No episódio desta semana dos Palavrões da Ciência, conversamos sobre o mar, sobre os perigos que enfrenta, como o lixo marinho, e sobre a relação dos portugueses com aquele que afinal é o maior pulmão do mundo. Oiça em: Spotify | Apple Podcasts | Google Podcasts

Quem cresce à beira-mar nem sempre nota como é espantoso o mar. Pensemos numa pessoa que cresce no interior sem nunca vir ao litoral. Está habituada a terra firme, a colinas ou montanhas, a rios serenos entre vales e florestas. Se, de repente, chegar à nossa terra, encontra uma paisagem inundada de água! Como se a torneira tivesse ficado aberta durante milhões de anos… Um dilúvio que nunca acabou. Vales, florestas, vulcões, animais — tudo debaixo de água.

Disse que o mar é espantoso. É espantoso à portuguesa — e à espanhola. À portuguesa, porque nos deixa de boca aberta. À espanhola, porque é terrível (a palavra «espantoso», em castelhano, tem um significado bem mais negativo que em português). Quem vive do mar sabe como se pode transformar numa horrorosa armadilha. Quem navegou ao longo dos séculos também sabia que podia morrer a qualquer momento. É assim o mar — mas, enfim, é assim a vida.

De vez em quando, tenho por hábito mergulhar na origem das palavras. Nascido em Peniche, era inevitável querer saber qual a origem de «mar».

Palavrões da Ciência é um podcast produzido pela MadreMedia e apresentado por Cristina Soares e Marco Neves. A partir de palavras do dia-a-dia e de alguns palavrões, vamos perguntar a cientistas portugueses o que andam a investigar e que surpresas nos trazem sobre o que nos rodeia.

A primeira temporada terá oito episódios — vamos da matemática à botânica, passando pelos morcegos, pelo mar, pela alimentação — e pelas fadas dos dentes…

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A nossa palavra vem, sem grandes surpresas, do latim «mare». A palavra latina deu vários frutos, mas com uma particularidade. «Mar» é palavra masculina em português, tem os dois géneros em castelhano e em catalão, é feminina em francês, é masculina em italiano e volta a ser feminina em romeno. Porquê esta oscilação? É simples: em latim, a palavra era do género neutro — com o desaparecimento deste, as várias línguas latinas tiveram de arrumar a palavra num dos géneros que restaram. Os espanhóis não chegaram a decidir-se…

A palavra latina tem primas! Em alemão, temos «Meer», uma das palavras para «mar», em paralelo a «See», que já tem uma origem diferente, paralela ao «sea» inglês. E, sim, o inglês tem «sea» para mar, mas também existe «mere», com a mesma origem que o «Meer» alemão e o «mar» português. «Mere», no entanto, significa «lago» e é uma palavra bastante rara.

Há mais palavras irmãs — ou primas — do nosso mar. No irlandês, podemos chamar «muir» ao mar. No russo, temos «móre». No sânscrito, a palavra original deu origem a «maryādā», que significa ‘costa’ ou ‘limite’, num pequeno salto semântico.

Mas, afinal, de onde vieram as palavras «mar», «Meer», «móre»? Vieram todas da antiga palavra indo-europeia «*móri», que já significava ‘mar’. Quando olho para essa palavra — as coisas em que uma pessoa pensa… — só me lembro de «ó ‘môri, dá-me um beijinho!», dito à beira-mar.

Certamente que «*móri» terá vindo de palavras mais antigas, perdidas no tempo. Afinal — e agora deixo uma teoria que não é fácil de verificar, mas em que todos acreditaremos sem dificuldade — não haverá língua humana sem uma palavra para mar. Até povos perdidos no meio de continentes terão memórias dessa inundação tremenda que sempre acompanhou a Humanidade.

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Marco Neves | Professor e tradutor. Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras. Apresenta, com Cristina Soares, o programa Palavrões da Ciência.