“Putin acredita que o destino desta guerra é absolutamente decisivo para a sobrevivência do seu regime”, afirma em entrevista à agência Lusa o diretor do Departamento da Rússia do Centro de Estudos de Leste, com sede em Varsóvia.
Isso significa que o Presidente russo assumiu como prioridade do futuro, enquanto estiver no poder, “esmagar a Ucrânia” e esta é a “má notícia” do que o especialista e investigador polaco considera ser um falhanço da invasão iniciada em 24 de fevereiro de 2022.
Marek Menkiszak classifica Putin um homem “agressivo e oportunista e que aproveita fraquezas quando as vê”, como sucedeu na anexação da península ucraniana da Crimeia, em 2014, e na invasão da Ucrânia. É também alguém que cria perceções e trabalha com base nelas.
“Portanto, é importante influenciar a perceção do Kremlin, e a única maneira de a influenciar é dissuadindo, criar uma imagem de bloco ocidental forte, unido, que esteja disposto a enfrentar a Rússia se houver necessidade”, recomenda, ou, em suma: “Não permitir que os russos acreditem que somos tão fracos que será seguro testar-nos”.
E esse foi o erro que, segundo o analista, conduziu Putin à Ucrânia, um conflito que, adverte, não é sobre território mas tem um alcance bastante mais amplo, na busca da destruição da ordem de segurança na Europa e da alteração do equilíbrio do poder global.
Para Marek Menkiszak, o que o líder russo procurou foi garantir “uma posição dominante para a coligação dos países que não são democráticos ou autocráticos – obviamente liderada pela China em benefício da Rússia” -, numa tentativa de recriar uma espécie de império russo, e expandir a sua zona de controlo e segurança política.
Só que, no entanto, “calculou mal em ambos”, frisa o especialista.
Logo à cabeça, enumera Menkiszak, não previu a capacidade de resistência da Ucrânia e da sua sociedade nem a reação ocidental: “A Rússia fracassou tragicamente, apesar de expandir uma guerra brutal e ocupar mais territórios, vários deles anexados ilegalmente”.
Ao longo dos quase 19 meses de guerra, Moscovo falhou na meta de rápida subjugação de Kiev e de minar a ordem de segurança global, e, mesmo do ponto de vista militar, já perdeu dois terços de território anteriormente conquistado.
No seguimento deste revés, o Kremlin está determinado “a pagar altos custos para continuar a guerra e criar pressão sobre o Ocidente”, no pressuposto de que a resiliência de Moscovo é maior do que a dos países aliados de Kiev, prossegue o especialista.
“Basicamente, a ideia é criar uma situação de desgaste, na qual a vontade política e a fidelidade do Ocidente no apoio à Ucrânia a prazo desaparecerão e isso acabará por derrubar a defesa da Ucrânia e levar à vitória da Rússia”, referiu.
Esta estratégia, de acordo com o analista, passa por diminuir ou congelar a intensidade das hostilidades e não permitir grandes avanços à contraofensiva em curso das tropas ucranianas, condicionar o fornecimento à Ucrânia de armamento — especialmente mísseis de longo alcance – ao traçar “linhas vermelhas” e ameaçar os parceiros de Kiev com consequências.
Depois, vem a aposta na fadiga da guerra e numa espécie de mudança de tendência de apoio à Ucrânia, quebrando a união de vontades que vinha acontecendo, em associação à manipulação dos preços globais, o que acabaria por alterar as políticas de concertação dos países ocidentais e empurrar os ucranianos para concessões.
“E obviamente uma das maiores esperanças para Moscovo são as eleições presidenciais nos Estados Unidos no ano que vem, em que Putin acredita que há uma possibilidade crescente de [o ex-Presidente norte-americano] Donald Trump ganhar e enfraquecer o apoio ocidental [a Kiev] e até criar pressão política pela paz para se fazer concessões à Rússia”, aponta Menkiszak.
Mas o “plano russo” de acumular problemas para os países ocidentais e para a Ucrânia, e criar a tal inflexão nas políticas dos aliados, vem acompanhado de más notícias para Moscovo, quando, por exemplo, “a economia russa está em péssima forma”.
Marek Menkiszak destaca a inflação alta, o défice de combustíveis e a duplicação prevista dos gastos em defesa no próximo ano como fatores de “um enorme ‘stress’ para a economia, e para a sociedade russa e um desafio para o regime”, numa fase em que Moscovo “não tem verdadeiros aliados” na sua investida ucraniana, com as exceções conhecidas da Coreia do Norte e do Irão, e perdeu a sua capacidade de influência na chamada área pós-soviética, tirando a Bielorrússia.
Por outro lado, o esforço russo de quebrar o abastecimento militar e financeiro a Kiev ainda não se verificou e, pelo contrário, permanece um apoio intensivo tanto da União Europeia (UE) como dos seus Estados-membros e dos Estados Unidos, a que se acresce o sinal que é dado a Moscovo no processo de adesão de Kiev ao espaço europeu.
“Há pontos positivos e negativos, há boas e más notícias e temos de ter muito cuidado, esperar e não tirar já conclusões radicais e definitivas”, aconselha o especialista, lembrando que este é um conflito de longo-prazo e sistémico.
A ameaça russa é tema central em países vizinhos da Ucrânia, como a Polónia, que terá eleições em 15 de outubro, mas também na Eslováquia, de onde saiu das legislativas em finais de setembro um poder favorável a Moscovo.
Menkiszak alerta que cada país tem a sua retórica, política e ações, e que a terminologia usada de Europa central e de leste, ou flanco oriental da NATO, na verdade não significa que se trate de espaços coesos e coerentes.
Mas o que os difere a todos em relação à Rússia é que são democracias e, frisa, “independentemente do que diga sobre os desafios em direção às normas democráticas, há eleições livres nestes países” e “nenhum Governo pode fechar os olhos à vontade das pessoas e ao que pensam”.
É por isso que Menkiszak defende uma “comunicação estratégica” para que os cidadãos entendam os custos deste conflito “e a consequência desastrosa” de uma vitória da Rússia e eventuais efeitos na ordem global mas também na segurança daqueles países, que já experimentaram a ocupação russa “e isso também é memória histórica” no sentido de se evitar uma repetição da Ucrânia.
A perspetiva de Putin atacar um país membro da NATO e “comprar” um conflito total é desafiada pela lógica, mas o analista convida a que se “alargue a imaginação” e se pense em quem apostaria na anexação da Crimeia há uma década – “que era um cenário de outro planeta mas aconteceu” -, a que seguiu a revelação de “elementos de genocídio e crimes de guerra massivos” perpetrados na Ucrânia.
“Putin irá tão longe até onde o deixarem ir”, adverte Marek Menkiszak perante aquilo que encara como o conceito mais fácil da equação, insistindo que “o nível de risco depende da perceção russa”.
E esse é, na sua opinião, o enorme desafio no centro da atual crise.
“Se enviarmos sinais de que temos medo, somos fracos, divididos, indecisos, avessos ao risco e que não estamos prontos para confrontá-los, isso será visto como um convite à Rússia para se tornar mais agressiva”, conclui.
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