Isabel II morreu esta quinta-feira, dia 8 de setembro, com 96 anos de vida e 70 anos de reinado. Teve uma vida longa, gozou de boa saúde até 2021, ano em que perdeu o marido, o Duque de Edimburgo que morreu poucos meses antes de completar 100 anos. Ambos foram figuras emblemáticas da segunda metade do século XX e das primeiras décadas do século XXI, os anos em que tendemos a considerar que a história acelerou, quanto mais não seja porque são aqueles que vivemos e nos lembramos melhor.
Do ponto de vista formal, a monarquia é uma máquina bem oleada. Do anúncio da morte ao anúncio do novo monarca, há uma série de procedimentos que estão devidamente descritos e em que cada protagonista sabe o que lhe cabe fazer.
A Carlos, o herdeiro da Coroa, coube-lhe comunicar-se como o novo rei e dar a conhecer que responderá pelo nome de Carlos III.
Aos políticos, ingleses e não ingleses, coube fazerem a melhor justiça que puderam a uma rainha que foi uma espécie de certeza inabalável desde que se lembram de existir – porque são todos mais novos que ela.
Aos comuns mortais, sobretudo aos britânicos, coube chorar uma mulher que aprenderam a amar, mesmos os mais cínicos.
Tudo isto era previsível – o problema é o que vem a seguir.
Isabel II conseguiu durante 70 anos ser o elemento constante naquilo que muda. E tanto mudou. O império britânico desmoronou-se, ergueu-se o muro de Berlim, derrubou-se o muro de Berlim, o império soviético desmoronou-se, dois aviões despenharam-se contra as Torres Gémeas, os Estados Unidos conduziram a Europa (e o Reino Unido em concreto) para a guerra do Iraque, a China cresceu, cresceu, cresceu. De um mundo onde poucos tinham telefone passámos ao de hoje onde o telemóvel é mais indispensável que a chave de casa; de uma sociedade ocidental onde os mais velhos é que sabiam, passámos a uma cultura em que são os jovens quem dita as regras. Aconteceu a chegada à Lua, a internet e agora estamos no metaverso.
Isabel II viu tudo isto acontecer ao mesmo tempo que viu uma família desmanchar-se e voltar a construir-se tantas vezes quantos os divórcios e relações falhadas e os casamentos e os novos bebés que enchem páginas de revistas.
Por ela, passaram 15 primeiros-ministros britânicos – a última das quais, Liz Truss, a quem convidou a formar governo há apenas 2 dias. Por ela passou o Brexit - e Donald Trump. Por ela passou Putin - e os oligarcas que compraram meia Londres.
Não sabemos em rigor, nem mesmo com o The Crown, quanto mal ela evitou ou quanto bem não soube proporcionar. Mas aquilo que ninguém tem dúvidas é foi uma espécie de cola numa sociedade britânica em que convergem pessoas, ideias, passados e futuros muito distintos, que é cosmopolita e rural, que é europeia e ilhéu.
O dia em que nos deixa pode, por isso, ser um momento definidor na história da nação. Não seria o primeiro – as nações são pródigas em momentos definidores, mas num país que há seis anos deixou a Europa e boa parte do mundo em choque com a decisão se remeter a ser orgulhosamente só, há razões legítimas para preocupação. Não por causa do que Isabel II fez, mas porque não fazemos ideia de como tudo seria sem ela.
Segue-se um rei que não é amado– Carlos tem das mais baixas taxas de popularidade - e que tem vontade de ser politicamente mais ativo. Ao que se sabe, até com bons propósitos, no que respeita a populismos e culturas de ódio. Mas numa era em que predomina o “todos contra todos”, vai fazer falta a mulher discreta que nos fez acreditar numa imobilidade tranquilizadora num mundo em que tudo muda.
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