Em causa está o relatório anual sobre direitos humanos do Departamento de Estado dos Estados Unidos, divulgado na sexta-feira, que assinala, entre outras, como uma das principais questões de direitos humanos em 2017 no país, a violação da liberdade de imprensa, aspeto que foi destacado pela comunicação social, mas é contestado pelo Executivo.
Rui Semedo, deputado e vice-presidente do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), considerou hoje, durante o debate parlamentar, que o relatório veio confirmar “o que vem sendo constatado, criticado e denunciado” por jornalistas, oposição e sociedade civil.
“É cada vez mais evidente que o Governo, designadamente o ministro que tutela a comunicação social, não tem sabido lidar, nem com a liberdade de expressão, nem com a independência dos jornalistas e muito menos com a autonomia dos órgãos de comunicação social”, disse.
“A própria reação do Governo a este facto anotado pelo relatório é demonstrativa da forma torpe como o Executivo lida com os profissionais da comunicação social, com total desrespeito, com profundo desprezo, configurando esse ato, em si, mais um atentado direto à liberdade de imprensa”, acrescentou.
O tratamento jornalístico do relatório foi contestado pelo Governo de Cabo Verde, nomeadamente pelo ministro da Cultura e Indústrias Criativas, Abraão Vicente, que tutela a comunicação social, que considera que o documento “é taxativo” ao afirmar que durante 2017 “a imprensa independente estava ativa e expressou uma ampla variedade de opiniões sem restrições”.
Na reação às notícias, através de comunicado, mas também em publicações nas páginas pessoais na rede social Facebook, o ministro e, posteriormente, também o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, negaram a existência no relatório de qualquer referência a violações da liberdade de imprensa no país.
Recorrendo à expressão “Fake News [notícias falsas], acusaram os jornalistas cabo-verdianos de terem publicado acriticamente o tratamento dado pela Lusa ao relatório do Departamento de Estado e de estarem a ser “capitaneados” pela agência.
Para Rui Semedo, faltou ao Governo, neste caso, “bom discernimento, bom senso, responsabilidade e humildade para reconhecer as falhas”, considerando que “atirou para todos os lados, tendo, como sempre, o mesmo alvo que é a imprensa, que se tornou numa espécie de inimigo de estimação do executivo”.
O deputado do PAICV considerou ainda que a queda de duas posições de Cabo Verde no índice da Liberdade de Imprensa dos Repórteres Sem Fronteiras, hoje divulgado, “confirma a degradação da liberdade de imprensa no país”.
Na resposta, o ministro da Cultura e Indústrias Criativas, Abraão Vicente, lamentou o que considerou ser a utilização da situação para retirar dividendos políticos.
“A liberdade de imprensa é para todos, a liberdade de expressão é para todos e a responsabilização é para todos. Não entro em coletes de forças por causa de pressões externas, o meu respeito vai para quem é competente e cumpre a verdade. Somos todos responsabilizados pelas consequências dos nossos atos e a nossa interpretação de respeito pela classe é taxativa, no entanto não nos coibiremos de defender a verdade dos factos”, disse.
Por seu lado, o líder parlamentar do Movimento para a Democracia (maioria), Rui Figueiredo Soares, considerou que Cabo Verde se “afirma como um país de liberdades” e que “nenhum recuo deve desviar-nos do foco de fazer de Cabo Verde um país de cada vez maior liberdade”.
A Associação de Jornalistas de Cabo Verde (AJOC) posicionou-se segunda-feira sobre esta questão, considerando as declarações do Governo “irresponsáveis” e reveladoras de “desprezo” pelos jornalistas cabo-verdianos.
O chefe de Estado cabo-verdiano, instado a comentar, considerou que o relatório tem aspetos que não podem ser ignorados e pediu trabalho para os melhorar.
O departamento de Estado norte-americano assinalou a violação da liberdade de imprensa pelo Governo, o abuso de força policial e mortes arbitrárias como algumas dos principais problemas de Direitos Humanos em Cabo Verde em 2017.
O relatório anual sobre Direitos Humanos do Departamento de Estado norte-americano mantém também os alertas para questões como o tratamento abusivo e desumano nas cadeias, corrupção, tráfico de pessoas e falhas na proteção de crianças e de trabalhadores migrantes.
Comentários