A propósito da aproximação do centenário do final da viagem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, que aem17 de junho de 1922 aterraram em território brasileiro (Rio de Janeiro), João Moura Ferreira enumerou alguns factos que dificultaram a concretização de alguns aspetos destas comemorações.

“Nos meses anteriores ao dia 30 de março, dia do centenário da travessia, estivemos sem governo, o Governo tomou posse precisamente no dia 30 de março, o que significou dizer que houve uma série de preparações que não foi possível fazer no que diz respeito às entidades públicas e membros institucionais”, disse, em entrevista à Lusa.

Por outro lado, “a ameaça da guerra que já se adivinhava também de alguma maneira limitou a capacidade e disponibilidade das forças militares, nomeadamente a Marinha e a Força Aérea, que estavam de prevenção numa situação que não sabiam como evoluir”.

“Tudo isto, de alguma maneira, contribuiu para que poucas coisas pudessem ser tratadas com antecedência”, prosseguiu.

O líder deste grupo composto por apaixonados pela aviação e, em particular, por esta equipa de aviadores, considerou que “a divulgação talvez tenha sido a parte menos bem conseguida” nestas comemorações.

A falta de divulgação, acrescentou, tem resultado em audiências reduzidas de eventos, apesar da sua “enorme importância”.

João Moura Ferreira lamentou ainda que os eventos se tenham limitado, na maioria dos casos, a três locais em Portugal: Celorico da Beira, de onde era natural Sacadura Cabral (piloto), e São Brás de Alportel, terra de Gago Coutinho (navegador), e Lisboa.

Exceção para a exposição itinerante que a Comissão Aeronaval realizou e que vai cobrir todas as capitais de distrito em Portugal, ao longo deste ano.

Fora de Portugal, João Moura Ferreira destaca a “mobilização notável das autoridades cabo-verdianas”, já que Cabo Verde é, com Portugal e o Brasil, um dos países que está a assinalar o centenário.

A primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul ligou Portugal, Canárias (Espanha), Cabo Verde e o Brasil.

Em Cabo Verde, o programa tem contado com várias iniciativas, que têm tido uma forte participação.

“O maior impacto mediático tem-se registado em Cabo Verde, mais do que em Portugal”, disse, acrescentando que “o Brasil tem sido uma incógnita”.

“Temos dificuldade em perceber o que está a ser preparado e a ser feito”, adiantou.

Ao todo, Sacadura Cabral e Gago Coutinho percorreram 4.527 milhas náuticas (8.484 quilómetros), em 62 horas e 26 minutos, desde que, às 06:45 de 30 de março de 1922, a partiram da rampa do Centro de Aviação Naval, na Doca do Bom Sucesso, em Lisboa.

Gago Coutinho e Sacadura Cabral "aterraram" no Parlamento como heróis há um século

A sessão solene em honra dos aviadores, que em 17 de junho de 1922 chegaram ao Rio de Janeiro, Brasil, concluindo assim esta pioneira travessia, decorreu em 07 de novembro desse mesmo ano, perante uma plateia de deputados eufóricos com o feito.

Esta sessão extraordinária do Congresso (atual Assembleia da República) foi presidida por José Joaquim Pereira Osório, presidente do Senado (I República) e contou com a participação dos aviadores que, quando entraram na sala, foram “recebidos com grandes salvas de palmas e vivas”, conforme o Diário do Congresso, consultado pela Lusa.

“Toda a assistência se levanta. Aplausos gerais. Palmas. Calorosas vivas aos homenageados, à República do Brasil, à Pátria e à República Portuguesa. A manifestação prolonga-se durante alguns minutos”, lê-se no documento.

Coube a José Joaquim Pereira Osório usar da palavra para homenagear os “bravos e heroicos marinheiros”, ressalvando que o Parlamento “nunca ofereceu mais, nem melhor, a quem quer que fosse”.

“Jamais sonhei ter a grande honra de presidir a tamanha solenidade, e se este facto, o maior da minha vida, me desvanece, também me perturba o espírito por ter a consciência do apoucado dos meus recursos que empalidecem, em vez de lhe dar brilho, a cerimónia que deveria ser uma grande apoteose, desde o seu início”, prossegue.

Para o orador, Gago Coutinho e Sacadura Cabral engrandeceram “a História Pátria, escrevendo nela uma das suas mais brilhantes páginas, e os efeitos desse ato sobre a vida parlamentar”.

Garantiu José Joaquim Pereira Osório que os representantes eleitos do povo acompanharam os aviadores desde que estes partiram de Lisboa até aterrarem no Brasil, acompanhando-os “em espírito” e “elevando religiosamente” até eles as suas almas, sofrendo todas as amarguras e gozando todas as alegrias.

“Se a transmissão do pensamento é uma realidade, o pensamento coletivo de todos os parlamentares vos acompanhou e protegeu na derrota através do espaço imenso”, adiantou.

E prosseguiu: “Ainda nos momentos de contrariedade que embaraçaram a viagem, nunca aqui foi proferida uma palavra de desalento e desânimo, sofrendo todos num recolhimento angustioso e místico o desgosto da má notícia, certos como estávamos de que, a seguir, viria a boa nova mitigar a dor, tamanha era a confiança que tínhamos no vosso valor, inteligência e saber”.

Contou o presidente do Senado que, quando foi conhecida a “notícia satisfatória”, os trabalhos parlamentares foram interrompidos “e de todos os lados das Câmaras se pronunciavam sentidas e eloquentes palavras de respeito e admiração” pelos aviadores.

Os parlamentares sempre tiveram consciência “da grandeza e alcance da obra que os maiores portugueses dos tempos modernos vinham realizando, desmentindo assim os tímidos, os pessimistas e os velhacos que diziam estar decadente a raça lusitana pela perda das suas mais lídimas virtudes”, disse.

E enfatizou: “Não, a nossa raça mantém intactas as suas incomparáveis qualidades”.

Para José Joaquim Pereira Osório, Gago Coutinho e Sacadura Cabral ganharam o seu lugar na “galeria de heróis” da pátria portuguesa.

A saudação aos “ilustres aviadores portugueses” estendeu-se depois aos “ilustres chefes de Estado das duas Repúblicas irmãs, Brasil e Portugal, pela maneira eloquente e patriótica como souberam exaltar o vosso assinalado feito, encarnando integralmente as almas dos dois povos, que é afinal uma só”.

A primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul (TAAS) começou às 06:45 de 30 de março de 1922, a partir da rampa do Centro de Aviação Naval, na Doca do Bom Sucesso, em Lisboa.

Os dois aventureiros, que já tinham trabalhado juntos em África, utilizaram três aviões e pararam em Las Palmas (Canárias) e São Vicente (Cabo Verde), antes de atingirem o Brasil no chamado “grande salto”, que durou 11 horas e 21 minutos.