"Todo corpo que perde o sentido do seu caminho, todo corpo que abandona esse olhar para frente, sofre primeiro uma regressão e finalmente corre o risco de morrer", alertou o chefe máximo da igreja católica, na véspera do aniversário de 60 anos do Tratado de Roma.

Os 27 chefes de Estado e de Governo da União Europeia deslocaram-se à capital italiana para o 60.º aniversário dos Tratados de Roma (o Reino Unido não está presente), que se cumpre este sábado.

O Tratado de Roma é o documento subscrito por seis países – Itália, França, República Federal da Alemanha, Bélgica, Holanda e Luxemburgo – que constituiu a Comunidade Económica Europeia, mais tarde União Europeia.

Na cerimónia na capital italiana os 27 adotarão uma declaração sobre o futuro da Europa.

A celebração ocorre num contexto particularmente difícil para a UE, que se prepara para, pela primeira vez, perder um Estado-membro, o Reino Unido, tendo lugar quatro dias antes de Londres enviar para Bruxelas a notificação de ativação do artigo 50 do Tratado de Lisboa, que desencadeará as negociações para a concretização do ‘Brexit', um dos maiores reveses da história da União.

O primeiro Papa não europeu, que recebeu em maio de 2016 o prémio Carlos Magno pelo seu compromisso pela unificação europeia, tem sido muito crítico com a velha Europa, continente que chegou a qualificar de "cansado" e que acusou de negar as suas próprias raízes.

Em várias ocasiões, o Papa manifestou o seu desejo de que a Europa seja uma "terra de acolhimento [dos refugiados]" e contra a xenofobia. "A Europa volta a encontrar esperança na solidariedade, que também é o antídoto mais eficaz contra os modernos populismos", disse o pontífice. "Os populismos florescem devido ao egoísmo", acrescentou, depois de mencionar as políticas contra a imigração, tema que gera tensões e divisões dentro da União Europeia.

Como há três anos, quando visitou a sede do Parlamento Europeu em Estrasburgo, Francisco pediu que a Europa "encontre novos caminhos, aposte no futuro e desenvolva um novo humanismo". "A Europa tem um património moral e espiritual único no mundo, que merece ser proposto uma vez mais com paixão e renovada vitalidade, e que é o melhor antídoto contra a falta de valores do nosso tempo, terreno fértil para toda forma de extremismo", acrescentou.

"É justo celebrar o que foi alcançado ao longo destes 60 anos, mas é sobretudo importante poder olhar para o futuro com ambição"

O primeiro-ministro António Costa reiterou hoje, em Roma, que a grande prioridade da União Europeia deve ser completar a União Económica e Monetária, objetivo que estará inscrito na Declaração de Roma a ser adotada no sábado pelos líderes europeus.

"É justo celebrar o que foi alcançado ao longo destes 60 anos, mas é sobretudo importante poder olhar para o futuro com ambição", disse Costa aos jornalistas na capital italiana, na véspera de uma cimeira de celebração dos 60 anos dos Tratados de Roma.

E a ambição, disse, "deve começar por assentar em reforçar e consolidar aquilo que já foi alcançado, desde logo concluir a União Económica e Monetária (UEM), de forma a estabilizar a zona euro".

Para o chefe do Governo português, é preciso "reforçar a Europa na área da segurança, na área da defesa, na área da investigação e desenvolvimento, na área da inovação, na área do combate à pobreza, na criação de emprego, no crescimento económico, mas para isso precisamos de ter uma zona euro sólida, e uma zona euro sólida implica concluir a UEM, acabar de fazer aquilo que ainda está por fazer", argumentou.

"Se há lição que também devemos retirar destes 60 anos é que sempre que fizemos fugas para a frente e quisemos dar passos maiores do que a perna ou construir novos edifícios sem consolidar primeiro as fundações, as coisas não correram bem. E por isso há que tirar as boas lições, celebrar o resultado global - que é indiscutivelmente de celebrar, porque são 60 anos de paz, de prosperidade, de maior coesão social, de maior progresso -, aprender com as lições e avançarmos com bases sólidas, e não há bases sólidas se não tivermos uma união económica e monetária devidamente completada e solidificada", reforçou.

Costa referiu que "Portugal fez um conjunto de propostas [para a Declaração de Roma] que felizmente foram todas acolhidas, sublinhando a importância da convergência económica, sublinhado a necessidade de completar a UEM, sublinhando a importância de dar prioridade à criação de emprego, a igualdade de direitos, designadamente entre homens e mulheres".

"Portanto, os pontos que tínhamos a colocar estão lá. Esperamos que haja um consenso que nos permita avançarmos com base nesta declaração", concluiu.

"Estranho seria vir a Roma e não ver o papa"

O primeiro-ministro, questionado pelos jornalistas, considerou natural que os líderes europeus sejam hoje recebidos em audiência no Vaticano, na véspera das celebrações dos 60 anos dos Tratados de Roma, comentando que "estranho seria vir a Roma e não ver o papa".

António Costa observou que o tratado fundador do que é hoje a UE "não reivindica nenhuma herança religiosa em particular e respeita um valor essencial da laicidade", mas considera perfeitamente normal a cerimónia no Vaticano.

"Ninguém pode nem deve ignorar, em primeiro lugar, que o santo padre é também chefe de Estado da Santa Sé e, em segundo lugar, que a religião católica tem uma representação importante, uma presença importante na nossa vida coletiva", declarou.

Segundo António Costa, "a laicidade não é a ignorância das religiões existentes, é a tolerância relativamente a todos, o respeito relativamente a todas e a liberdade relativamente a todas".

"Estranho seria vir a Roma e não ver o papa", concluiu o chefe de Governo.

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