Em 2017, foram eleitos 48 presidentes de câmara para um último mandato. Se olharmos caso a caso para cada um desses municípios, vemos que agora, em 2021, 16 vice-presidentes concorrem à presidência dessas mesmas autarquias, somando-se ainda mais sete casos de ex-vice presidentes que durante este mandato assumiram o cargo de liderança do executivo porque os então presidentes de câmara foram ‘levados’ nas eleições legislativas de 2019 para a Assembleia da República ou para o governo, entre outros motivos.

Em Espinho, o candidato Vicente Pinto (PSD) é o atual vice-presidente da câmara municipal. Em Aljustrel, o candidato Carlos Teles (PS) é o atual vice-presidente da autarquia. Em Mértola, o candidato Mário Tomé (PS) é o vice-presidente da câmara. Em Góis, o vice-presidente da câmara é o candidato do Partido Socialista. Em Oliveira do Hospital acontece a mesma situação com José Francisco Rolo (PS). Em Pampilhosa da Serra, o candidato Jorge Custódio (PSD) é o vice-presidente em funções. No Sabugal, o vice-presidente da câmara, Vítor Proença, é o candidato do PSD. Em Seia é Luciano Ribeiro (PS), atual número dois do executivo. Em Vila Nova de Foz Côa, João Paulo Sousa, vice-presidente da autarquia há três mandatos, é o candidato do PSD. Em Alcobaça, o vice-presidente da câmara, Hermínio Rodrigues (PSD), que há 22 anos que exerce mandatos como vereador, é o candidato. Em Arroches, o vice-presidente João Crespo é o candidato do PSD. Em Campo Maior o candidato do PS é Luís Fernando Martins Rosinha, atual vice da câmara. Em Alcanena, Hugo Santarém, o vice-presidente da câmara, é o cabeça de lista do PS. Em Aliparça, a CDU lança na corrida à presidência o atual vice, João Pedro Costa Arraiolos. No Mesão Frio, Paulo Silva, atual vice-presidente, é o candidato do PS à presidência. Em Mondim de Basto, câmara também governada pelo PS, o candidato dos socialistas é Paulo Mota, atual número dois do executivo. Em Penedono, a candidata do PSD é a vice-presidente Cristina Ferreira.

Nos restantes casos, são candidaturas de vice-presidentes que assumiram já a presidência durante o mandato 2017-2021. Em Alfândega da Fé (PS), o candidato Eduardo Tavares já tinha assumido a presidência da câmara em 2019 depois da saída de Berta Nunes para assumir a secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. Na Figueira da Foz (PS), Carlos Monteiro, que é candidato nestas eleições, também assumiu a presidência há dois anos, depois da saída de João Ataíde para o lugar de secretário de Estado do Ambiente. Em Tavira, a saída de Jorge Botelho para deputado fez de Ana Paula Martins presidente de câmara, sendo que a autarca vai pela primeira vez a votos como cabeça de lista nestas eleições. O mesmo caso sucedeu em Leiria (PS) e Valença (PSD). Na capital do distrito da região centro, Gonçalo Lopes assumiu o comando do executivo após a saída de Raúl Castro para a Assembleia da República. No concelho de Viana do Castelo, Manuel Lopes, assumiu a câmara após Jorge Mendes ter assumido funções como deputado no Parlamento. Ambos são candidatos nestas eleições. Em Aljezur (PS), José Gonçalves assumiu a presidência da autarquia depois de, em 2018, José Amarelinho ter sido condenado à perda de mandato e em Vila do Bispo (PS) Rute Silva assumiu o cargo de presidente depois de Adelino Soares, que estava no último mandato, ter-lhe cedido o lugar. Ambos os autarcas algarvios têm o nome inscrito em boletins de voto no domingo.

A estes 23 casos somam-se mais 12 candidaturas de pessoas ligadas às câmaras de alguma maneira. Ou são antigos vice-presidentes, vereadores com pelouros, presidentes da assembleia municipal ou líderes de junta.

Em Barcelos (PS), o candidato Horácio Barra é o presidente da Assembleia Municipal de Barcelos, em Setúbal (CDU), o candidato André Martins também o atual presidente da Assembleia Municipal de Setúbal.

Em Mangualde (PS), o candidato socialista Marco Almeida é o atual presidente da União das Freguesias de Mangualde, Mesquitela e Cunha Alta.

No que diz respeito a vereadores existem os casos de Castelo de Paiva (PS), onde o candidato José Manuel Carvalho é o vereador do Ordenamento do Território e Urbanismo da câmara, Vila Verde (PSD), onde a candidata Júlia Fernandes é vereadora da Educação, Cultura e Ação Social, Ponte de Lima (CDS), onde o candidato Vasco Ferraz é vereador com os pelouros das Obras Particulares e Urbanismo; Proteção Civil; Desporto; Juventude e Viana do Castelo (PS), onde Luís Nobre é vereador do Planeamento e Gestão Urbanística, Reabilitação Urbana, Desenvolvimento Económico, Mobilidade, Coesão Territorial e Turismo.

Existem ainda outros casos. Na Sertã (PSD), o candidato Paulo Farinha é o atual diretor do Departamento de Administração e Finanças da câmara. Em Reguengos de Monsaraz (PS), o candidato Manuel Janeiro foi vice-presidente do Município entre os anos 2009 e 2017. Em Abrantes, Manuel Reis, antigo vereador da câmara com os pelouros da Divisão de Manutenção, Transportes e Serviços Urbanos e Freguesias é o candidato do PS, sendo que é o atual presidente da autarquia desde 2019, após a saída da autarca Maria do Céu Albuquerque que foi nomeada pelo primeiro-ministro António Costa como secretária de Estado para o Desenvolvimento Regional. Ainda há a registar o caso de Ferreira do Zêzera (PSD), onde o candidato Hugo Azevedo é técnico superior no município há 17 anos e o atual presidente da União das Freguesias de Areias e Pias.

O texto foi extenso até aqui e não é por acaso. Nas 48 câmaras onde a limitação de mandatos obriga a um novo ciclo político, em mais de 70% dos casos o partido na liderança do município lança a eleições alguém da casa, na maioria dos casos vice-presidentes.

“Isso não me parece nada surpreendente”, diz ao SAPO24 Nuno Ferreira da Cruz, assistant professorial research fellow na LSE Cities, London School of Economics and Political Science, e doutorado pela Universidade de Lisboa, onde investigou modelos de prestação de serviços públicos, desempenho e governação municipal.

O investigador, um dos autores do livro “Qualidade da governação local em Portugal”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, diz que esta forma de sucessão lhe parece natural “tendo em conta a natureza da política local em Portugal que é muito partidária”. “Há outros países em que a política local é mais identitária, mas em Portugal, apesar da ideologia não ter um impacto tão grande como seria de esperar, a filiação partidária é muito importante”, sublinha.

A filiação é tão importante nestes casos que Nuno da Cruz quase que arrisca apostar que também as listas dos partidos da oposição são encabeçadas pelos vereadores sem pelouro eleitos na última ou últimas eleições. “Isto também acontece com os que não ganharam. O problema é a maneira opaca como as estruturas locais e regionais dos partidos, e até mesmo as estruturas nacionais, funcionam”, diz.

Para o especialista, “a maneira como as listas são formadas é pouco clara e normalmente é divorciada das reais aspirações e das necessidades das pessoas. Ou seja é mais a gestão das carreiras políticas e das alianças pessoais do que o território e das necessidades das populações”.

A maioria dos casos em que esta sucessão se torna evidente acabam por ser, na sua maioria, municípios de pequena ou média dimensão, uma vez que os “concelhos maiores têm mais exposição mediática ao nível nacional e portanto exigem mais ponderação das estruturas nacionais dos partidos, que aí intervêm mais do que noutros locais em que são as distritais e as concelhias a tomar as decisões, ou seja, têm muito mais cuidado com as escolhas e com a perceção pública dessas escolhas”.

No entanto, uma coisa é evidente, estes candidatos partem em vantagem em relação aos restantes numa eleição local, explica Nuno da Cruz. Primeiro, porque os recursos que a câmara fornece não só ao presidente como ao restante executivo permitem que estas pessoas ou o partido a que estão associadas façam um clássico na democracia: “nos dois primeiros anos fazer as coisas difíceis, que são pouco populares, e depois no último ano fazer as inaugurações, mostrar a obra feita”. “Quando isso acontece, as pessoas têm muito mais presente na sua memória aquilo que foi feito por este executivo e isto dá-lhe uma vantagem em relação aos outros. A segunda é que têm muito mais informação do que os outros sobre os assuntos camarários, locais, do que os outros candidatos.”, diz.

Mudemos o foco e passemos agora a olhar não para as sucessões, e da influência dos partidos, mas para a forma como estes partidos se perpetuam no poder, tendo em conta que em Portugal há 31 câmaras municipais que, desde a sua criação, foram sempre governadas pelo mesmo partido.

Detalhando:

O PSD tem 11 - Arcos de Valdevez (Viana do Castelo), Boticas (Vila Real), Calheta (Madeira), Câmara de Lobos (Madeira), Ferreira do Zêzere (Santarém), Mação (Santarém), Oleiros (Castelo Branco), Penedono (Viseu), Penela (Coimbra), Santa Maria da Feira (Aveiro) e Valpaços (Vila Real)

PS tem outras 11 - Alenquer (Lisboa), Campo Maior (Portalegre), Cartaxo (Santarém), Condeixa a Nova (Coimbra), Gavião (Portalegre), Lourinhã (Lisboa), Odivelas (Lisboa), Reguengos de Monsaraz (Évora), Torres Vedras (Lisboa), Olhão (Faro) e
Portimão (Faro)

E a CDU tem nove - Arraiolos (Évora), Avis (Portalegre), Montemor o novo (Évora), Moita (Setúbal), Mora (Évora), Palmela (Setúbal), Santiago do Cacém (Setúbal), Seixal (Setúbal) e Serpa (Beja).

Primeiro, há que explicar que existe uma forte propensão em mandatos sucessivos pelo mesmo Presidente, explica-nos Miguel Pereira Lopes, Professor Associado da Universidade de Lisboa e Presidente do Centro de Administração e Políticas Públicas

“Isto é conhecido na Ciência Política como a 'vantagem do incubmente'. Alguns estudos feitos nos Estados Unidos, mesmo com congressistas americanos, mostram que a probabilidade de reeleição pode chegar aos 90% e que o incumbente que se recandidata tem logo uma vantagem na ordem dos 20% face aos adversários. Isto acontece em parte porque os incumbentes são mais conhecidos entre os eleitores do que os candidatos 'desafiadores'. Por outro lado, as pessoas são sempre adversas à mudança e preferem o conhecido ao desconhecido. No caso da cultura portuguesa, que é sabido ser uma cultura de 'aversão ao risco', como refere o investigador holandês Geert Hofstede, essa aversão à mudança é ainda maior. Tudo isto contribui para que a mudança seja muito difícil, principalmente quando se trata de um recandidato que já é o incumbente na função de Presidente. Podemos extrapolar que este efeito de inércia e aversão à mudança se estende à mudança de força política, mesmo quando não é possível a recandidatura de um Presidente”, explica o professor universitário.

No entanto, Miguel Lopes aponta outras “estratégias políticas para comprometer e amarrar os eleitores”. “Note-se que em muitos municípios portugueses, principalmente os mais pequenos, a dependência de muitos munícipes das decisões do executivo camarário, e até mesmo do Presidente da Câmara, é enorme. Muitos dos munícipes trabalham nas juntas de freguesia e câmaras municipais. Os empresários precisam dos serviços do poder local para a sua atividade económica, como para emitir licenças e outros similares... e o sentimento de dependência, e até mesmo de medo de represálias, por vezes, é uma realidade. Não quer dizer que é sempre assim, mas que existem casos é sabido. E mesmo que não existam, existe muitas vezes essa perceção, que se agrava em meios mais pequenos… Tudo isto contribui para que a regra seja a manutenção e não a mudança. Aliás, tendo em conta tudo isto, até quase parece um milagre a mudança. Mas ela existe”, refere.

O também investigador do Centro de Administração e Políticas Públicas propõe também uma análise contrária: “se nos centrarmos ao invés no número de Câmaras Municipais que já mudaram de cor política desde o 25 de Abril, vemos que afinal a mudança existe e é possível. Mas que é difícil, isso é. Por fim, também é possível que alguns municípios tenham há várias décadas a mesma cor política a governar porque governam bem. Mas penso que esta justificação é curta para explicar os casos onde não existe alternância durante muitos anos…”.

Sintomas de uma democracia imperfeita?

Para Miguel Lopes, o facto de, devido à limitação de mandatos, os candidatos da "continuidade" serem “efetivamente os "delfins" dos anteriores incumbentes, como vereadores ou vice-presidentes, não fere a democracia. O problema que na leitura do professor universitário pode existir é que em “muitos desses casos os sucessores são mais escolhidos ou apontados pelos seus antecessores do que emergem de lideranças”.

“Há exemplos de bons lideres que eram delfins. Mas normalmente não o são e isso ajudará a explicar porque hoje falamos numa crise de lideranças. É que o líder, ao contrário do chefe, tem de emergir por si mesmo. A liderança tem de ser conquistada, não pode ser herdada. Julgo que isso reduz a qualidade da democracia e das lideranças”, salienta.

Alonguemos o exercício e somemos às duas realidades já apresentadas o facto de que, dos 48 autarcas que se estão impedidos de recandidatar, 18 deles serem candidatos a outras Câmaras Municipais ou Assembleias Municipais. Será que assim o cenário muda?

Para Nuno da Cruz isto é uma “deturpação da ideia da limitação de mandatos”, uma vez que a “ideia é mesmo afastar as pessoas destes centros de poder para que não se instalem todas as coisas negativas que podem acontecer pela perpetuação de gerir a coisa pública”.

“Também há pessoas que são contra a lei da limitação de mandatos porque acham que é anti-democrático, retira-se opções às pessoas e não permite que estas pessoas, que são de facto especialistas na matéria, porque estiveram muitos anos a trabalhar naquilo, não se possam candidatar e não possam contribuir com o seu conhecimento só por uma razão burocrática. Eu não sou dessas pessoas, acho que o custo potencial de perder essa especialidade é compensado pela lufada de ar fresco que é mostrar novas caras e novas ideias”, defende.

No entanto, o próprio reconhece que é difícil legislar contra estas candidaturas de autarcas impedidos de se recandidatar a um determinado lugar. “É um direito que as pessoas têm. Acho que mais do que forçar uma limitação, a resposta passa por abrir mais os partidos”, refere.

O investigador diz que para melhorar o cenário da política local, além da limitação de mandatos, é preciso “reformar a forma como os partidos políticos funcionam, abri-los um bocadinho mais às pessoas no geral para que se possam perceber como é que as escolhas são feitas e quais é que são os critérios. A outra é continuar a facilitar e encorajar a formação de listas independentes para dar mais opções ao munícipes”.

“Há uma coisa que é importante não esquecer, ao nível local, muito mais do que a nível nacional, os cidadãos também podem votar com os pés, ou seja, mudarem de um município para o outro se não tiverem felizes. As pessoas mudam-se quando das condições não são adequadas no sítio onde vivem”, lembra.

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