Depois de o Papa Francisco fazer um pedido de oração por Bento XVI, que "está muito doente", facto confirmado pelo Vaticano, as dúvidas são muitas quanto ao que acontece quando o Papa emérito morrer. Afinal, há cerca de 600 anos que a Igreja Católica não tinha dois papas.

Neste caso, há perguntas que se impõem. Quem vai celebrar as exéquias de Bento XVI, uma vez que o Papa está vivo? O funeral será igual ao de um pontífice que fica à cabeça da Igreja até à morte? O que vai mudar no protocolo — ou nada muda?

Ao SAPO24, Monsenhor Saturino Gomes, Auditor do Tribunal Apostólico da Rota Romana, explica que "há um documento publicado acerca da vacância da Sé Apostólica e da eleição do Romano Pontífice", preparado pelo Papa João Paulo II e já atualizado por Francisco, que dita o protocolo em caso de falecimento do Santo Padre.

Assim, quando um Papa morre, "logo que receber a notícia do falecimento do Sumo Pontífice, o Camerlengo da Santa Igreja Romana deve constatar oficialmente a morte do Pontífice, na presença do Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias, dos Prelados Clérigos da Câmara Apostólica e do Secretário e Chanceler da mesma, o qual lavrará o documento ou acta autêntica de morte".

A notícia da morte vai depois passar por várias pessoas até chegar ao mundo: o Camerlengo vai contar o que aconteceu ao "Cardeal Vigário para a diocese de Roma, o qual, por seu turno, dará a notícia do mesmo ao Povo Romano, com uma notificação especial". Habitualmente, os sinos ouvem-se a tocar no Vaticano nesse momento.

Será assim para Joseph Ratzinger? Saturino Gomes admite que "vamos ter de esperar por orientações" quanto ao que vai acontecer, mas claro que "algumas coisas são preparadas com antecedência para serem divulgadas no tempo próprio".

O funeral de um Papa

Segundo o documento, "após a morte do Romano Pontífice, os Cardeais celebrarão as exéquias em sufrágio da sua alma, durante nove dias consecutivos", devendo a sepultura ocorrer "salvo razões especiais, entre o quarto e o sexto dia após a morte".

"Se a sepultura se fizer na Basílica do Vaticano, o relativo documento autêntico será lavrado pelo Notário do Cabido da mesma Basílica ou pelo Cónego Arquivista. Sucessivamente, um delegado do Cardeal Camerlengo e um delegado do Prefeito da Casa Pontifícia elaborarão, separadamente, os documentos que façam fé acerca da sepultura realizada: o primeiro na presença dos membros da Câmara Apostólica, o outro em presença do Prefeito da Casa Pontifícia", é explicado.

Todavia, não se sabe ainda como será com Bento XVI. Afinal, há regras "em vigor para o caso de haver Sede Vacante [tempo em que a Igreja não tem Papa, até à realização do Conclave que elege o sucessor do falecido], mas não há nenhum documento previsto para um Papa emérito", diz Monsenhor Saturino Gomes. Porém, não deverão existir assim tantas diferenças.

"Com certeza que as exéquias serão solenes, a celebrar na Basílica ou na Praça de S. Pedro, presididas pelo Papa Francisco, na presença do Colégio Cardinalício, Bispos, sacerdotes, fiéis, delegações oficiais dos Estados, corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé", aponta.

Quanto à sepultura, prevê-se que aconteça "na cripta da Basílica de S. Pedro, onde se encontram os túmulos de outros Papas", até porque Ratzinger expressou há algum tempo o desejo de descansar no antigo túmulo do seu antecessor, o Papa João Paulo II.

Curiosidades do protocolo

  • O Anel do Pescador

Quando um Papa morre, o cardeal Camerlengo, a pessoa encarregue de verificar se o pontífice morreu, retira-lhe do dedo o Anel de Pescador, símbolo do poder pontifício, para ser destruído, marcando assim o fim do pontificado.

No caso de Bento XVI, o anel foi entregue pelo próprio a 2 de março de 2013 ao Camerlengo, para que fosse inutilizado e marcasse também o fim do seu pontificado — embora de outra forma, já que em causa estava a renúncia.

Desta forma, desde essa altura que o anel e o selo de chumbo que usava foram entregues à secretaria de Estado, que por sua vez os entregou à Câmara Apostólica, encarregue de administrar a Santa Sé enquanto não havia Papa.

Para garantir que nunca mais seriam utilizados, tanto o Anel do Pescador como o selo foram inutilizados com várias marcas em forma de cruz, para evitar qualquer eventual falsificação de documentos.

Neste momento,"o anel dos documentos oficiais está com o Papa Francisco", aponta Saturino Gomes. "O Papa emérito já não tem essa prerrogativa. Uma vez que é emérito deixou de ter poder. Aquele que tem o poder das chaves é o Papa Francisco".

  • O martelo de prata

No mesmo ritual em que o anel é habitualmente retirado ao Papa, após o seu falecimento, há também a tradição de bater por três vezes com um martelo de prata — o mesmo que destrói o anel — na testa do pontífice, chamando-o pelo nome de batismo. No fim, o Camerlengo diz uma frase em latim: "vere papa mortuus est" ("o Papa na verdade morreu").

Monsenhor Saturino Gomes recorda, todavia, que "isso acontece no apartamento pontifício, com o Papa reinante. Com Bento XVI não sei se farão ou não, mas como não é o Papa reinante penso que não será necessário fazer isso".

  • As fotografias do Papa morto

De acordo com as regras do Vaticano, "não é lícito a ninguém fotografar nem captar imagens, por qualquer meio, do Sumo Pontífice, quer doente na cama, quer já defunto, nem gravar em fita magnética as suas palavras para depois reproduzi-las".

Assim, "se alguém, depois da morte do Papa, quiser tirar-lhe fotografias a título de documentação, deverá pedir para isso a autorização ao Cardeal Camerlengo da Santa Igreja Romana, o qual, porém, não permitirá que sejam tiradas fotografias ao Sumo Pontífice senão revestido com as vestes pontificais", ou seja, sem estar vestido com casula vermelha e dourada, com a mitra branca na cabeça e o pálio, uma tira de lã branca com cruzes pretas, aos ombros.

Para Saturino Gomes, é provável que o protocolo utilizado com Bento XVI seja o mesmo, até porque "em geral o corpo é exposto ao público em câmara ardente, como João Paulo II, durante alguns dias antes de serem marcadas as exéquias".

Francisco vai renunciar quando não houver um Papa emérito no Vaticano?

Nos últimos tempos, muito se tem especulado sobre uma possível renúncia do Papa Francisco, referindo algumas vozes que tal não aconteceria enquanto Bento XVI fosse vivo, de forma a não existirem dois papas eméritos ao mesmo tempo.

Para o Auditor do Tribunal Apostólico da Rota Romana, "com certeza que haver dois papas eméritos seria uma situação especial, mas o Papa Francisco deu a entender que não está previsto resignar [neste momento] e que enquanto puder vai levar por diante a sua missão".

"Não está a excluir que um dia não possa renunciar, mas para já, conhecendo o programa dele, a mentalidade e tudo o que tem programado, penso que ainda vai continuar", frisa Saturino Gomes. "Apesar de estar doente do joelho, o Papa já disse que governa com a cabeça e não com o joelho. Ele está ainda em boas condições", acrescenta.

Por outro lado, Francisco "completou 86 anos [a 17 de dezembro], mas está em boa forma".

"Pode andar de cadeira de rodas ou de bengala, mas tem atividades programadas. Há uma visita a África em janeiro e dentro do Vaticano tem uma agenda completa. Recebe grupos, individualidades... É muito cansativo e desgastante. Porque não é só receber as pessoas, é preciso preparar, há todo um trabalho que também acontece com a secretaria de Estado. O Papa tem de ter sempre alguma coisa para dizer sobre a situação concreta, para interpelar. Não se vai receber ninguém sem conhecimento", remata.