Com várias farmacêuticas na comunidade científica a desenvolver vacinas podemos ter acesso a mais do que uma, no entanto, o conceito de “escolha do consumidor” não se aplica nestes casos.
O que nos pode fazer escolher uma vacina em função de outra? A eficácia dos ensaios clínicos das vacinas pode parecer a resposta mais óbvia, mas será mesmo assim? A eficácia é um valor alcançado em função de um contexto que pode variar de ensaios para ensaios, nomeadamente o momento em que são realizados, o local onde decorrem e as variantes que se encontram em circulação naquele momento. Assim sendo, não é de estranhar que os resultados de eficácia mudem ao longo do tempo e não sejam iguais de vacina para vacina.
Enquanto as vacinas da Pfizer/BioNTech e Moderna têm taxas de eficácia bastante elevadas, com 95 e 94%, a Johnson & Johnson apresentou uma taxa de 66% em geral e de 72% nos Estados Unidos. Já a Oxford/AstraZeneca (que desde terça-feira mudou o nome para Vaxzevria), apresenta uma eficácia, recentemente atualizada, de 76%.
Se olharmos apenas para os números da eficácia é natural pensar que há vacinas melhores do que outras, no entanto, esta suposição está errada, mas, antes de mais, é preciso perceber de que forma foi calculada a taxa de eficácia.
A taxa de eficácia das vacinas é calculada através dos resultados de grandes ensaios clínicos, quando a vacina é testada em milhares de pessoas. Para os ensaios, as pessoas são divididas em dois grupos: metade recebe a vacina contra a covid-19 e a outra metade recebe um placebo (uma solução salina simples). Posteriormente, as pessoas regressam ao seu dia-a-dia, enquanto os cientistas monitorizam os resultados, com o objetivo de verificar se as pessoas são infetadas com o vírus e se desenvolvem doença nos meses seguintes.
O ensaio da Pfizer/BioNtech, por exemplo, contou com mais de 43 mil voluntários. No final, 170 pessoas tiveram covid-19. O que determina a eficácia da vacina é a forma como essas pessoas que tiveram covid-19 se distribuem entre os que receberam a vacina e os que receberam o placebo.
Se os 170 infetados fossem divididos uniformemente (85 infetados vacinados e 85 infetados não vacinados), isto significaria que a probabilidade de adoecer com ou sem vacina era igual, logo a eficácia da mesma seria zero. Porém, se os 170 infetados estivessem todos no grupo de placebo, a vacina teria uma eficácia de 100%, pois haveria zero pessoas infetadas depois de receberem a vacina. No entanto, não se verificou nenhuma das situações em questão. Neste ensaio, 162 dos que adoeceram estavam no grupo placebo e apenas 8 no grupo que tinha recebido a vacina. Estes resultados sugerem, por isso, que aqueles que receberam a vacina têm menos 95% de probabilidade de contrair covid-19, pelo que a vacina apresentou uma eficácia de 95%.
As contas parecem complicadas, mas o que isto significa é que cada pessoa vacinada com a Pfizer/BioNtech terá menos 95% de probabilidades de adoecer cada vez que é exposta ao novo coronavírus (SARS-CoV-2).
Apesar de a taxa de eficácia de cada vacina ser calculada da mesma forma, os respetivos ensaios clínicos podem ser realizados em circunstâncias diferentes: em países diferentes, alturas diferentes do ano, com variantes diferentes a circular.
A Pfizer/BioNTech, por exemplo, comunicou os seus resultados em finais de novembro de 2020. A média de idades dos voluntários era 52 anos. Dos 152 locais onde foram realizados os ensaios clínicos, 130 eram nos Estados Unidos.
Por sua vez, os ensaios da Johnson & Johnson só terminaram em dezembro de 2020 e os resultados foram comunicados em janeiro. Com mais de 43 mil participantes, 34% dos voluntários tinham mais de 60 anos e 41% tinham comorbilidades associadas, só 44% se encontravam nos EUA.
Isto significa que a vacina Johnson & Johnson foi testada durante uma das fases mais críticas da pandemia, quando a transmissão, os casos e as hospitalizações estavam em fase crescente em vários locais do mundo, incluindo nos Estados Unidos. Além disso, o ensaio da Johnson & Johnson também avaliou a eficácia da vacina contra as novas variantes do SARS-CoV-2.
Maureen Ferran, professora de Biologia, explica que uma comparação direta entre os resultados não é totalmente fiável, uma vez que os ensaios da Pfizer, tal como da Moderna, foram realizados ao longo do verão e outono de 2020, uma altura em que as variantes mais contagiosas do vírus ainda não estavam a circular de forma mais intensiva.
“A vacina da Janssen, que faz parte do grupo da Johnson & Johnson, já incluiu as novas variantes nos ensaios clínicos, porque estes ocorreram numa fase posterior aos da Pfizer, Moderna e AstraZeneca. [A farmacêutica] foi para localizações geográficas com grande incidência da variante britânica e da África do Sul e verificou-se que o índice de proteção para doença ligeira nestas variantes é mais baixo quando comparado com a variante original”, explicou ao SAPO24 o imunologista e Investigador Principal do Centro Champalimaud Henrique-Veiga Fernandes.
A vacina da Johnson & Johnson registou nos Estados Unidos uma eficácia de 72%, mas na África do Sul apresentou uma percentagem de 57%, onde 95% dos casos no ensaio eram da variante africana (B.1.351) e não do vírus original.
Luís Graça, médico, investigador do Instituto de Medicina Molecular (iMM) e membro da Comissão Técnica de Vacinação, explicou ao SAPO24 que "[as variantes] podem reduzir a eficácia das vacinas se, por exemplo, o local onde se ligam os anticorpos, que são importantes para a eficácia das vacinas, estiver de alguma maneira alterado [devido às mutações]. No entanto, o que se tem verificado nestas variantes é que, na generalidade dos casos, as vacinas existentes continuam a conferir um grau de proteção bom”.
“Um exemplo claro é a variante de África do Sul, que é aquela que tem aparentemente o maior impacto na ligação desses anticorpos. É necessária uma quantidade superior de anticorpos para poderem neutralizar o vírus em comparação com uma variante normal”, acrescenta.
Luís Graça explica que “num ensaio in vitro, no laboratório, é necessário juntar mais anticorpos para conseguir neutralizar o vírus, mas numa pessoa vacinada os anticorpos estão num excesso tão grande que [a pessoa] consegue na mesma neutralizá-lo”. E é por isso que, na generalidade dos casos, as vacinas continuam a ser eficazes em relação a estas variantes, “não deixando de ser preocupante a diminuição de eficácia”, salvaguarda.
Quando somos infetados naturalmente ou vacinados, além de desenvolvermos a imunidade que é conferida por um tipo de células chamadas linfócitos B, que produzem anticorpos, há um outro tipo de imunidade, a imunidade celular (células t) que é muito mais resiliente a pequenas mutações do vírus e é de longa duração.
“Mesmo que as vacinas percam alguma eficácia em algumas variantes, conseguem na mesma evitar as formas mais graves de doença porque as células t continuam a conseguir combater os vírus a partir da informação da vacina”.
Desta forma, apesar de surgirem novas variantes que podem diminuir a eficácia das vacinas, os especialistas consideram que estas se mantêm importantes no combate contra o coronavírus. A vacina da Johnson & Johnson, por exemplo, foi 89% eficaz na prevenção de doenças graves e apresenta 100% de proteção contra a hospitalização e morte.
O imunologista Henrique Veiga-Fernandes recorda que, entretanto, também a “Pfizer e a BioNTech já testaram a eficácia da sua vacina nas variantes britânica e sul africana, assim como na variante brasileira”. Além disso, refere que a capacidade de neutralizar o vírus é visível mesmo para estas variantes, pelo que “à partida, não deveremos ver ‘grandes reveses’ na vacinação, pelo menos com as variantes que temos [até agora]". Portanto, “não quer dizer que não possam surgir outras variantes, que não tenham mutações ou alterações de tal forma importantes, que consigam escapar de forma mais eficiente à imunidade que é conferida pelas vacinas atuais ou pela imunidade conferida pela infeção com a forma original do vírus”, acrescenta.
Perante estes dados, podemos concluir que só faria sentido comparar a eficácia das vacinas se os ensaios clínicos tivessem sido realizados exatamente com os mesmos critérios, ao mesmo tempo e nas mesmas geografias. Além disso, os números de eficácia referem-se ao que aconteceu em cada ensaio clínico e não representa necessariamente o que está a acontecer no mundo real.
Uns dos primeiros dados de contexto da vida real são da Escócia, onde o programa de vacinação nacional inclui duas vacinas, a da Pfizer/BioNTech e da Oxford/AstraZeneca. Um estudo prévio, com base nos “efeitos do mundo real”, avaliou a eficácia da primeira dose destas vacinas covid-19 na prevenção de internamentos hospitalares e os resultados mostraram que a eficácia é muito comparável entre pessoas que receberam uma ou outra vacina. A primeira dose da vacina Pfizer/BioNTech foi associada a uma proteção de 85% para a hospitalização relacionada com a covid-19 aos 28-34 dias pós-vacinação e a vacina da Oxford/AstraZeneca, no mesmo intervalo de tempo, apresentou um resultado de 94%. O estudo demonstrou assim reduções substanciais do risco de hospitalização relacionada com a covid-19 na Escócia.
No caso de infeção por covid-19, existem vários cenários possíveis que vão desde uma infeção assintomática à morte e o objetivo da vacina é evitar que se desenvolvam formas mais graves da doença, e isso é algo que, face aos dados que temos, todas as vacinas aprovadas parecem fazer de forma eficaz.
“À partida, as vacinas que temos disponíveis neste momento estarão em condições de nos oferecer uma proteção face à doença grave, que é aquilo que realmente importa, porque é isso que constitui o problema de saúde pública que nós atualmente enfrentamos”, remata Henrique Veiga-Fernandes.
Luís Graça concorda, afirmando que "neste momento, todas as vacinas que estão a ser utilizadas em Portugal são igualmente eficazes para as variantes que estão em circulação em país".
Até ao momento, foram autorizadas pela Comissão Europeia quatro vacinas: a Pfizer, a Moderna, AstraZeneca e a vacina da Johnson & Johnson, que é a mais recente. A Sputnik V, desenvolvida pelo Centro Nacional de Epidemiologia e Microbiologia de Gamaleya, na Rússia, está em avaliação pela Agência Europeia do Medicamento (EMA).
As vacinas são todas iguais?
As vacinas da Pfizer/BioNTech e Moderna recorreram a uma molécula genética chamada mRNA – RNA mensageiro, que contém uma mensagem do código genético do SARS-CoV-2 –, que permite desencadear uma resposta imunitária contra o vírus. O desenvolvimento destas vacinas pode ter parecido demasiado rápido, mas além de os investigadores terem tido acesso desde logo ao genoma viral, que foi partilhado aquando do aparecimento dos primeiros casos, houve também um trabalho intensivo e quase exclusivo da comunidade científica, bem como um elevado investimento. A tecnologia de mRNA utilizada nas vacinas também já estava a ser investigada há duas décadas, para ajudar o sistema imunitário a combater tumores.
As vacinas da Johnson & Johnson e da AstraZeneca não contêm mRNA, utilizam um vírus geneticamente modificado, de modo a não infetar as células e não se replicar em humanos. A tecnologia de vacina estava em desenvolvimento há anos contra o VIH, o Ébola e o vírus Zika.
As vacinas aprovadas pela EMA serão seguras e eficazes?
Luís Graça, membro da Comissão Técnica de Vacinação, salienta ainda que "a qualidade das vacinas e a avaliação da qualidade dos medicamentos não se baseia apenas na eficácia".
A avaliação tem duas preocupações: eficácia e segurança. Por um lado, tem-se em conta “aquilo que vemos publicado nos ensaios clínicos, que dizem que não houve efeitos secundários e que toda a gente teve uma boa eficácia”; por outro, “temos também de ter a garantia de que o processo de fabrico garante que, de mês para mês, o produto é exatamente igual e que não contém mais ou menos impurezas”. Além disso, “na Europa ou nos Estados Unidos, temos standards muito rigorosos da eficácia dos medicamentos, porque a nossa sociedade exige que os medicamentos sejam muito seguros”, nota.
O imunologista afirma também que "apesar de muita gente pensar que [o processo de aprovação] foi rápido, na verdade, o processo foi exatamente com o mesmo critério".
Depois de aprovada, os fabricantes da vacina comprometem-se a realizar mais estudos e ensaios, devendo enviar regularmente relatórios de segurança para a EMA.
"Temos a garantia de que as vacinas e todos os medicamentos que são autorizados pela Agência Europeia do Medicamento cumprem estes critérios", conclui.
Posso escolher qual a vacina que quero tomar?
Segundo refere a Direção-Geral da Saúde, "todas as vacinas mais adiantadas nos ensaios clínicos apresentaram resultados preliminares que demonstram ser eficazes contra a covid-19", considerando que "presentemente não existe informação suficiente que permita considerar que uma vacina é melhor que outra, ou diferença nas suas indicações, prevê-se que a vacinação possa decorrer de acordo com as prioridades definidas, de modo a proporcionar acesso à vacina a todas as pessoas que mais dela necessitam, de forma eficiente".
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