"Eu tratei de um [processo] que é do Parque da Cidade e não tratei do outro. Porque o Parque da Cidade tinha a ver com o património da câmara e isso era tutela minha. As questões urbanísticas não eram tutela minha, estavam passadas a um vereador, embora eu fosse, naturalmente, presidente da câmara", afirmou Rui Rio à margem do 23.º aniversário Clube Via Norte, no Porto.

Em causa o relatório final da  a que a Lusa teve acesso.

O documento aponta vários fundamentos legais para a autarquia "ponderar seriamente declarar a nulidade do deferimento do pedido de informação prévia (PIP) de 13 de fevereiro de 2009 [no segundo mandato de Rui Rio], e consequente procedimento administrativo" da obra em curso, nomeadamente por estar em causa uma construção "15% superior" à que recebeu ‘luz verde’ da autarquia em 2002.

Mandatando o presidente da AM para remeter o documento ao Ministério Público (MP), a comissão reconhece uma relação entre os processos da Arrábida e do Parque da Cidade, notando que “a principal motivação política" do PIP de 2009, relativo à escarpa, foi "a de que o seu deferimento era condição negocial para a assinatura dos acordos judiciais e extrajudiciais do Parque", sem que Rui Rio, à data presidente do município, tivesse "qualquer intervenção na matéria".

Hoje, o líder do PSD garantiu que ouviu falar deste assunto, pela primeira vez, há cerca de um mês, e que até então acreditava que os terrenos quer do Parque da Cidade, quer da Arrábida, eram de empresas diferentes.

"Aquilo que eu me apercebi é que uns eram de uma empresa e outros eram de outra empresa. Como é que isso pode ter conexão? Mas a comissão faça lá como entender", declarou, defendendo que se investigue.

O presidente do PSD explicou ainda que não interferia neste como em nenhum outro pelouro e que no caso do Parque da Cidade, apesar de não ter tratado o processo do ponto de vista técnico, o acompanhou politicamente.

O relatório da Comissão de Inquérito da AM "reconhece a existência de uma relação entre o procedimento administrativo que conduziu ao licenciamento e execução do projeto" da Arrábida "e a celebração dos acordos judiciais e extrajudiciais de 2008 e 2009 no âmbito do Parque da Cidade".

Rui Rio anunciou em 17 de julho de 2009 um segundo acordo com o consórcio de empresas com terrenos no Parque da Cidade, segundo o qual a autarquia, que tinha travado construções no espaço verde, tomava posse imediata dos terrenos privados e aquele consórcio retirava todas as ações judiciais contra a Câmara.

Na sequência deste acordo extrajudicial, alcançado em 2008, a câmara devia ainda tentar vender oito imóveis para pagar às empresas cerca de 43,8 milhões de euros, para evitar uma indemnização de 168 milhões de euros.

O relatório refere uma troca de ‘emails’ de julho de 2009, em que "é apresentada a tese, pela professora Fernanda Paula Oliveira, de que o deferimento, em 2009, do PIP da Imoloc [empresa que, no início de ambos os processos, era proprietária dos terrenos no Parque da Cidade e na Arrábida] era condição negocial para a assinatura dos acordos do Parque".

A comissão cita ainda "um ajuste direto" à sociedade de advogados "na qual colabora Pedro Gonçalves", o jurista que, segundo os ‘emails’ e vários testemunhos, elaborou um parecer sobre a Arrábida.

Segundo o caderno de encargos, este ajuste direto de 2010 "teve por objeto a análise jurídica dos contratos decorrentes do Parque da Cidade", mas numa fatura referem-se "honorários pelos serviços prestados até esta data com a elaboração de parecer para a Câmara do Porto - Imoloc", descreve a comissão.

Em investigação pelo MP pelo menos desde abril, a obra na escarpa da Arrábida foi licenciada no fim de 2017 e começou no início do ano, com os trabalhos da primeira fase, relativos a um prédio de dez pisos e 38 fogos.

Em novembro, o tribunal recusou a pretensão da empresa Arcada para intimar a câmara com vista à emissão do alvará da segunda fase da obra, que contempla 16 pisos e 43 fogos.