Quando António Guterres se demitiu de primeiro-ministro na sequência da derrota eleitoral autárquica do PS, em 2001, invocou que queria evitar um “pântano político” e não deixou dúvidas de que a decisão era inabalável.
Para o então Presidente da República, ficou claro que não havia condições políticas para formar novo governo com a mesma maioria relativa do PS no parlamento e convoca eleições legislativas.
O PSD venceu as legislativas antecipadas, em 17 de março de 2002, e formou governo de coligação com o CDS-PP, que chegaria ao fim dois anos depois, quando o primeiro-ministro, Durão Barroso optou por abandonar a chefia do executivo para ir liderar a Comissão Europeia.
Quando Durão Barroso, ao fim do “mês mais longo da década” de Sampaio, como é referido na biografia do ex-chefe de Estado escrita por José Pedro Castanheira, apresentou a demissão, a questão que se punha era aceitar o seu sucessor designado, Santana Lopes, ou usar a “bomba atómica”.
“Pelo seu impacto e pelas consequências políticas potencialmente implicadas, é o mais drástico e relevante dos poderes presidenciais", tinha escrito Sampaio um ano antes, no prefácio ao livro “Portugueses VI”.
Em 09 de julho, Sampaio falou ao país e considerou que a maioria PSD/CDS-PP tinha condições para assegurar a “estabilidade política”, sustentando que a demissão do primeiro-ministro não implicaria eleições antecipadas desde que houvesse um governo com “consistência, vontade e legitimidade políticas”.
Jorge Sampaio deu posse ao governo liderado por Pedro Santana Lopes em 17 de julho, contrariando os apelos da esquerda. O velho amigo Ferro Rodrigues demitiu-se do cargo de secretário-geral do PS, considerando que a decisão foi uma “derrota pessoal e política”.
Outras figuras socialistas, como Mário Soares e Manuel Alegre, também lamentaram a opção do Presidente da República.
Seguiram-se quatro meses em que a atuação do Governo de Santana ficou marcada por palavras como “rocambolesco” e “incidente”, logo desde a cerimónia de tomada de posse, em que Paulo Portas foi surpreendido ao saber no momento que iria assumir a pasta do Mar, juntamente com a Defesa.
Polémicas na comunicação social, como o afastamento de Marcelo Rebelo de Sousa do seu lugar de comentador na TVI na sequência de críticas do então ministro Gomes da Silva, o atraso na colocação de professores no início do ano letivo e o uso da Marinha para repelir o “barco do aborto” foram alguns dos casos que marcaram os meses do governo de Santana.
Para Jorge Sampaio, a gota de água chegou em finais de novembro, quando o ministro Henrique Chaves passou de adjunto do primeiro-ministro a titular do Desporto.
Dias depois de tomar posse, Henrique Chaves, um dos ministros mais próximos de Santana Lopes, demitiu-se, acusando o primeiro-ministro de “grave inversão dos valores de lealdade e verdade”.
Jorge Sampaio recebeu em Belém empresários, banqueiros e juristas e, em pouco mais de 48 horas, decidiu dissolver a Assembleia da República, por entender que o executivo já não tinha “as condições políticas indispensáveis para continuar a mobilizar Portugal e os portugueses” e que se tinha esgotado a capacidade da maioria parlamentar para gerar novos governos.
As legislativas foram convocadas para 20 de fevereiro e, pela primeira vez, o PS, liderado por José Sócrates, obteve maioria absoluta.
Visto como um presidente tranquilo, que facilmente demonstrava emoção, Jorge Sampaio deixou declarações que fizeram escola e vieram a ser repetidas anos mais tarde em contextos diferentes, como “há mais vida para além do orçamento” e “a economia é mais do que finanças públicas”, apelos que deixou ao Governo do PSD/CDS-PP ao discursar no parlamento no 25 de Abril de 2003.
Durante os dez anos em que esteve em Belém, vetou 75 diplomas, entre os quais as portagens nas autoestradas do Oeste, a construção de um casino no Parque Mayer, em Lisboa, e lei do ato médico, antiga reclamação da classe médica para limitar a atividade das chamadas terapias alternativas.
Durante a sua presidência, Timor-Leste tornou-se independente, em 2002. Em 1999, ano do referendo sobre a autodeterminação dos timorenses, Jorge Sampaio defendeu perante todo o mundo, à CNN, a causa da independência da ex-colónia portuguesa.
Em 2003, confrontou-se com a cimeira que juntou na base das Lajes, nos Açores, o presidente norte-americano George W. Bush, o primeiro-ministro britânico Tony Blair e o chefe do governo espanhol, José Maria Aznar, a dias do início da invasão do Iraque, com Durão Barroso como anfitrião.
Em 2016, Jorge Sampaio considerou, ao semanário Sol, que se cometeu “um erro gigantesco com toda a questão do Iraque e revelou que ficou “perplexo” quando foi avisado por Barroso dois dias antes da reunião dos líderes mundiais.
Segundo esclareceu, Sampaio tinha sido informado de que se tratava da última tentativa para fazer a paz.
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