As autoridades norte-americanas confirmaram, na semana passada, que cerca de 2.000 migrantes menores foram separados das famílias na fronteira com o México no âmbito da política “tolerância zero” aos imigrantes ilegais nas zonas fronteiriças impulsionada pela administração Trump.

Em Portugal, escritores e editores manifestaram-se por meio de uma carta aberta, escrita por Richard Zimler, escritor norte-americano também com nacionalidade portuguesa.

“Tal separação provoca, indubitavelmente, um sofrimento e medo atrozes”, lê-se na missiva, que alerta para a possibilidade desta situação vir a causar “traumas duradouros”.

“Como que para enfatizar a natureza cruel e perversa desta política, o Governo federal [norte-americano] deu ordem aos agentes que trabalham nos abrigos para não tocarem ou agarrarem crianças assustadas", nem "lhes oferecer qualquer espécie de conforto”, escreve Zimler, nascido em Roslyn Heights, no Estado norte-americano de Nova Iorque, e atualmente a viver no Porto.

A carta já tem mais de cem subscritores, entre os quais Mário de Carvalho,  Patrícia Reis, Afonso Cruz, Jacinto Lucas Pires, Ana Margarida Carvalho, Ana Nobre Gusmão, Rui Zink, José Eduardo Agualusa, Júlia Monginho, Nuno Saraiva, Miguel Real, Rita Ferro, Inês Pedrosa, Ana Pereirinha, Manuel Alberto Valente e Rui Couceiro.

O SAPO 24 falou com o escritor sobre a carta e as políticas de Donald Trump.

Porquê escrever uma carta aberta sobre a tolerância zero de Trump à imigração?

É muito simples. Penso que quando vemos exemplos de injustiça e falta de compaixão total no nosso mundo temos a obrigação de protestar, de manifestar o nosso desacordo com essa política. Nesta circunstância mais específica, trata-se de mais de duas mil crianças separadas dos seus pais e albergadas em armazéns, algumas crianças mantidas em gaiolas. Confesso que essas imagens de crianças a chorarem em gaiolas mexeram muito com as minhas emoções e lembraram-me de outros crimes contra a humanidade no nosso mundo. Pensei que, antes que tudo pudesse ficar ainda pior — porque o Trump já provou que lhe falta decência humana, falta-lhe compaixão e compreensão pelo outro —, teríamos de fazer alguma coisa. E pensei o quê é que podemos fazer aqui em Portugal para influenciar a política norte-americana. A verdade é que podemos fazer muito pouco, mas pelo menos podemos mostrar o nosso desacordo total e o nosso protesto contra uma política nada humana.

"Nós fazemos parte do mundo, temos a obrigação de falar, de criticar"

Centrou-se nos escritores e nos editores como assinantes.

Podia ter escolhido toda a gente, mas num protesto como este, numa carta aberta como esta, pensei que fazia mais sentido incluir as pessoas da minha própria área, do mundo da edição e dos escritores. Obviamente que se fosse cientista podia ter escrito uma carta que era assinada por cientistas.

Acha que o facto de serem nomes conhecidos pode chamar mais a atenção?

Eu sou realista: uma carta de escritores portugueses não vai influenciar Donald Trump. Mas o que poderia fazer é alertar o público português, enviar uma mensagem clara a todos. Nós fazemos parte do mundo, temos a obrigação de falar, de criticar, sempre que nós ficamos conscientes de uma política cruel e perversa. Pode ser nos Estados Unidos, pode ser na China, pode ser no Brasil. Temos a obrigação de falar! Nesse sentido, o meu objetivo era mais atingir o próprio público português.

Donald Trump assinou um documento para permitir que os pais fiquem com as crianças nos centros de detenção, mas a política de tolerância zero continua.

O que é importante agora é vigiar muito cuidadosamente esta mudança na política de imigração. Primeiro, porque não é claro — aliás, nada claro — que as mais de duas mil crianças vão ser reunidas com os pais. Os oficiais federais disseram primeiro que não podiam ser reunidas com os pais, agora dizem que estão à espera de mais instruções. É tudo uma confusão. Segundo, porque sabendo que Trump é uma pessoa completamente perversa e cruel, com certeza vão surgir outros exemplos de um desrespeito total pelos Direitos Cívicos dos imigrantes. A minha mensagem agora é vigiar, vigiar, vigiar e protestar, protestar, protestar. Vão existir outras situações, talvez não exatamente iguais a esta, mas vão surgir mais casos em que os Direitos Civis dos imigrantes e das outras pessoas vão ser violados.

Tem esperança que esta situação mude?

Sim e não! O que é bom nisto é que prova que Donald Trump vai de facto ceder à pressão mundial. Ou seja, se houver críticas suficientemente fortes do mundo inteiro contra uma política dele, ele vai ter de ceder, vai mudar essa política. E isso é muito positivo, porque podemos ter uma influência sobre ele e sobre o seu governo. Por outro lado, sou pessimista. Ele continua a ser presidente e continua a ser uma pessoa grosseira, provinciana, primária, racista, xenófoba. Isso não mudou, por isso digo sempre que temos de estar vigilantes. Temos de ver muito cuidadosamente o que o governo norte-americano faz e protestar, protestar, protestar.

"Vou continuar a escrever cartas e vou pedir que o povo português se una para criticar, seja qual for a política desumana dos Estados Unidos"

Além de protestar, acha que podemos fazer mais alguma coisa em Portugal?

Neste momento, estou à espera de ver o quê é que esta nova ordem executiva cria, quais são os resultados desta nova ordem do presidente. Se houver mais violações de direitos, vou continuar a escrever cartas e vou pedir que o povo português se una para criticar, seja qual for a política desumana dos Estados Unidos. Sim, vamos continuar pelo menos com os protestos. É o que podemos fazer.

Que mensagem deixaria agora a Donald Trump?

Diria que ele teria de ter mais cuidado porque todo o mundo está focado na política dele. Não vamos calar-nos. Vamos continuar a falar, a protestar e a criticar.


O Presidente norte-americano, Donald Trump, assinou já uma ordem executiva para acabar com a separação de crianças dos pais imigrantes na fronteira dos Estados Unidos.

Uma fonte da Casa Branca disse à agência noticiosa Efe que Trump assinou o documento para permitir que as crianças fiquem com os pais nos centros de detenção para os quais os imigrantes sem documentos são mandados durante longos períodos de tempo.

Contudo, Trump afirmou que a política de “tolerância zero” é para continuar.

Até agora, Trump tinha alegado, erradamente, que não tinha outro remédio a não ser separar as famílias, baseando-se na lei federal e numa decisão judicial.

Imagens de crianças em jaulas foram divulgadas em meios de comunicação de todo o mundo, bem como relatos de separações que provocaram revolta em todos os setores, incluindo o Partido Republicano, receoso de um impacto negativo nas eleições intercalares de novembro próximo.

Agora, o Presidente norte-americano disse que vai “manter as famílias juntas” nos centros de detenção e resolver mais depressa os seus casos, contando com o Departamento de Defesa para providenciar alojamento.

O responsável pela Defesa, Jim Mattis, afirmou que o Pentágono irá “responder se solicitado” para alojar migrantes detidos.