Na sessão da reunião no Infarmed — que conta com a presença do Governo, Presidente da República, membros dos partidos e especialistas da área da saúde — o epidemiologista Manuel Carmo Gomes antecipou aquilo que vai ser a progressão da pandemia no próximo mês.
De acordo com o especialista, o Rt (índice de transmissibilidade) vai entrar numa rota descendente, ainda que lenta, no final do mês, mas o aumento do número de casos não vai parar por enquanto. Ao ritmo das infeções, é previsto que o número de caso diários suba para os 7000 entre os dias 25 e 30 de novembro.
Dada essa mesma progressão, é esperado que, com o número de infeções, se dê o pico de óbitos em Portugal na segunda semana de dezembro, chegando a valores entre as 90 e as 100 mortes por dia.
Carmo Gomes assume assim que é essencial baixar o índice de transmissibilidade para baixo de 1. “Se não colocarmos o R abaixo de 1, temos garantido um planalto do qual não é fácil sair", avisou, admitindo a dificuldade de fazer a onda descer, mesmo com medidas duras, e temendo pelo aumento do número de internamentos.
Atualmente, o R estará em 1,11 e nos modelos de evolução apresentados no Infarmed, deverá estar em 1 no fim de novembro e princípio de dezembro, referiu Carmo Gomes, considerando que não se pode “baixar a guarda, porque à primeira oportunidade, o R volta a subir”.
Defendeu que é preciso “descer o R significativamente para um nível gerível em termos de entradas hospitalares”, porque se projeta que na transição de novembro para dezembro o número médio de novos casos por dia atinja os 7.000.
A questão, apontou, é que mesmo que se consiga uma redução do R para 1, a incidência de novos casos por dia pode manter-se em vários milhares, entrando-se “num planalto do qual não é fácil sair” e que se continuará a refletir em mais casos internados e mais mortes.
Por isso, de acordo com os modelos que apresentou, é preciso “manter o R abaixo de 1 continuamente”.
Também referindo-se ao índice de transmissibilidade, Baltazar Nunes, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, referiu que o R nacional está “a crescer há 88 dias”, verificando-se uma média diária de 6.488 novos casos (calculada com os números efetivos a sete dias), que é “seis vezes superior” ao que se verificou na primeira onda de março/abril.
Esta incidência tem tido “uma tendência positiva nas últimas semanas”, indicou, referindo que o tempo que demora a duplicar o número de novos casos diários tem vindo a aumentar.
“Continuam a crescer [os novos casos por dia] mas com um crescimento menos acentuado desde o meio de outubro”, declarou.
De acordo com os modelos trazidos à reunião por Baltazar Nunes, “só com uma redução dos contactos na comunidade superior a 60 por cento e uma elevada cobertura do uso de máscara é possível trazer o R para baixo de 1” e mantê-lo aí “por várias semanas”.
Para calcular o fator R, entram em consideração a duração do período que uma pessoa infetada está entre a população, o número de contactos que mantem, a probabilidade de transmissão após o contacto e a suscetibilidade à infeção.
Baltazar Nunes salientou que os países europeus que conseguiram baixar o índice de transmissibilidade são os que aplicaram “medidas mais restritivas e apresentam níveis de mobilidade mais baixos”.
Portugal está com “níveis de mobilidade mais elevados que estes países”, notou.
Norte regista abrandamento mas incidência ainda é sete vezes maior face a abril
Antes desta intervenção, Óscar Felgueiras, especialista da Faculdade de Ciência da Universidade do Porto, revelou que a região Norte está a registar um abrandamento do crescimento da pandemia de covid-19, mas a incidência ainda é quase sete vezes superior à registada em abril,
"Temos neste momento uma situação em que em geral está a haver abrandamento de crescimento" no Norte do país, a zona onde há mais casos de infeção, afirmou Óscar Felgueiras.
Segundo o especialista, mesmo onde a pandemia está a crescer, em geral, há abrandamento e, eventualmente, onde está a descer a tendência é de descida em muitas regiões.
Ao acompanhar a média diária de casos numa janela a sete dias e numa janela de casos a 14 dias, observa-se que tem havido um crescimento grande.
"Estamos neste momento com uma incidência que é quase sete vezes superior à registada em abril no momento mais alto da pandemia e recentemente a tendência foi de haver um certo abrandamento", sublinhou Óscar Felgueiras.
À semelhança do que acontece no país, as faixas etárias com maior incidência são as da população ativa dos 20 aos 49 anos, seguida dos idosos acima dos 80 anos, bem como dos 70 aos 79 anos.
"Mesmo no caso dos idosos, a incidência atual é mais do sobro do que aquela que foi atingida no pico de abril", salientou.
Segundo Óscar Felgueiras, estão a surgir cerca de 200 casos diários de pessoas com 80 ou mais anos neste momento. "A verdade é que a incidência é bastante elevada".
A taxa de incidência a 14 dias aumentou na última semana 16% com tendência, no entanto, de abrandamento, sendo a variação de crescimento de menos 9%.
Em termos de faixas etárias que estão a crescer estão as crianças, mais 32%, os adolescentes, mais 24%, e os idosos com mais de 80 anos (26%) e 70 a 79 anos, mais 21%.
O especialista adiantou que as realidades na região norte não são absolutamente homogéneas.
Em Aveiro existe uma tendência elevada, mas que está em crescimento desacelerado, em Braga é mais elevada, estando o crescimento em 28%, mas também está a desacelerar o crescimento, enquanto Bragança esteja em crescimento acelerado, mas num patamar mais baixo.
O distrito do Porto é onde se está a dar alguma estabilização e que está a ocorrer sobretudo nas faixas etárias da população ativa, não tanto nos jovens e os idosos ainda estão a subir um bocadinho.
Primeiras vacinações podem acontecer no princípio de 2021
Durante as intervenções, o presidente da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) admitiu que as primeiras vacinações contra a covid-19 aconteçam no início do próximo ano, dependendo das autorizações da agência europeia que tutela o setor.
Rui Ivo afirmou que as entregas de vacinas acontecerão em tranches ao longo de 2021 e que poderão estar disponíveis mais de cinco milhões de doses no primeiro trimestre, cerca de oito milhões no segundo trimestre e mais dois milhões no último trimestre do ano que vem.
Rui Ivo indicou que há contratos firmados para quatro vacinas, três das quais (BioNTech/Pfizer, AstraZeneca/Oxford e J&J/Janssen) estão num fase mais avançada de desenvolvimento e para uma outra vacina da marca Sanofi.
Todas estão sujeitas a avaliação e autorização da Agência Europeia do Medicamento, salientou, um processo que ainda poderá ter desenvolvimentos este ano.
Marcelo deixa perguntas, os especialistas respondem
Após as intervenções dos especialistas, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, fez algumas perguntas a fim de esclarecer alguns dos temas debatidos durante a manhã.
Dirigindo-se ao epidemiologista Manuel Carmo Gomes, Marcelo perguntou quais as medidas a manter para se conseguir a redução da transmissibilidade, se faz sentido fazer uma graduação por grupos de municípios — distinguindo os que têm 240 e os 480 casos diários [por 100 mil habitantes], dos que têm entre 480 e 960 e dos que têm um número superior a 960. Para além disso, o chefe de estado perguntou ainda se é encarável a adoção de medidas mais extremas e se vai haver um pico da pandemia no próximo ano.
Ao Presidente da República, Carmo Gomes disse não ver “outra alternativa” que não a adoção de medidas por concelho, pedindo que se substitua “a faca romba” pela “faca cirúrgica”. O epidemiologista defendeu que não se volte a um confinamento geral como o que decorreu no início da pandemia, mas antes que se trabalhe com as autoridades de saúde locais para fazer um acompanhamento que permita a adoção de medidas específicas.
Quanto à possibilidade de um novo pico, o epidemiologista admitiu “não ter respostas” quanto a essa eventualidade, frisando, porém, que tudo depende da ação a ser tomada neste momento. "Se mantivermos a pressão, o R virá para baixo de 1”, sendo que “depende de nós se vamos ter pico em janeiro e fevereiro”, disse.
Marcelo questionou, por outro lado João Gouveia, presidente da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos, quanto à pressão que as unidades de cuidados intensivos atualmente enfrentam, e este deu uma previsão negra, dizendo estar "muito preocupado".
Com a taxa de ocupação das UCI nos 84%, o intensivista diz que Portugal está "no risco de já não se conseguir receber todos os doentes com Covid-19 que precisem de medicina intensiva", sendo que a variação regional dita que haja hospitais no Norte do país com a capacidade a 113% e outros com menos. No entanto, os que estão com menos, entre os 40 a 60%, têm serviços mais pequenos, pelo que "o número verdadeiro de camas disponíveis é menor".
João Gouveia admitiu haver "almofada" e "capacidade de expansão" para chegar às 967 camas de cuidados intensivos. No entanto, para que tal aconteça será necessário sacrificar "a atividade programada e a assistência a outros doentes", sendo uma "fatura que vamos pagar no futuro".
Para além disso, o presidente da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos disse acreditar que surja "uma terceira e quarta ondas", pelo que não é sustentável "manter o tipo de expansão reativo porque não é compatível com a atividade médica normal" e isso poderá afetar os cuidados de doentes com outras patologias.
Marcelo questionou também Rui Ivo, da Autoridade Nacional do Medicamento, quanto ao eventual começo da vacinação e por quanto tempo esta durará. O responsável respondeu que "talvez em janeiro" se possam ter as primeiras doses de vacina e que o processo ocorra durante o ano, esperando que no verão já haja "um número significativo de pessoas abrangidas” pela vacina.
Por fim, endereçando questões a Henrique de Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, Marcelo perguntou se há menor contágio nas escolas, se tal também se verifica nas instituições do ensino superior e se faz sentido tomar decisões quanto às mesmas. O Presidente da República pediu também para saber se o risco na restauração é menor do que aparentemente demonstra ser.
O especialista respondeu que a grande maioria dos casos cuja informação recolheu nos últimos 14 dias tinham poucos elos de ligação a instituições do ensino superior e que mesmo “os casos identificados nas universidades são casos em que o contágio aconteceu fora das atividades no espaço de ensino”. Por isso mesmo, Henrique de Barros defendeu que "não há uma sobre-exposição ao vírus relacionada" com a atividade das instituições de ensino e defendeu a manutenção das aulas presenciais. Quanto aos restaurantes, Henrique de Barros disse que os dados recolhidos apontavam para estes estabelecimentos enquanto fracos promotores de contágio.
O chefe de Estado falou após ouvir as intervenções de oito especialistas sobre a epidemia de covid-19, numa parte da reunião a que a comunicação social presente no local pôde assistir, numa outra sala do Infarmed, onde foram colocados dois ecrãs – mas que, ao contrário do que aconteceu na anterior reunião, no Porto, não teve transmissão aberta através da Internet.
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