O resultado apertado, de 16 votos a favor e 14 contrários, foi possível graças ao apoio de dois senadores do Partido Republicano aos democratas nesta terceira tentativa de tornar sem efeito esta lei arcaica promulgada quando o Arizona ainda não era um estado e os Estados Unidos, então governados por Abraham Lincoln, eram cenário de uma Guerra Civil.
Durante a sessão houve choro, gritos e inclusive a reprodução do som das batidas do coração da filha de um senador republicano, que fez tocar o áudio para defender a proibição do aborto.
Shawnna Bolick, a republicana que fez a balança se inclinar a favor da revogação, justificou o seu voto com um longo discurso sobre a sua experiência pessoal, quando as suas gestações se tornaram inviáveis.
"Será que esta lei ter-me-ia permitido o acesso a este procedimento médico, mesmo que naquele momento a minha vida não estivesse em perigo?", questionou Bolick, que foi vaiada várias vezes pelo público presente na Câmara.
O seu correligionário, Anthony Kern, defendeu a lei arcaica e criticou Bolick e o outro senador republicano que se juntou aos democratas, acusando-os de terem uma posição discricionária e comparando-os a oficiais da Alemanha nazi.
Nas redes sociais, a governadora democrata Katie Hobbs, que deve promulgar o projeto, disse-se "feliz" com o resultado. "Embora isto seja essencial para proteger a saúde das mulheres, é apenas o começo", disse.
Além disso, a procuradora-geral Kris Mayes qualificou a votação como "uma vitória para a liberdade no nosso estado". A votação no Senado ocorre uma semana depois da iniciativa ser aprovada na Câmara dos Representantes do Arizona, também com o apoio de três deputados republicanos, que decidiram apoiar o projeto democrata.
A lei de 1864 proíbe o aborto em qualquer circunstância, exceto quando a vida da mãe correr risco. Não prevê exceções para gestações resultantes de violação ou incesto.
O Supremo Tribunal do estado reinstalou esta lei a 9 de abril, em consequência das mudanças jurídicas sobre o acesso ao aborto nos Estados Unidos.
Em 2022, o Supremo Tribunal dos EUA, de maioria conservadora, retirou a proteção a este direito reprodutivo, que esteve amparado por quase cinco décadas a nível federal, provocando uma série de ações em estados conservadores para proibir a interrupção voluntária da gravidez.
No Arizona, onde a maioria dos eleitores se declara favorável ao aborto, a medida gerou espanto e levou milhares de pessoas a manifestarem-se nas ruas.
O tema tornou-se no eixo central da campanha do democrata Joe Biden para as eleições presidenciais de 5 de novembro, que disputará a reeleição contra Trump.
"Donald Trump é o arquiteto desta crise de saúde no Arizona e no país", considerou, nesta quarta-feira, em nota, a vice-presidente Kamala Harris.
"Ele afirmou que se deveria permitir aos estados controlar o corpo das mulheres e 'puni-las'. E está disposto a ir mais além, proibindo o aborto em todo o país, com ou sem a ajuda do Congresso", acrescentou.
A impopularidade das medidas contra o aborto afeta os republicanos e obrigou Trump a aliviar o tom durante a sua campanha para manter a sua base religiosa sem afastar outros potenciais eleitores.
"Estou muito triste de que o nosso Partido Republicano não se una quanto a este tema", disse o senador Kern. "Estamos a impulsionar este projeto porque acreditamos que vai nos ajudar na próxima eleição. Bom, mais do que isso. Se nos unirmos a favor da vida, definitivamente venceremos a próxima eleição", assegurou.
Com a revogação desta lei, o Arizona mantém a legislação de 2022, que permite o aborto apenas nas primeiras 15 semanas de gestação.
Defensores do direito a interromper a gravidez recolheram assinaturas para convocar um referendo em novembro, que procura incluir o acesso ao aborto na Constituição estadual, e aumentar a janela legal do procedimento até às 24 semanas de gestação.
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