Quais são as acusações contra Lula?
Lula da Silva está neste momento ligado a vários casos em investigação na justiça. São eles:
Lava Jato: investigação sobre vasto esquema de corrupção na estatal energética Petrobras, envolvendo empresas, políticos e funcionários públicos. A primeira vez que o seu nome veio a público numa investigação judicial foi em abril de 2015, quando Lula apareceu associado a um caso de favorecimento da empresa de construção brasileira Odebrecht, uma das empresas envolvidas no esquema de corrupção da Petrobras. Lula começou a ser investigado pelo Ministério Público Federal de Brasília sob a suspeita de tráfico de influências. O Banco Nacional de Desenvolvimento Económico emprestou 7 milhões de reais a Odebrecht (cerca de 1,7 milhões de euros), através da influência de Lula, indicou a investigação.
Também durante as investigações da operação Lava Jato foi apurado que Lula da Silva obteve vantagens patrimoniais e teve despesas pessoais pagas pelas construtoras que foram beneficiadas pela Petrobras. De acordo com o Ministério Público Federal do Paraná, a 24ª fase da operação, denominada Aletheia, pretende aprofundar a existência de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro provenientes dos desvios da petrolífera estatal. Há ainda indícios de que Lula aplicou os valores recebidos nas obras de um apartamento triplex no Guarajá e em outro imóvel em Atibaia, ambos no estado de São Paulo, e em móveis de luxo. O político é ainda suspeito de tentar ocultar a propriedade do apartamento triplex, que foi adquirido através da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo.
Operação Zelotes: Em janeiro de 2016, Lula foi chamado a depor na Polícia Federal, na condição de testemunha, por suspeita de pagamentos em troca da aprovação de duas medidas provisórias que concediam benefícios fiscais para empresas do setor automóvel que se instalaram em determinadas zonas do país. Em fevereiro o ex-presidente do Brasil passou da condição de testemunha para ser um dos elementos investigados na operação, uma vez que as medidas em questão foram aprovadas quando Lula da Silva era presidente. A primeira foi aprovada em 2009 e a segunda medida provisória em 2010. Além de Lula, outros membros do seu governo estão em investigação no processo.
Que suspeitas pesam sobre Dilma Rousseff?
A 15 de março, Dilma Rousseff foi surpreendida pela denúncia do ex-senador do Partido Trabalhista, Delcídio do Amaral, à Procuradoria Geral da República. Delcídio acusou a presidente do Brasil e Lula da Silva de estarem envolvidos no esquema de corrupção da Petrobras, conhecido como Lava Jato.
O ex-senador tinha sido preso em novembro de 2015, acusado de prejudicar a investigação da Lava Jato, através da tentativa de compra do silêncio de um dos empresários da Petrobras. Delcídio disse ter sido alvo de pressões por parte do ministro da Educação Aloízio Mercadante para que não desse mais informações à justiça sobre o esquema Lava Jato.
Através do uso da delação premiada (mecanismo que permite à justiça negociar com os réus informações sobre outros crimes e criminosos, em troca de uma redução da pena), o ex-senador Delcídio do Amaral denunciou a participação de Lula, através de várias pressões, nos casos de corrupção Lava Jato e Mensalão. Delcídio afirmou que Dilma Rousseff sabia do esquema de desvio de dinheiro na Petrobras e que interferiu nas investigações da Lava Jato, levando ao encerramento de duas comissões parlamentares de inquérito.
Dilma Rousseff distanciou-se destas acusações. No dia 17 de março, depois de Lula da Silva ter aceitado o cargo de ministro da Casa Civil, o juiz Sérgio Moro, levantou parcialmente o sigilo em relação a várias escutas ao ex-presidente do Brasil, inclusive, conversas com Dilma Rousseff. Numa delas, Dilma informa Lula que vai enviar o termo de posse (documento oficial que veicula o cargo de ministro) para ele usar apenas “em caso de necessidade”, numa alegada tentativa de evitar a prisão do ex-presidente do Brasil. Mais uma vez Dilma Rousseff rejeitou essas acusações. Afirmou que o documento tinha sido enviado previamente porque não era certa a presença de Lula da Silva na tomada de posse coletiva.
Quem é Sérgio Moro?
Para uns, herói. Para outros, uma figura polémica. Sérgio Moro, juiz federal na cidade de Curitiba, é o responsável pela maior operação anticorrupção da história do Brasil, a Lava Jato. Dada a sua exposição, o juiz de 44 anos é neste momento dos brasileiros mais conhecidos no país, tendo chegado inclusive a ser eleito personalidade do ano, em 2014, por vários órgãos de comunicação social.
Casado e com dois filhos, Sérgio Moro formou-se em Direito na Universidade Estadual de Maringá em 1995 e tornou-se juiz federal no ano seguinte. É Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná e, em 1998, completou os estudos em Harvard, nos Estados Unidos. A sua participação em vários e programas de estudo sobre lavagem de dinheiro, promovidos pelo Departamento de Estado norte-americano, de carácter restrito, transformou Moro num especialista nestas questões, tendo participado no caso Banestado, na Operação Farol da Colina e no caso Mensalão.
É apoiado pela Associação dos Juízes Federais do Brasil, que já defendeu publicamente todas as medidas adotadas por Sérgio Moro na condução dos processos relacionados com a Operação Lava Jato. No entanto, depois da divulgação das escutas a Lula da Silva, Sérgio Moro também foi criticado por advogados e constitucionalistas. No âmbito da Lava Jato, o juiz já expediu 134 mandados de prisão e 93 condenações criminais. Uma das penas mais pesadas foi para Marcelo Odebrecht. O dono da maior construtora do Brasil, uma das beneficiadas no esquema da Lava Jato, foi condenado a 19 anos e quatro meses de prisão por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Por que razão Dilma convidou Lula para ser ministro?
É caso para dizer que à terceira, foi de vez. Lula já tinha sido convidado duas vezes por Dilma para ser ministro do seu governo, convites que foram recusados pelo ex-presidente. Com a ajuda do seu mentor e antecessor, Dilma previa conseguir melhorar a situação do país, mas Lula defendeu, na altura, que o cenário económico só iria melhorar com uma reformulação profunda da equipa do governo. Com a nomeação de Lula para ministro, Dilma tentaria afastar de vez o processo de destituição (impeachment), uma possibilidade cada vez mais presente.
Na recusa do segundo convite, que aconteceu a 11 de março, Lula levantou a hipótese de desgaste político, caso aceitasse ser ministro, além de que o ato poderia ser visto como uma fuga ao pedido de prisão que já tinha recebido, acusado de estar envolvido na Lava Jato. Até que, esta semana, a tese de Lula assumir um cargo no governo ganhou força. Lula aceitou o convite e tomou posse como ministro da Casa Civil. No entanto, a nomeação, feita ao som de manifestações contra e a favor de Lula, foi suspensa poucos minutos depois da tomada de posse, provocando uma guerra jurídica. Entretanto, Tribunal Regional Federal anulou a decisão do juiz que suspendia a nomeação de Lula. O político ainda não pode, contudo, ser ministro porque estão a ser analisadas várias providências cautelares contra a nomeação ao cargo.
O que ganha Lula da Silva ao assumir o cargo de ministro?
A decisão de Lula da Silva pode ter sido precipitada no dia 14 de março, depois de a juíza Maria Priscilla Ernandes, de São Paulo, encaminhar a denúncia e o pedido de prisão preventiva do Ministério Público brasileiro do ex-Presidente da República para Sérgio Moro, o juiz federal responsável pela operação Lava Jato, defendendo que os crimes denunciados, relacionados com as propriedades de Lula no estado de São Paulo, são federais e não estaduais.
De acordo com a BBC Brasil, a nomeação de Lula como ministro conduz a investigação e o julgamento do político para instâncias superiores. "Com o foro privilegiado, ele passa a ser julgado diretamente em última instância. Isso significa que todo o processo tem de ser remetido para o Supremo Tribunal Federal, ele (o processo) e todas as provas", afirmou Cláudio José Langroiva Pereira, professor de Direito Processual Penal, citado pela BBC Brasil.
Segundo a lei brasileira, no caso de um processo judicial, as pessoas que exerçam cargos e funções de especial relevância para o Estado devem ser julgadas por órgãos de última instância, uma vez que estes garantem maior independência. No Brasil esse órgão é o Supremo Tribunal Federal. Este é o único que pode julgar pessoas que ocupem, por exemplo, os cargos de Presidente da República, secretários de governo e ministros. Consequentemente, o processo de acusação ou absolvição pode ser mais célere.
Os especialistas em direito brasileiro encontram-se divididos face à situação de Lula da Silva. Por um lado, há quem defenda que o ex-Presidente do Brasil pode beneficiar com esta mudança, uma vez que há elementos do Supremo favoráveis a Lula e a Dilma Rousseff. Por outro, há quem acredite que esta alteração pode vir a prejudicar o político uma vez que, ao ser julgado por esta instância, não será possível recorrer da decisão, sendo esta a única e a final.
Pode o governo brasileiro cair? O que é o impeachment?
Impeachment (impedimento ou impugnação) é o termo vulgarmente utilizado no Brasil para referir o processo constitucional de destituição do Presidente da República. Aconteceu na década de 90 com o presidente Fernando Collor de Mello, que renunciou ao cargo em dezembro de 1992, horas antes de ser condenado pelo Senado pelo crime de responsabilidade (violações do dever legal cometidas por políticos), perdendo os direitos políticos por oito anos. Collor respondeu pelo crime de corrupção passiva, mas foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal devido a falta de provas que o ligassem a um grande esquema de captação de dinheiro para o financiamento da campanha presidencial.
Em dezembro de 2015, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, aceitou um pedido de destituição de Dilma, proposto por partidos da oposição. Os principais argumentos para a cassação do mandato de Dilma são: decretos de aumento da despesa sem a autorização do Congresso Nacional; o atraso do pagamento de programas governamentais aos bancos federais, o que na prática representa um empréstimo dos bancos ao governo, que é ilegal; o governo não ter registado oficialmente as dívidas que tem com os bancos; e omissão de casos de corrupção – Dilma é acusada de não ter ajudado no combate aos casos de corrupção na Petrobras, beneficiando assim o PT.
No entanto, este é um processo longo que precisa de cumprir várias etapas, antes de uma possível destituição da presidente. O Supremo Tribunal Federal deu esta semana, dia 17, o aval para continuação da análise do processo de impeachment, que vai ser feita pelo Congresso Nacional. Para que o processo seja aberto, é necessária a aprovação de dois terços da Câmara (342 deputados). A seguir, o julgamento do processo decorre no Senado, presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. Para perder o cargo, a presidente precisaria de ser condenada por dois terços dos senadores (54 votos). Caso se cumpram todos estes passos, Dilma é afastada do poder e o vice-presidente, Michel Temer, assume o cargo. A Câmara votaria depois pela abertura ou arquivamento do processo. Se o eventual julgamento não ocorresse no prazo de 180 dias, Dilma voltaria ao poder. Caso o contrário, Dilma começaria a ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal. No caso de inocência, pode assumir outra vez o cargo; no caso de culpa, fica inelegível por oito anos.
Porque é que os brasileiros estão a protestar?
Em outubro de 2014, Dilma Rousseff foi reeleita com 51,6% dos votos, numa disputa acirrada com o candidato da oposição Aécio Neves, do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB). A popularidade gozada até então pela presidente começou a cair em 2015 com a implementação de um ajuste fiscal, e também por haver cada vez mais revelações do mega caso de corrupção da Petrobras, o Lava Jato. Durante o período em que o PT tem estado no poder, primeiro com Lula (2003/2011) e agora com Dilma, o país passou de um exemplo de crescimento económico e desenvolvimento social na América Latina, para um país em recessão, manchado por escândalos de corrupção que afetam vários setores importantes da sociedade.
A partir do ano passado, vários movimentos começaram a mobilizar-se em manifestações que têm juntado milhares de pessoas nas ruas das grandes cidades. A última manifestação contra o governo e contra a corrupção aconteceu a 15 de março. De acordo com a Polícia Militar, 543 mil pessoas manifestaram-se em 24 capitais de estado e no Distrito Federal.
Em São Paulo, 100 mil pessoas estiveram na Avenida Paulista (o “palco” do descontentamento contra o governo), de acordo com o Datafolha, que também elaborou um perfil dos manifestantes. 47% foram protestar contra a corrupção, 27% pelo impeachment de Dilma, 20% contra o Partido dos Trabalhadores e 14% contra os políticos em geral. A maioria dos manifestantes (85%) é a favor da democracia, 10% defendeu uma ditadura, “em circunstâncias especiais”. Os manifestantes de São Paulo demonstraram um perfil mais elitista do que a população em geral: 76% têm ensino superior completo e 68% ganham mais de 3.940 reais mensais.
Em paralelo, decorrem também manifestações a favor do Partido dos Trabalhadores, de Lula e Dilma. Nesta sexta-feira, 18 de março, aconteceu uma grande mobilização a favor do governo, que levou milhares às ruas de várias cidades brasileiras.
O que é a Lava Jato? Há ligações com Portugal?
A Lava Jato é a maior investigação sobre corrupção conduzida até hoje no Brasil. Começou em março de 2014 a partir de suspeitas de uma rede de ‘doleiros’ (pessoas que compram e vendem dólares no mercado paralelo) que atuava em vários estados, acabando por levar à descoberta de um vasto esquema de corrupção na Petrobras, empresa estatal do setor da energia, uma das mais importantes produtoras de petróleo do mundo. Cerca de 10 mil milhões de reais (2,40 mil milhões de euros) foram movimentados de forma ilícita no esquema, que beneficiava os partidos políticos responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras. Em linhas gerais, os diretores da petrolífera estatal cobravam subornos às empresas de construção e outros fornecedores para facilitar os negócios com a Petrobras. Os contratos celebrados com estas empresas eram superfacturados (recebiam valores mais altos do que o valor de mercado), desviando dinheiro dos cofres da Petrobras. Parte deste dinheiro era entregue a doleiros e lobistas que o faziam chegar aos bolsos de políticos e funcionários públicos.
Os números da Lava Jato, divulgados pela Folha de São Paulo, mostram a dimensão do caso: 21 procuradores da República na condução das investigações, 150 inquéritos abertos pela Polícia Federal, 494 pessoas e empresas sob investigação, 57 políticos sob investigação no Supremo Tribunal Federal e no Supremo Tribunal de Justiça e 119 prisões desde o início da operação.
A Lava Jato (que ganhou este nome porque eram usados postos de combustíveis e postos de lavagens de carros como fachada para a lavagem de dinheiro) tem ligações com Portugal através da Operação Marquês. O caso investiga a ligação do ex-primeiro Ministro José Sócrates à construtora. A empresa pagou uma viagem de Sócrates ao Brasil em outubro de 2013. Juntamente com o Grupo Lena a Odebretch fez parte do consórcio, que venceu o concurso para a construção do troço do TGV Poceirão-Caia (projeto abandonado pelo governo de Passos Coelho), a concessão do Baixo Tejo, uma parceria público-privada, e a assinatura do contrato para a construção da barragem do Baixo Sabor.
O presidente da Odebrecht já foi detido pelas autoridades brasileiras e o administrador do Grupo Lena, Joaquim Barroca, também foi detido, mas ficou a aguardar em liberdade pelo desenrolar das investigações da Operação Marquês, que investiga esquemas de corrupção com a participação de José Sócrates e do Grupo Lena. Além disso, algumas empresas que fizeram parte do esquema Lava Jato têm ligações com outras empresas e personalidades investigadas em Portugal. A Operação Monte Branco, o BPN, Armando Vara, Carlos Santos Silva e, até, Passos Coelho estão, de certa forma, ligados à Operação Lava Jato.
Existe uma tentativa concertada de tirar o PT do poder?
Não há factos concretos que comprovem esta questão, mas por entre vozes críticas da sociedade brasileira, apoiantes do PT, ouve-se a palavra “golpe” para caracterizar o momento atual e o possível processo de impeachment, que pode levar ao afastamento de Dilma Rousseff. Dilma foi a própria a afirmar que não se pode “tirar um presidente por não se gostar dele”, chamando também “golpistas” aos que pretendem fazer avançar o processo de impeachment.
Mais de 700 artistas e intelectuais brasileiros assinaram o manifesto “Carta ao Brasil” como forma de apoio ao governo de Dilma e contra a tentativa de golpe, a favor da democracia e da legalidade. Durante as manifestações pró-PT, circulam também críticas a alguns meios de comunicação social, acusados de distorcer informações, passando uma imagem errada sobre a complexidade do momento do país.
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