Estas alterações por parte do governo surgem agora, mas a verdade é que há já vários anos que a Comissão Europeia pressionava os governos para que fossem eliminados todos os entraves no acesso às profissões reguladas. Na prática, a CE pretendia que houvesse uma maior abertura por parte das ordens profissionais. Aliás, exigiu mesmo a Portugal que o fizesse. O governo aderiu ao Plano de Recuperação e Resiliência europeu e sob pena de não receber as verbas referentes ao mesmo teve de avançar para esta reestruturação.

As Ordens estavam também conscientes das alterações que tinham de ser feitas. As críticas ao governo, essas, baseiam-se essencialmente na forma como o Executivo de António Costa revelou estas mudanças. "Há uma perplexidade pela forma como tomámos conhecimento que o Governo já tinha aprovado [o diploma] e que deveria ter havido a preocupação de o enviar às ordens antes de ter feito aquela conferência de imprensa. As ordens não se reveem minimamente nesta posição do Governo, acham que o Governo não atuou de boa-fé", disse o antigo ministro António Mendonça, presidente do Conselho Nacional das Ordens Profissionais.

Um ponto em que todas as ordens não estão, por isso, de acordo, mas há outro pormenor que tem causado bastante polémica, nomeadamente a possibilidade de um profissional que não esteja inscrito realize atos até agora exclusivos de elementos inscritos na Ordem. Uma das que mais críticas tem feito sobre este assunto é a Ordem dos Advogados. “Permitir que a consulta jurídica, a elaboração de contratos e a negociação de créditos possam ser livremente praticadas por pessoas singulares ou colectivas sem a competência técnica para o efeito, nem sujeitas a regras éticas e deontológicas perfeitamente definidas, é permitir que os direitos dos cidadãos fiquem completamente desprotegidos e à mercê de tácticas mercantilistas, que visam não a defesa dos interesses do cidadão, mas sim o próprio lucro de quem presta os serviços”, salientaram.

Estas são, assim, as duas principais críticas feitas ao governo, a alegada falta de diálogo com as ordens e os profissionais não inscritos capazes de trabalhar como qualquer outro inscrito na ordem.

O SAPO24 fez, contudo, um apanhado geral das principais mudanças em cada Ordem, cujas medidas vão ser discutidas neste mês de julho no Parlamento.

Ordem dos Médicos
'Loucos' com a supervisão

A grande alteração na Ordem dos Médicos será o novo Conselho de Supervisão (além de um Provedor), composto por 15 elementos eleitos, dos quais nove não inscritos na instituição, e será presidido por uma personalidade não médica. O Bastonário Carlos Cortes foi um dos principais críticos, sobretudo pelo facto da Ordem ser supervisionado “60% por não médicos”. Há outras alterações que estão a causar preocupação junto da classe, como o facto do Governo passar a ter iniciativa de propor os programas de formação médica ou na intervenção do Executivo na criação, composição e competências dos colégios de especialidade.

Refira-se que aquando da divulgação do novo estatuto das ordens profissionais, o Coordenador da Comissão para a Reforma da Saúde Pública, Mário Jorge Neves, acabou mesmo por demitir-se das suas funções, em protesto contra a proposta, que considerou “uma violenta e escandalosa tentativa de liquidação de elementares competências legais da Ordem dos Médicos e de ingerência política e governativa na autonomia e independência técnico-científica da profissão” e a Federação Nacional dos Médicos também criticou algumas medidas, nomeadamente o fim do Internato Médico, que seria substituído por estágios para os médicos internos, que passariam a ser considerados estagiários.

As razões apresentadas eram também elas de precariedade, salientando que os médicos iriam passar “a estar ao abrigo de um contrato de estágio e do seu salário passar a ser considerado uma bolsa de estágio, abrindo a porta à precarização das condições de trabalho dos médicos internos.”

Perante estas críticas, o Governo acabou por recuar neste último ponto, no que ao estatuto da Ordem dos Médicos diz respeito, suprimindo os estágios desta proposta. Ainda assim, o Ministério da Saúde esclareceu que, ao contrário do que vinha a ser afirmado, a proposta de revisão dos Estatutos da Ordem dos Médicos não introduz qualquer alteração no modelo de desenvolvimento pós-graduado da profissão médica, que tem como pilar a realização do internato médico.

A existência de estágios, fonte dos equívocos que se têm vindo a instalar, estaria prevista nos atuais Estatutos da Ordem dos Médicos, em vigor há vários anos, como mecanismo alternativo à frequência do internato médico. Verifica-se, no entanto, que esse mecanismo não tem sido utilizado e pode ser considerado obsoleto. Assim, o Governo decidiu incluir na proposta que será submetida à Assembleia da República a supressão das referências à existência de estágios que constam até agora nos Estatutos da Ordem dos Médicos. Essa supressão teve parecer favorável da Ordem.

Ordem dos Advogados
Estágio de 12 meses remunerado

A Ordem dos Advogados foi uma das que 'sofreu' várias alterações. A que causou mais impacto foi então a norma que permite a outros profissionais que não advogados realizarem atos até agora exclusivos de elementos inscritos na Ordem. Mas houve outras com impacto,  nomeadamente a supervisão por membros não inscritos e não advogados. Outra das alterações, esta que beneficia os profissionais, é o facto da duração do estágio ser agora de 12 meses, ao contrário dos 18 anteriores. Além disso, o estágio terá de ser remunerado. Destaque-se também o facto das consultas jurídicas continuarem a poderem ser prestadas por agentes de execução, notários e licenciados em Direito. Com a nova lei, os estágios nas ordens passarão a ser obrigatoriamente remunerados com um valor mínimo de 950 euros. A Ordem dos Advogados considera justo o pagamento aos advogados em início de carreira, mas alerta que nem todos estarão em condições de pagar aos seus estagiários.

Mudanças contra precariedade

Tal como revelou então o Governo, algumas das principais mudanças visam a luta contra a precariedade em algumas das ordens profissionais. Assim sendo, a proposta que foi enviada para o Parlamento, prevê que todos aqueles que tenham mais dificuldades financeiras possam ficar isentos do pagamento de taxas ou verem as mesmas reduzidas.

Uma das alterações que mais polémica causou também, sobretudo junto das ordens, foi o final dos estágios não remunerados. O Governo, aliás, sugeriu mesmo um valor mínimo para os mesmos, que nunca deveria ser inferior a 950 euros.

Mas se este ponto da proposta causou polémica, devido ao facto de algumas ordens considerarem que não haveriam verbas para tal, o que mais impacto causou junto das mesmas foi a criação de dois órgãos para as mesmas, nomeadamente um provedor e um órgão de supervisão, com uma percentagem de elementos externos.

Ordem dos Arquitetos
Estudos, projetos e plano por 'não arquitetos'

Na classe dos arquitetos, uma das reformas feitas pelo governo destaca que não serão apenas os arquitetos a poderem realizar estudos, projetos e planos. Ficou estipulado que também pessoas não inscritas na Ordem poderão fazê-lo, assim como outros trabalhos de consultoria, fiscalização, coordenação, avaliação, entre outros. Nesta Ordem também o governo estipulou que os estagiários terão, a partir de agora, todos os direitos dos arquitetos.

Ordem dos Médicos Dentistas
Manutenção de títulos

No que se refere à Ordem dos Médicos Dentistas, destaca-se a manutenção dos títulos de especialidade já atribuídos (tendo em conta que a anterior proposta propunha a caducidade dos mesmos se não fossem aprovados regulamentos no prazo de um ano, a partir da entrada em vigor da nova versão do Estatuto), a obrigação das sociedades de profissionais e multidisciplinares disporem de um seguro de responsabilidade civil profissional obrigatório (à semelhança da obrigação para os médicos dentistas) e a introdução do procedimento de verificação de capacidade.

Ordem dos Médicos Veterinários
Alimentação em causa?

Tal como em praticamente todas as outras, a Ordem dos Médicos Veterinários revelou muitas preocupações para com estas alterações, nomeadamente uma: não será obrigatória a inscrição na Ordem para atos médico-veterinários. A Ordem diz mesmo que está em causa a “alimentação das pessoas”, dado que muitos não veterinários poderão supervisionar os produtos de origem animal.

Ainda no que diz respeito a esta Ordem, há uma outra grande alteração na Ordem dos Médicos Veterinários, sobretudo no que diz respeito à remuneração dos órgãos sociais, algo que não era feito até ao momento, nem mesmo o bastonário. Tal como o Provedor e o Conselho de Supervisão, todos agora serão remunerados.

Ordem dos Engenheiros
Engenheiros de nível dois: mestrado ou 10 anos

Os engenheiros vão ser 'categorizados', ou de nível 1 ou de nível 2. Resumidamente, tudo tem e ver com o grau académico, ou licenciados ou com um mestrado. Os de nível 1, que tenham 'apenas' tirado uma licenciatura, terão de completar 10 anos de trabalho para poderem passar para o seguinte nível, que lhes garante uma condição salarial superior, ou então se acabarem por concluir o mestrado. Refira-se que até aqui, aos licenciados, era apenas exigido cinco anos de trabalho profissional para subirem de categoria.

Ordem dos Economistas
Há novos membros

Até ao momento, na Ordem dos Economistas, existiam apenas os membros efetivos, estagiários e honorários, mas agora mais três farão parte, concretamente os membro estudante, sénior e conselheiro. Outra das alterações diz respeito aos estágios, à semelhança de outras ordens. A partir de agora a duração do estágio não pode ser maior que 12 meses, ao contrário dos atuais 18.

Ordem dos Engenheiros Técnicos
Estágios pagos e acompanhamento

Os novos profissionais da Ordem vão ter direito não só a um estágio pago obrigatório, assim como ao acompanhamento profissional por parte de um outro membro com cinco anos de inscrição. O Governo pretende que os novos membros, durante o seu primeiro ano, tenham o acompanhamento devido, de forma a adquirirem todos os conhecimentos que não tiveram durante a formação nas universidades.

Ordem dos Enfermeiros
Novamente a supervisão e os estrangeiros

À semelhança da Ordem dos Médicos, foi a dos enfermeiros que mais críticas fez ao órgão de supervisão. Ana Rita Cavaco, a bastonária, diz mesmo que o “órgão de supervisão terá, daqui a pouco, mais poderes que o conselho diretivo”. Os enfermeiros criticam o facto de alguns poderes que cabiam exclusivamente ao conselho diretivo passem agora para o conselho de supervisão, como é o caso da aprovação de novas áreas de especialidade. Outras das alterações prendem-se com o facto de agora poderem inscrever-se na Ordem os detentores de cursos superiores de enfermagem estrangeiros, a quem tenha sido atribuído o reconhecimento de qualificações e ainda os profissionais nacionais de Estados terceiros cujas qualificações tenham sido obtidas fora de Portugal.

Ordem dos Farmacêuticos
Utentes das farmácias passam a ter provedor

A partir de agora, todos os utentes das farmácias terão direito a um Provedor. Esta é uma das grandes alterações desta Ordem, que terá também um Conselho de Supervisão. Este será composto por 15 membros, seis farmacêuticos membros efetivos da ordem, seis membros não inscritos de estabelecimentos de ensino superior que habilitam academicamente o acesso à profissão farmacêutica e outras três personalidades de reconhecido mérito, não inscritas.

Ordem dos Biólogos
Estatutos Covid-19

A partir de agora, e muito devido à pandemia de Covid-19, serão os membros desta Ordem a promover a vigilância epidemiológica em situações epidémicas, de acordo com o Governo. Há também alterações no Conselho Deontológico, que passa a ser constituído por sete membros, sendo que duas pessoas não podem ser membros da Ordem. Para este Conselho, os membros são eleitos por sufrágio universal, direto, secreto e periódico, sendo que as listas de candidatura têm de incluir membros inscritos em cada uma das delegações regionais.

Ordem dos Notários
As mudanças no Conselho

Os membros do Conselho da Ordem vão passar a ser eleitos por sufrágio universal, direto, secreto e periódico e por método de representação proporcional ao número de votos obtido pelas listas candidatas, em simultâneo com as eleições da direção. Um dos pontos que a Ordem pretende ver revista e aprovado é que todos os cartórios do país possam realizar divórcios por mútuo consentimento, assim como a criação de um cartório em cada concelho.

Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução
Cargos incompatíveis

Ficou estipulado pelo Governo, nestes estatutos, que quem exerça um cargo na Ordem, em associações sindicais ou patronais do setor não poderá complementar com o exercício de quaisquer funções dirigentes na função pública. Destaca-se também nestas novas alterações que os estágios profissionais terão a duração máxima de 12 meses, a contar da data de inscrição e até à integração como membro efetivo.

Ordem dos Revisores Oficiais de Contas
Cinco anos para cargos oficiais

O Governo estipulou para a Ordem que “só podem ser eleitos para os cargos de bastonário, de presidente da assembleia representativa e presidente do conselho fiscal, os revisores oficiais de contas com, pelo menos, cinco anos, de exercício da profissão em regime de dedicação exclusiva contados à data da apresentação da candidatura”. A exemplo de outras ordens, será obrigatória remuneração dos órgãos sociais.

Ordem dos Contabilistas Certificados
Competências asseguradas

Foi uma das que mais polémica causou de início, isto porque o Governo propôs retirar as competências exclusivas que os contabilistas têm em matéria fiscal. Porém, as partes chegaram a um entendimento. Assim, os profissionais vão “assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, na área contabilística, incluindo a assinatura das demonstrações financeiras e das declarações fiscais que tenham por base informação contabilística, das entidades, públicas ou privadas, que possuam ou que devam possuir contabilidade organizada segundo os planos de contas oficialmente aplicáveis ou o sistema de normalização contabilística, conforme o caso”.

Ordem dos Psicólogos
Membros 'reabilitados' ao fim de cinco anos

Uma das ordens que não criticou duramente o Governo foi a dos Psicólogos, que até elogiou o Executivo pelo facto de ter cedido face à primeira proposta. Uma das revisões passa pelas alterações aos membros expulsos, que podem ser reabilitados ao fim de cinco anos se assim for requerido, desde que preencha determinado requisitos. Refira-se que antes eram necessários dez anos para que o membro pudesse ser novamente aceite na Ordem.

Ordem dos Assistentes Sociais
Remunerações em função do trabalho

Tal como em outras ordens, onde a remuneração não era obrigatória, agora passará a sê-lo também nesta Ordem. De acordo com o documento do governo, contudo, nem todos poderão ter uma remuneração fixa, ao contrário, por exemplo, do Bastonário. Neste caso, algumas funções poderão ser remuneradas. “em função do volume de trabalho

Ordem dos Fisioterapeutas
Atos praticados por outras pessoas não inscritas

É a principal crítica da Ordem, o facto do Governo estipular que quem não faça parte da Ordem possa exercer a profissão. Pessoas com “competência para as atividades de avaliação e diagnóstico de fisioterapia, determinação de prognóstico e plano de intervenção, intervenção, avaliação de resultados e conclusão do processo de fisioterapia” podem estar em atividade, mesmo que “não inscritas na Ordem”.

Ordem dos Nutricionistas
Título depende da inscrição

Na presente proposta, fica claro que a atribuição do título profissional de nutricionista, o seu uso e o exercício dos atos expressamente reservados pela lei aos nutricionistas, dependem da inscrição na Ordem e são atos próprios dos nutricionistas as atividades de avaliação, diagnóstico, prescrição, intervenção e monitorização alimentar e nutricional. O Conselho de Supervisão, composto por elementos fora do âmbito profissional, também colocou dúvidas na classe.

Ordem dos Despachantes Oficiais
Qualificações no estrangeiro autorizadas

O Governo estipulou nesta ordem que nas competências do Conselho haverá o reconhecimento de “qualificações profissionais obtidas fora de Portugal, nos termos da lei, do direito da União Europeia ou de convenção internacional, cujos processos, sem prejuízo do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, devem ser públicos”. Haverá ainda alterações nos órgãos com a implementação do Conselho de Supervisão, Provedor e ainda colégios de especialidade.