"Agora é uma aldeia fantasma, mas pronto. Foi muito complicado, só quem viveu isto. As chamas passavam o telhado da minha casa", explicou à agência Lusa a funcionária do posto de turismo local, lavada em lágrimas.

Aos 42 anos, Raquel Freire diz que nunca viveu nada assim. Enquanto vai lavando a entrada da sua habitação, com a ajuda de uma irmã, desabafa: "Isto estava cheio de mato, as pessoas não ligam".

Recorda que, no domingo, antes de o inferno chegar à aldeia de xisto de Álvaro, em Oleiros, distrito de Castelo Branco, estava marcada uma missa para ser celebrada na capela de Nossa Senhora da Consolação.

"O padre ligou a dizer que se calhar não podia vir celebrar a missa, pois o fogo já vinha da Madeirã e o vento era muito forte", explica.

Preocupada, chamou uma ambulância para levar os seus pais para a vila de Oleiros, a escassos cinco quilómetros de distância.

Num ápice, o incêndio chegou a Álvaro, "havia fogo por todo o lado" e as primeiras habitações da aldeia foram atingidas pelas chamas.

Enquanto tentavam salvar a casa, ela e o marido ouviam bilhas de gás a rebentar e na sua rua apenas sobraram duas habitações. As restantes estão agora em ruínas, algumas das quais já desmoronaram.

Maria Pereira, de 79 anos, mãe de Raquel Freire, aponta para um quintal do qual sobraram apenas paredes em pedra e diz: "Por causa daquele quintal é que ardeu a minha casa".

A septuagenária que foi retirada para a residência de estudantes de Oleiros e o seu marido, acamado que ficou no lar da vila, perderam tudo: hortas, pinhal e a casa.

"Ficámos apenas com a roupa do corpo. Eu não tenho nada, só o meu homem acamado", disse.

Um pouco mais acima da rua, vive Maria Emília, uma reformada de 69 anos, que trocou Lisboa pela sua terra natal.

"Vim para cá, recuperei duas casas. Olhe, já estou arrependida. Tanto que batalhei", desabafa.

Maria Emília, numa fase inicial, recusou-se a abandonar a sua habitação. Fechou-se lá dentro.

"Apanhei um grande susto, queria defender a minha casa", recorda.

Contudo, o fumo acabou por se apoderar da habitação e se não fosse o recurso ao telemóvel e ligar para a GNR, a história poderia ter acabado em tragédia.

"Comecei a ficar intoxicada e já não conseguia abrir a porta que estava apenas no trinco", disse.

Os militares da GNR acabaram por salvá-la de uma morte certa, sendo que a habitação está completamente danificada.

Em Álvaro, não há energia elétrica, nem televisão e o abastecimento de água foi restabelecido na segunda-feira.

"O que faz mais falta agora é a eletricidade. Tenho uma arca cheia de comer e tenho que levar tudo para Oleiros, porque senão fico sem nada", desabafa Raquel Freire.

Apesar dos momentos de terror e de pânico que viveram, todas dão "graças a Deus porque não morreu ninguém".

Quem tinha hortas, pinhais ou eucaliptais, ficou sem nada, já para não falar das mais de 40 habitações que arderam na aldeia.

"Aqui na zona não há nada. Nunca pensei passar por isto. Não dá para descrever, parecia o inferno", refere Raquel Freire.

A sua mãe, Maria Pereira, já não tem lágrimas, secaram. Deixa apenas sair um desabafo, a pensar no marido: "Coitadinho, se ele visse a casa dele".