Faltam mais de dez minutos para as 14:00, hora marcada para o início da aula de treino funcional, e à porta do ginásio de musculação da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP), oito participantes esperam entusiasmados.

Fernando Raul é um dos oito participantes. Tem 49 anos e esquizofrenia. Doença que o tornou, ao longo dos anos, “solitário” e “sedentário”.

Fernando juntou-se a este grupo, que integra o projeto ‘Saúde Mental em Movimento’, há pelo menos oito anos. Não tem bem a certeza, mas de uma coisa está seguro: aqui, consegue praticar exercício físico e, acima de tudo, fazer amigos.

“Precisamos de socializar um bocadinho e eu sou uma pessoa muito solitária, estou muito tempo parado e isolado e, assim, nestes momentos posso conversar”, admitiu à agência Lusa.

À semelhança de Fernando, também Joel Ribeiro, de 44 anos, acredita que o exercício físico o ajuda a “esquecer os problemas da vida”.

“Ajudam-nos a fazer o nosso próprio tratamento. Sinto-me mais cansado do corpo, mas descansado da cabeça”, garantiu.

Joel foi treinador e preparador físico, hoje, faz “um pouco de tudo” para viver e sobreviver com a esquizofrenia.

“Aprende-se todos os dias como numa escola, aqui é como um quadro da escola, funciona da mesma maneira”, disse.

Nos dias em que tem aulas, Joel chega mais cedo, não só para poder conviver com alguns estudantes da FADEUP, mas com os colegas de grupo com quem partilha os mesmos desafios e obstáculos associados a uma doença crónica e mental grave.

“Já criei muitos amigos, mesmo lá fora há amizades que se criam porque só assim estamos a tirar proveito para ter saúde mental e movimento”, disse.

No ginásio da musculação ou nos jardins da FADEUP, às segundas, quartas e sextas-feiras, respira-se desporto em “todos os cantos”, mas não só. Respira-se também “normalidade e naturalidade”.

Quem o garante é Tânia Bastos, professora de atividade física adaptada da instituição e uma das coordenadoras do projeto, para quem estes alunos são a “prata da casa”.

“O facto de não estarmos num ambiente hospitalar, mas num ambiente altamente inclusivo é fundamental. Os benefícios são evidentes”, salientou.

Já passaram nove anos desde que o projeto ‘Saúde Mental em Movimento’ nasceu, fruto de um desafio proposto pelo Hospital de São João que, à época, precisava de ajuda para dinamizar atividades para os utentes da sua unidade de psiquiatria.

“Iniciámos as intervenções nas instalações da unidade de psiquiatria, a partir daí foi crescendo, o espaço também já não era adequado e transferimo-nos para a universidade. Com estas melhores condições, começamos a adicionar outras instituições e temos um maior número de utentes”, explicou Tânia.

Neste momento, são mais de 40 os utentes que, com esquizofrenia, perturbação bipolar, depressão endógena, depressão psicótica e outras doenças crónicas integram este projeto, que tem a capacidade de os fazer sair de casa.

Além de os fazer sair de casa, faz também com que “saiam da janela em que se sentem mais confortáveis”, disse à Lusa, a diretora do serviço de psiquiatria do Hospital de São João, referindo-se à janela do isolamento e do sedentarismo.

“Ainda não temos nenhum estudo que nos possa dizer que as pessoas estão bem melhor, mas contra a evidência dos factos, não há argumentos”, garantiu Rosário Curral.

Até lá, até que a evidência científica ou as políticas sociais promovam uma maior integração destas pessoas, o Fernando e o Joel, assim como os restantes membros do grupo, continuarão a vir à FADEUP, numa tentativa de superar aquela que é uma doença há muito estigmatizada.

* Sofia Cortez (texto), André Sá (vídeo) e Estela Silva (foto), da agência Lusa