No acórdão, a que a agência Lusa teve hoje acesso, o STJ declarou a “ilicitude do despedimento, manifestamente abusivo”, e condenou a companhia aérea açoriana a pagar 55.250 euros a Luís Miguel Sancho “a título de indemnização substitutiva da reintegração, bem como ao pagamento das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao transito em julgado” da decisão, agora proferida.

Segundo o Supremo, o piloto foi despedido a 15 de dezembro de 2015, auferindo, à data, um rendimento ilíquido base de 6.500 euros mensais. De acordo com as contas da Lusa, relativamente aos salários destes três anos, o trabalhador irá receber uma indemnização, no mínimo, de 273 mil euros.

“O trabalhador goza, tanto no âmbito da empresa, como fora dele, de liberdade de expressão, ainda que tal liberdade não seja limitada, havendo que atender aos deveres de respeito, urbanidade e probidade. Na aferição da gravidade de afirmações ofensivas para um administrador, há que ponderar as circunstâncias concretas do caso: o facto de tais afirmações serem proferidas no Facebook pelo trabalhador em momento de indignação, sem identificar o seu empregador, e a ausência de danos graves para o empregador”, sumariza o STJ.

A Lusa contactou a SATA para obter um comentário à decisão do Supremo, mas não obteve resposta até ao momento.

O trabalhador publicou o 'post' a 15 de setembro de 2015, pouco depois de tomar conhecimento de que tinha sido suspenso de funções, no âmbito de um inquérito aberto pela empresa sobre um episódio ocorrido cerca de uma semana antes.

Na publicação, Luís Miguel Sancho informava que tinha sido “novamente suspenso”, a segunda vez em seis meses, e que tal teria “contornos de tentativa de recorde ou de perseguição”.

“Agora foi 'em virtude do comportamento adotado para com um Sr. Administrador' (puto mal educado, prepotente), o qual configura falta de respeito para com a administração da empresa; e a falta de respeito que esta gente tem para com quem trabalha, se fosse meu filho, levava um par de lambadas, mas não sendo, o pai que não o soube educar que o ature. Confundem autoridade com autoritarismo e não percebem que a autoridade se não for aceite, não serve de nada, se querem ser respeitados, deem-se ao respeito. Mais uma novela para acompanharem e não se esqueçam do que há tempos disse, 'eles andam aí', os filhos (…)”, escreveu o então piloto comandante.

O 'post' diz respeito a uma situação ocorrida a 7 de setembro de 2015, quando Luís Miguel Sancho era piloto comandante de um voo de Lisboa para Ponte Delgada. Ao chegar à aeronave, o piloto constatou que o avião estava “a ser alvo de uma intervenção” pelos serviços de manutenção, devido a uma avaria no painel de instrumentos.

O piloto foi então questionado pelo departamento de operações de voo da empresa sobre a razão do atraso, na sequência do contacto de um administrador da companhia aérea, que estaria a bordo e que queria saber a que se devia o atraso.

Na qualidade de comandante de voo, respondeu que “já tinha comunicado a razão do atraso e que aguardava a resolução da intervenção técnica solicitada”, relata o STJ.

Cerca de 30 minutos após os passageiros se encontrarem no interior da aeronave, o comandante comunicou que o atraso se devia a “razões técnicas”. Após a explicação, Francisco Gil, à data vogal do conselho de administração da SATA, e um dos passageiros, contactou o setor de coordenação e controlo operacional da empresa que, posteriormente, o informou de que se tratava de um problema de manutenção que tinha de ser resolvido.

O STJ conta que Luís Miguel Sancho dirigiu-se então ao lugar onde estava sentado Francisco Gil e disse: “posso ajudá-lo?, acrescentando que lhe estavam a ligar das operações a fazer perguntas sobre o atraso, e que o que tinha a dizer já tinha dito no anúncio aos passageiros".

Francisco Gil respondeu: “eu sou administrador da SATA, tenho o direito de questionar…”.

Na resposta, o comandante do voo respondeu-lhe “que ele ali era um passageiro igual a todos os outros”, descreve o Supremo.

“Ao que o Francisco Gil respondeu que eventualmente seria mais simpático da parte do trabalhador se o cumprimentasse e apresentasse, uma vez que não o conhecia; O trabalhador retorquiu que já estava a perder muito tempo, e Francisco Gil disse que não tinha mais nada a falar com o trabalhador”, pode ler-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

Uma decisão inédita

“Com esta decisão, inédita, o STJ inverteu em absoluto o sentido da jurisprudência até agora seguida pelos tribunais superiores portugueses, no sentido de conferir a justa causa ao despedimento promovido pela entidade empregadora, quando o trabalhador subordinado publicasse na rede social Facebook afirmações críticas para com aquela”, sublinhou Paulo Campos, advogado do piloto, em declarações à Lusa.

No acórdão, a que a agência Lusa teve hoje acesso, o STJ declarou a “ilicitude do despedimento, manifestamente abusivo”, e condenou a companhia aérea açoriana a pagar 55.250 euros a Luís Miguel Sancho “a título de indemnização substitutiva da reintegração, bem como ao pagamento das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao transito em julgado” da decisão, agora proferida.

O advogado explicou que, até agora, os tribunais portugueses sempre consideraram "lícitos esses despedimentos”.

O STJ salienta que o que se discutiu neste processo em concreto foram os “limites da liberdade de expressão do trabalhador subordinado, mormente quando faz uso de tal liberdade no contexto de redes sociais como o Facebook”.

Para o advogado, este acórdão, proferido pelo STJ a 27 de novembro, “com fixação de jurisprudência, evidencia a proteção e a defesa da liberdade de expressão do trabalhador, através das redes sociais, designadamente, através de comentários no Facebook”.

“Mereceu acolhimento pelo STJ, a tutela pelo Direito do Trabalho, da liberdade de expressão do trabalhador, quando o teor da sua mensagem não é do inteiro agrado do seu destinatário ou da maioria, especificamente, quando o mesmo faz uso de tal liberdade no contexto das redes sociais”, acrescenta Paulo Campos.

O Supremo entendeu que “não se mostram preenchidos os requisitos de justa causa de despedimento, ou seja, não se verificou um comportamento culposo do trabalhador/recorrente, que pela sua gravidade e consequências, tenha tornado de imediato e praticamente impossível a subsistência da relação laboral”, frisando que o autor do 'post' não identificou o seu empregador.

Nesse sentido, a “sanção aplicada” ao piloto comandante “foi manifestamente abusiva e o seu despedimento ilícito, tanto mais que o empregador podia, eventualmente, socorrer-se de uma outra sanção mais leve” das que estão previstas no Código de Trabalho.