As investigadoras portuguesas Rita Fior e Vanda Póvoa estão a usar o peixe-zebra para estudar o cancro nos humanos. Embora pareça uma combinação improvável, o seu trabalho representa uma grande promessa para futuras aplicações médicas e na semana passada os seus estudos foram publicados na revista Nature Communications.

O estudo baseia-se no transplante de células cancerígenas humanas em dezenas de larvas de peixe-zebra. Assim, os peixes funcionam como "tubos de ensaio vivos" onde se podem testar vários tratamentos e diferentes drogas quimioterapêuticas.

Tudo começou há alguns atrás, quando Rita Fior se apercebeu de que “apesar da maioria dos tumores humanos implantarem com sucesso no peixe [zebra], alguns simplesmente desapareciam num dia ou dois”. No entanto, "quando estes tumores eram tratados com quimioterapia, passaram a implantar muito mais e já não desapareciam”, recorda.

"Se o tumor é rejeitado em condições normais, mas prolifera em animais imunossuprimidos [com sistema imunológico enfraquecido], isso poderá indicar que o sistema imunológico do peixe está ativamente a destruir as células tumorais. E, por outro lado, os tumores que implantam bem, são tumores que são capazes de suprimir o sistema imunitário do peixe", explica Rita Fior.

Para explorar esta hipótese, as investigadoras focaram-se num par de células de cancro colorectal derivadas do mesmo doente, mas que apresentavam comportamentos opostos quando transpostas para o peixe-zebra, sendo ou rejeitas ou conseguindo implantar-se no organismo.

Pelo estudo, entenderam que as células que eram rejeitadas pelo peixe-zebra derivavam do tumor primário do cólon e que as células que se implantavam eficientemente derivavam de uma metástase de um gânglio linfático.

A equipa observou que o tumor primário, que era constantemente rejeitado, estava repleto de células imunes, ao contrário do que acontecia no tumor metastático (lesão tumoral que surge a partir de outra, sem continuidade direta entre as duas), que se implantava sem grandes problemas.

Este resultado veio ao encontro do palpite das investigadoras. No entanto, para confirmar a situação, a equipa reduziu o número de células imunes inatas nos peixes, através de manipulações genéticas e químicas seletivas. Como esperado, esta manipulação acabou por permitir que as células do tumor primário crescessem livremente nos peixes, o que demonstra a importância deste sistema imune inato na eliminação de células tumorais.

Como as "larvas têm apenas imunidade inata", ao contrário do peixe-zebra adulto, dá-se uma oportunidade de estudar mais a fundo o papel das células do sistema imune inato no cancro - algo que, afirma Rita Fior, "não é tão explorado".

Contudo, se o sistema imunitário é tão eficiente a livrar-se das células cancerígenas do tumor primário, permanece a dúvida do porquê de continuarem a ocorrem metástases, ou seja, formações de novas lesões tumorais a partir de outras sem continuidade direta entre as mesmas.

“A razão é que a relação entre o cancro e o sistema imunitário está longe de ser estática”, diz Rita Fior. “No início, as células cancerígenas podem simplesmente tentar esconder-se do sistema imunitário", mas acabam por "corromper" as células imunológicas, passando estas últimas a repelir células imunitárias que poderiam ajudar a destruir o cancro.

Ou seja, as células tumorais não só recrutam diferentes números de células como também alteram a sua função.  Assim, em vez de lutar contra o tumor, começaram a apoiá-lo e protegê-lo. Além disso, esta transformação — denominada imunoedição — acontecia de uma forma assustadoramente rápida em apenas um dia.

"Esperamos que, ao identificar o mecanismo pelo qual as células tumorais suprimem e corrompem o sistema imune inato, possamos encontrar maneiras de bloquear esse processo", explica Rita Fior, afirmando ainda que estes estudos podem ter impacto a nível da imunoterapia.

Os doentes que tiverem "um tumor que gera um ambiente tumoral reativo e menos supressor serão os melhores candidatos a serem tratados com imunoterapia”, explana.

“A maioria dos medicamentos de imunoterapia atuam sobre a imunidade adaptativa e não na inata. Mas, como vimos, a imunidade inata também tem uma grande capacidade de combater o cancro. Como tal, identificar os mecanismos que potenciam esse efeito poderá permitir descobrir novas terapias, e eventualmente combiná-las com as existentes para aumentar a sua eficácia”, conclui.

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