Esta segunda testemunha e vigilante a ser inquirido hoje no julgamento em Lisboa de três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) acusados de homicídio qualificado de Ihor Homeniuk confirmou que os inspetores tinham ido para o interior da sala onde o ucraniano estava isolado com um bastão, tendo "ouvido gritos" que disse serem de Ihor Homeniuk vindos do interior daquele espaço.

A testemunha recordou que foi fumar um cigarro e quando regressou viu o arguido Luís Silva sair da sala e dizer que "as coisas lá dentro estavam complicadas".

Manuel Correia revelou que teve oportunidade de espreitar para o interior da sala, onde viu Ihor com deitado com a barriga para baixo, com as mãos algemadas nas costas e que, quando a vítima tentou mexer-se, o inspetor Duarte Laja gritou para o passageiro: "Está quieto".

Acrescentou que Ihor Homeniuk mexeu-se novamente, ao que Duarte Laja repetiu "está quieto, está quieto", tendo este colocado um pé na nuca do passageiro, empurrando-o para que este permanecesse imóvel no colchão.

A testemunha relatou ainda que Ihor Homeniuk "tinha sangue na boca" e disse não se lembrar quem tinha sido a pessoa que levou as algemas para o interior da sala.

O segurança/vigilante relatou que após assistir àquela cena "ficou um bocado à toa", tendo justificado perante o tribunal que porventura terá ficado atónito com a situação porque "talvez porque não estivesse mesmo à espera daquela reação tão excessiva" por parte dos inspetores do SEF, "embora soubesse que a situação era complicada", uma vez que o passageiro ucraniano se mostrou sempre inquieto e perturbado com a possibilidade de ter que regressar ao seu país de origem.

Garantiu ao coletivo de juízes, presidido por Rui Coelho, que "nunca mais viu Ihor", tendo descrito os acontecimentos ocorridos durante a madrugada em que ele e o outro colega segurança, Paulo Marcelo, optaram por atar os pés da vítima com fita adesiva castanha, colocado sobre as calças, como forma de controlar o passageiro que já se tinha atirado contra um armário da sala e tentado alcançar com as mãos as calhas do ar condicionado.

Negou contudo que alguma vez o tivesse visto com fita adesiva nos pulsos, apenas com ligaduras, tendo dito ainda que uma secretária e duas cadeiras já haviam sido retiradas da sala face ao comportamento inconstante do passageiro ucraniano.

Além dele, admitiu, quem viu Ihor Homeniuk no interior da sala com os inspetores foi o seu colega vigilante Paulo Marcelo e "talvez a inspetora Cecília".

Foi nessa altura - afirmou - que o arguido e então inspetor do SEF Duarte Laja lhes terá dito que "não os queria lá", alegando que aquilo "não era para estar a ver".

Os advogados de defesa - Ricardo Sá Fernandes, Maria Manuel Candal e Ricardo Serrano - fizeram um contrainterrogatório dirigido àquilo que consideram serem contradições evidentes com o depoimento que a testemunha havia prestado em sede de investigação (inquérito), tendo esta alegado que não contou tudo inicialmente à polícia porque "queria passar despercebido".

A testemunha foi também insistentemente confrontada com uma revista enrolada que durante a madrugada levou para o interior da sala onde estava Ihor Homeniuk, negando que a intenção fosse agredi-lo com a revista, a qual tinha como figura de capa o "Cristiano Ronaldo". Alegou que a intenção inicial era "entreter" o passageiro que estava inquieto, mas que este não ligou à revista.

Antes, ouvido também como testemunha, o segurança Paulo Marcelo declarou ter ouvido "gritos agonizantes" vindos do interior da sala onde Ihor Homeniuk estava retido com três inspetores do SEF, admitindo ter presenciado a agressão da vítima com um bastão.

Três inspetores SEF - Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa - estão ser julgados por homicídio qualificado de Ihor Homeniuk, um crime punível com pena de prisão até 25 anos.

O crime terá ocorrido a 12 de março, dois dias após o cidadão do Leste Europeu ter sido impedido de entrar em Portugal, alegadamente por não ter visto de trabalho. Segundo a acusação, após ser espancado, terá sido deixado no chão, manietado, a asfixiar lentamente até à morte. Dois dos inspetores respondem ainda pelo crime de posse de arma proibida (bastão).

Advogado da família refere que  testemunhos sobre agressão a ucraniano confirmam "todas as preocupações"

O advogado da família de Ihor Homeniuk, considerou hoje que as declarações de dois seguranças de que viram este cidadão ucraniano ser agredido nas instalações do SEF em Lisboa "confirmam todas as preocupações" relativas ao caso de homicídio.

Confrontado à saída do Tribunal Criminal de Lisboa com o facto de dois seguranças que estavam de turno nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) terem dito hoje em tribunal que houve bastonadas e um pé em cima da cabeça/nuca de Ihor Homeniuk por parte dos inspetores acusados, José Gaspar Schwalbach não se mostrou surpreendido, ressalvando que há ainda que "analisar as informações" prestadas em audiência de julgamento.

As agressões descritas, segundo José Gaspar Schwalbach, "confirma apenas todas as preocupações" que existiam "desde o início da situação e da notícia (da morte de Ihor) em março passado".

O advogado da família da vítima ucraniana considerou "assustador" que depois do incidente tenham "desaparecido todos os cidadãos e trabalhadores estrangeiros que ali estavam" à data dos factos, defendendo que " é preciso saber porquê".

José Gaspar Schwalbach assinalou como importante o facto de o primeiro vigilante hoje a ser ouvido ter admitido que já tinha havido "outras situações idênticas" de agressão a passageiros estrangeiros retidos nas instalações do SEF e que dois dos três inspetores acusados possuíam bastões.

O advogado aproveitou para se congratular com o facto de, a partir de 08 de março, passar a existir acompanhamento por advogados de pessoas que chegam ao aeroporto de Lisboa, dizendo ser uma "boa notícia" que passe a haver advogado e intérprete no aeroporto para evitar problemas com a chegada de passageiros retidos.

Lamentou apenas que neste novo procedimento, uma antiga reivindicação da Ordem dos Advogados, só esteja previsto que os advogados apenas possam contactar com estes passageiros depois deste serem inicialmente interrogados pelos SEF e assinarem um documento com as declarações prestadas à chegada.

À saída do tribunal, Ricardo Sá Fernandes, falando em representação dos três advogados de defesa, disse não pretender comentar as declarações das testemunhas, prometendo que isso será feito em sede de alegações finais, que é o momento próprio para o efeito.

Ricardo Serrano, outro dos advogados de defesa, confirmou ter pedido ao tribunal a extração de uma certidão para eventual procedimento criminal relativamente à primeira testemunha hoje ouvida (Paulo Marcelo) devido às "contradições" entre o que disse aos investigadores em sede de inquérito e as que prestou hoje em audiência de julgamento.