Depois de duas décadas desde a entrada das tropas ocidentais no Afeganistão, a ofensiva talibã recuperou o poder, depois de terem tomado o controlo de Cabul no domingo. Hoje foi o primeiro dia sob controlo dos radicais desde a invasão dos Estados Unidos, em 2001.
Após a queda da capital para os talibãs, milhares de pessoas correram para o aeroporto da capital afegã na esperança de conseguirem fugir do país, a maioria sem vistos, bilhetes de avião ou mesmo passaportes. E, com milhares de pessoas em fuga, o caos instalou-se no aeroporto, onde os voos comerciais foram cancelados e houve registo de pelo menos sete mortos.
De acordo com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, dos 16 civis portugueses que estavam no Afeganistão, 12 já saíram do país e quatro continuam em funções operacionais no aeroporto.
A retirada de diplomatas e cidadãos estrangeiros tem decorrido a um ritmo "frenético". De momento, apenas a Rússia não prevê evacuar a embaixada, por fazer parte dos países que receberam garantias dos talibãs quanto à segurança das representações diplomáticas, segundo explicou emissário do Kremlin ao Afeganistão. O embaixador Dmitri Zhirnov vai até reunir-se com um representante talibã esta terça-feira.
Por sua vez, o Presidente norte-americano, Joe Biden, falou hoje sobre a situação no Afeganistão, a partir da Casa Branca e, de forma assertiva, reiterou que mantém a decisão de retirada das tropas norte-americanas do país e que vai colocar um ponto final na “guerra mais longa” dos EUA. Deixou, porém, o alerta aos talibãs para não interferirem com o processo de evacuação, ameaçando com uma "força devastadora, se necessário".
O presidente norte-americano admitiu ainda que não esperavam que a situação se desenrolasse tão rapidamente, mas defendeu que "as tropas americanas não podem e não devem combater e morrer numa guerra que as forças afegãs não estão dispostas a combater por si próprias".
Também a chanceler alemã, Angela Merkel, afirmou hoje que a comunidade internacional se enganou por completo ao avaliar a situação no país e na previsão de como esta poderia evoluir após a saída das tropas internacionais. Segundo Merkel, a intervenção dos Estados Unidos e seus aliados durante quase 20 anos fez com que atualmente não se possa preparar naquele país um atentado terrorista como o de 11 de setembro de 2001, no entanto, os esforços internacionais para criar um Estado democrático e de direito “não foram conseguidos”.
Biden, porém, relembrou que “a missão no Afeganistão continua a ser a mesma que era há muitos anos, prevenir um ataque terrorista no nosso país” e que “nunca foi pensada para ser a construção de uma nação, nunca foi destinada a criar uma democracia central e unificada".
Por outro lado, Boris Johnson destacou “a necessidade de a comunidade internacional se reunir e adotar uma abordagem unificada sobre o Afeganistão, tanto sobre o reconhecimento de qualquer futuro governo, como para impedir uma crise humanitária”. Declarações que convergem com as do secretário-geral da ONU, António Guterres, na reunião de emergência do Conselho de Segurança, que apelou à união da comunidade internacional “para defender os direitos humanos no Afeganistão”. Guterres mostrou-se ainda preocupado "em particular, com relatos de crescentes violações dos direitos humanos contra mulheres e raparigas no Afeganistão".
O regresso ao poder dos talibã pode representar um retrocesso civilizacional e antecipam-se recuos nos direitos humanos, com maior perigo para as mulheres afegãs – vítimas de casamentos forçados e que de um dia para o outro voltam a ver a sua liberdade em risco – e crianças. Uma preocupação que também foi expressada pela maioria dos países no Conselho de Segurança - além do medo de uma eventual ascensão do terrorismo.
A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PPDM) apelou assim ao Governo para que conceda asilo político a todas as mulheres afegãs e filhos menores que queiram refugiar-se em Portugal, perante o agravamento da situação.
A PPDM alerta para uma nota da associação de defesa dos direitos das mulheres afegãs NEGAR, publicada na sua página oficial a 11 de agosto, e na qual se apela a uma atenção internacional a um “degradar” das condições no país desde o início da retirada das tropas americanas: “As mulheres afegãs estão mais uma vez em perigo, ameaçadas de perder os seus direitos, como nos anos de chumbo (1996-2001, [de domínio talibã no Afeganistão])”.
A nota, de data anterior à entrada na capital afegã, refere que nas zonas controladas pelos talibãs, à data, já existiam diretivas a proibir as mulheres de sair à rua sem ser na companhia de um homem da sua família e a ordenar às comunidades que fossem feitas listas de todas as raparigas com mais de 15 anos e mulheres viúvas menores de 45 anos para “recompensar os combatentes”, ou seja, para serem usadas em casamentos forçados com os talibã.
Tudo o que foi recuperado em anos pode agora desaparecer numa questão de dias e esta tomada de posse pode bem ser o regresso aos dias mais sombrios de um país em guerra há duas décadas.
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