Intitulada "Reavaliando o passado colonial português: novas perspetivas académicas e ativismo político", a sessão organizada na noite de quarta-feira pelo Programa de Português da UCLA debruçou-se sobre a forma como a narrativa tradicional do império colonial foi desafiada nos últimos 20 anos.

"A pesquisa inovadora que começou a questionar as abordagens benignas e eurocêntricas do passado imperial português desenvolveu visões profundamente diferentes, expondo o caráter violento e explorador do domínio colonial", disse Pedro Cardim.

O especialista, professor associado de História na Universidade Nova de Lisboa, explicou que o grosso da pesquisa histórica conduzida em Portugal antes de 1974 foi feita ao serviço da propaganda do Estado Novo, o que levou os historiadores a passarem "uma imagem nacionalista e benigna" do passado colonial.

"A maioria dos historiadores omitiu deliberadamente o caráter violento e explorador das conquistas portuguesas", afirmou o professor. "O mesmo pode ser dito da discriminação racial e da escravatura como componentes essenciais do domínio colonial".

Em vez disso, argumentou, "os historiadores sublinharam uma alegada capacidade excecional dos portugueses de lidarem com pessoas de outras etnias".

A visão benevolente do colonialismo português transitou para a era da democracia, explicou Pedro Cardim. "A história do passado colonial tinha sido tão sistematicamente manipulada durante a ditadura que muitos historiadores evitaram estudá-la mesmo no pós-Salazar".

Até quando a situação mudou, no final dos anos oitenta, os estudos focaram-se nos séculos XV e XVI e em certos aspetos das conquistas portuguesas, como a cartografia e as viagens marítimas.

"Quase nenhuma pesquisa foi devotada a aspetos como a escravatura e o tráfico transatlântico de escravos", sublinhou o professor de História.

Em resultado, "o Portugal democrático aproveitou-se do passado colonial para fins comemorativos". Cardim argumentou que a desculpa excecionalista do domínio colonial português "foi mais duradoura que a própria ditadura".

A tendência para olhar o legado colonial de forma positiva e usá-lo para fins políticos impediu discussões importantes, como a falta de representatividade de etnias minoritárias nas várias esferas da vida pública e a discriminação racial.

"Não há dúvida de que a emergência de novas perspetivas sobre o império português foi também resultado de uma exigência social", disse Pedro Cardim. "Nos anos noventa, cada vez mais pessoas começaram a contestar a visão tradicional do colonialismo português".

Foram igualmente os trabalhos de historiadores estrangeiros e académicos brasileiros, em áreas como antropologia e etnologia, que desafiaram a perspetiva tradicional centrada nos portugueses, colocando o foco nos povos subjugados.

No entanto, Pedro Cardim considerou que "ainda há muito trabalho para fazer nestas áreas" e exemplificou com os livros escolares, que "continuam a perpetrar uma narrativa obsoleta sobre o passado colonial", sem que tenha havido um "esforço concertado" do Ministério da Educação para atualizar as orientações de ensino.

"A narrativa do passado colonial de Portugal é muito transversal a todos os setores da sociedade portuguesa contemporânea", disse o professor. "As formas de celebrar o excecionalismo português persistem".

No seu entender, o debate é necessário e deve englobar um diálogo sobre a escravatura. "É impossível entender os efeitos de longo prazo do domínio colonial português sem considerar o trabalho escravo e o tráfico de escravos", considerou.

"Não sou por demolir todos os monumentos, mas sou a favor de uma discussão aberta", afirmou, o que pode incluir formas de os explicar e contextualizar.

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