Esse ruído “pode produzir efeitos na saúde e no bem-estar dos animais, conduzindo à morte no caso das fontes mais intensas, mas mesmo que não conduza à morte dos animais pode obrigá-los a mudar as suas zonas de reprodução” ou fazer impedi-los de comunicarem, explicou à Lusa o especialista em bioacústica subaquática Manuel Eduardo dos Santos, do MARE-ISPA — Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, que junta mais de 400 investigadores de seis universidades.
Na data em que se comemora o Dia Internacional de Sensibilização para o Ruído, que se assinala na última quarta-feira do mês de abril de cada ano, o MARE-ISPA está hoje a “ouvir o estuário”, uma iniciativa que consiste em colocar um microfone no rio Tejo, em Lisboa, e transmitir o som numa coluna, para que a população em geral possa ouvir o que ouvem os peixes.
A ideia de trazer à tona os sons do fundo do rio não suscitou um grande entusiasmo das pessoas que hoje passaram junto do cais fluvial de Belém, mas ficou a intenção.
“A nossa intenção é sensibilizar as pessoas para a existência deste fator ecológico, em que muitas vezes não se pensa, que é o ruído causado pelas atividades humanas e que projetamos nos oceanos, nos estuários dos rios, e que tem efeitos na vida dos organismos aquáticos”, explicou Manuel Eduardo Santos, que tem investigado a comunicação acústica dos golfinhos, sobretudo no estuário do rio Sado.
O responsável salientou a importância da consciencialização para a poluição por produtos químicos, ou por plásticos, mas alertou para os efeitos das vibrações que os humanos projetam nas águas, seja através de construção, de explosões, de colocação de estacas, além do ruído contínuo do tráfego marítimo.
O microfone colocado no Tejo captou esses sons, de navios mercantes, de passageiros, de pequenos barcos com motores fora de bordo, de barcos a transportar turistas.
“Dentro de água o som propaga-se entre quatro a cinco vezes mais rápido do que no ar, e acaba por chegar mais longe e mais depressa”, alertou Ana Rita Luís, bióloga, investigadora do MARE-ISPA.
É certo, disse, que nem todos os organismos têm a mesma sensibilidade auditiva.
As baixas frequências afetam sobretudo os peixes, mas tudo depende da velocidade dos navios ou das hélices, enquanto os golfinhos são mais sensíveis a sons agudos, e os sonares militares afetam essencialmente os cetáceos, explicou, lembrando casos em que golfinhos deram à costa em quantidade devido a eles.
E os sons, embora nem sempre sejam causa de mortalidade direta podem afetar os peixes na capacidade de capturar alimentos, no contacto entre as mães e as crias, e afetar a reprodução, interferindo com os sons que levam ao acasalamento.
Manuel Eduardo dos Santos lembrou outros ruídos que provocam danos fisiológicos e a morte dos organismos, como as explosões, o uso de pistolas acústicas, os chamados ruídos impulsivos.
Otimista, disse que a comunidade científica tem procurado diminuir esses ruídos, que a Organização Marítima Internacional tem pressionado para a diminuição dos ruídos das embarcações, mas também dos ruídos impulsivos, que hoje já há portos que premeiam os navios que são menos barulhentos.
Falou das estratégias para gerir as fontes de ruído de forma sazonal, limitando-as em determinados períodos do ano, de garantir que não há baleias nem golfinhos das imediações de onde se vai produzir um ruído impulsivo. E deu como exemplo a fixação de estacas para as torres eólicas no mar, um ruído impulsivo que é preciso gerir.
“Não é possível evitar a circulação de navios ruidosos, mas é possível sensibilizar os portos para o ruído”, disse, salientando depois: “O estuário do Tejo não é só um canal de navegação, é também uma reserva natural”.
O professor disse que há ainda um trabalho a fazer para conhecer melhor as faculdades auditivas dos animais, que além dos golfinhos têm sido pouco estudadas, e referiu que seres como moluscos ou corais também são sensíveis aos ruídos causados pela atividade humana.
E salientou em relação a todos a diminuição da eficácia reprodutiva causada pelo ruído, porque os organismos não conseguem ouvir os seus parceiros.
Motivos para sensibilizar a população para o facto de o bom estado das águas também depender dos níveis de ruído.
Ana Rita Luís mostrou-se cética quanto a essa sensibilidade: “Longe dos ouvidos, longe do coração”.
“Nós não sabemos o que está acontecer debaixo de água, não ouvimos esse som, não temos contacto com ele e portanto não estamos despertos para esta realidade, de que, neste caso, o Tejo é sonoro e bem sonoro. E que existem, além de sons de origem natural, produzidos por peixes, produzidos pelas ondas, pelos golfinhos, muitos outros sons de origem humana, que são pontos de ruído e que podem causar perturbação na vida marinha”.
A “auscultação” do rio Tejo de hoje marca o arranque de outras ações dentro de um projeto chamado “Tejo Sonoro”, de literacia ambiental, divulgando informações sobre a biodiversidade mas também sobre o ruído subaquático.
O projeto, até novembro, inclui iniciativas de voluntariado ambiental, formação e capacitação, e uma campanha de sensibilização para o ruído subaquático.
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