“Importa, claro, a estabilidade, mas estabilidade não equivale, não pode equivaler a um país conformado”, defendeu, numa sessão pública no Teatro da Trindade, em Lisboa.
Numa intervenção inicial alusiva ao 05 de outubro, antes de responder a perguntas de nove pessoas previamente inscritas, Ana Gomes fez uma referência implícita à vantagem nas sondagens do atual chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, que ainda não anunciou a sua recandidatura.
“Numa República, não há coroações nem vitórias antecipadas, é o povo quem decide”, frisou, fazendo um apelo especial aos jovens para que votem nas presidenciais de janeiro do próximo ano.
“Compreendo quem esteja desencantado com a política e os políticos, mas todos somos chamados a construir um Portugal melhor (…) Apelo aos jovens a que combatam a apatia, não se abstenham, não deixem de se indignar, não desistam de Portugal”, apelou.
Ana Gomes repetiu por várias vezes a frase que “quem governa é o governo”, mas defendeu que “a Presidente da República” tem uma grande capacidade de influenciar os governantes e as suas prioridades.
“Quem elegemos para Presidente da República tem de cuidar de Portugal, de todos, e em particular dos que mais precisam. É intolerável que se permita que a pobreza e a injustiça aumentem neste país à conta da crise. As crianças e os mais velhos e vulneráveis têm de ser especialmente protegidos e apoiados”, disse, considerando que “chegou a hora de tornar a democracia mais exigente”.
“Eu sou socialista, nunca desisti de lutar por princípios, valores e bens comum e nunca desistirei de Portugal”, assegurou, tendo na plateia o ex-ministro do Trabalho de Governos do PS, Paulo Pedroso (que integra a sua estrutura de campanha), o deputado socialista Pedro Bacelar Vasconcelos e a ex-deputada Catarina Marcelino.
Governo que “nem pense” avançar com atual proposta para contratação pública
Questionada pelo moderador do debate, o ex-diretor de Informação da RTP Paulo Dentinho, sobre a alocação dos fundos europeus que virão para Portugal na próxima década, Ana Gomes defendeu uma fiscalização apertada dos fundos europeus para evitar “roubalheira”.
“Essa é uma questão das mais prementes para todos nós, cidadãos: se nós desistirmos de escrutinar, de pedir contas, de participar nas decisões da alocação desses fundos, então desistimos do país, porque então vai haver roubalheira, como houve no passado”, alertou.
A antiga eurodeputada do PS ligou este tema à proposta de lei do Governo, em discussão no parlamento desde junho, e que pretende simplificar os processos de contratação pública, tendo recebido críticas de várias entidades, incluindo do Tribunal de Contas.
“Temos de dizer ao Governo que nem pense avançar, tal como está, com esta proposta para modificar o regime da contratação pública”, apelou, defendendo o reforço das estruturas de controlo.
“Estou de alguma maneira a tentar perceber o que se passa no Tribunal de Contas, estou a ser bastante diplomática, permitam-me para já…”, ironizou, numa alusão às notícias da não recondução pelo Governo do atual presidente desta entidade, Vítor Caldeira.
Na sessão de perto de duas horas de resposta a perguntas de nove pessoas previamente escolhidas - todas no palco do teatro, com Ana Gomes ao centro -, uma das mais políticas incidiu sobre uma possível coabitação entre um Governo e uma Presidente da República socialistas.
“Esta é uma candidatura independente. Eu disse quando anunciei a candidatura que aceitaria todos os apoios do campo democrático, mas não faria compromissos com ninguém”, avisou.
Invocando o seu percurso pessoal e profissional, Ana Gomes diz que tem demonstrado que, sendo do PS, não tem tido “peias” de criticar a sua família política, quando entende que “merece ser criticada”.
“Até porque exijo mais aos meus do que aos outros. Não pode haver interesse partidário que se sobreponha ao interesse nacional”, defendeu.
Foram várias as perguntas sobre direitos das minorias - entre os participantes escolhidos, contava-se um estudante guineense, uma portuguesa de etnia cigana ou um refugiado sírio - e a candidata foi questionada se concordava com quem diz que “não há racismo em Portugal.
“Há racismo em Portugal e noutros países. Não acho que Portugal seja mais racista que outros países, mas está em negação, um país com a nossa história colonial só tem de valorizar a diversidade que temos”, disse.
Sem nunca se referir a qualquer um dos pré-candidatos anunciados na corrida a Belém, Ana Gomes insurgiu-se contra aqueles que “semeiam ódio, divisão e violência”
“A Constituição da República Portuguesa é muito clara: filosofias e atuações nazis e fascistas são proibidas, e esse é um aspeto que tem de ser levado em conta por todos os agentes do Estado em Portugal, do Presidente da República ao mais jovem cadete das forças de segurança”.
No final da sessão, Ana Gomes disse que não aceitará contribuições financeiras para a sua campanha superiores a cem euros e desafiou as outras candidaturas a fazerem o mesmo.
Comentários