carneiro, do PPD, do D. Sebastião eterno que é no partido. Que continua melhor no improviso do que no protocolo. As bandeiras ergueram-se e ele usufruiu o momento. “O meu nome é Pedro Santana Lopes e espero ser o próximo presidente do PPD/PSD”.