A proposta destas noitadas é: os homens conhecem-se, sobretudo pela internet, e encontram-se em casa para ter relações sexuais múltiplas, nas quais todos os tipos de substâncias psicoativas são aspiradas, ingeridas ou injetadas, com o objetivo de aumentar o desejo e as sensações, ao longo de vários dias seguidos.
"Aqui, o sexo é louco, desenfreado: certamente isto deve-se à droga, mas também a todos os fantasmas que, de uma vez só, se saciam. Há um lado festivo na transgressão e um lado 'Eu faço como nos filmes pornográficos'", explica, com voz doce, David, um psicólogo de 54 anos, que dá consultas na zona de Bordéus, França.
Este cinquentenário parcialmente calvo, que tem um companheiro há dois anos, frequenta estas festas há cerca de 15 anos.
"Foi uma abertura em relação à minha educação religiosa e sexual e à ideia de 'formar um casal', marcada pela minha família", conta David, que deixou a casa da família há 15 anos para fugir de um pai violento.
"Com as noitadas 'chemsex', abriu-se para mim um mundo de possibilidades, onde o sexo não se fazia apenas a dois, era verdadeiramente excitante.", acrescentou.
"Como uma criança na Disney"
Descreve um clima de "indulgência", como um "anfitrião", que recebe os convidados, sempre atento ao consumo dos praticantes, uma dúzia de pessoas.
"Quando chegamos, despimos-nos e é preciso entrar em ação imediatamente. Nas pausas, fumamos um cigarro, bebemos um sumo de laranja, comemos bombons... Nunca álcool porque pode ser perigoso com certas drogas", explica David.
Hugo (nome fictício), de 42 anos, funcionário de um supermercado originário de Marselha, conta como durante "dois anos intensos", mergulhou num "mundo extraordinário" aos fins de semana.
"Havia um lado de fascínio, como uma criança que descobre a Disney. Socializa, tem o melhor sexo, conhece muita gente... Isto derruba as barreiras, não há julgamento, nem crítica", relata o homem de melancólicos olhos azuis.
"Eu sentia-me sobre uma pequena nuvem, em outro mundo, sem descer. Só pensava naquilo. Na segunda-feira, eu já pensava na sexta-feira. Era viciado naquele ambiente, era como ir ao cassino, sentia falta da minha dose de emoção".
Overdoses mortais
A aventura, porém, pode acabar mal rapidamente, como demonstram as cinco overdoses ligadas ao "chemsex" registadas entre março e abril últimos só na cidade de Bordéus, três delas fatais.
Os investigadores devem "continuar a averiguar a fim de ver se as três mortes são uma coincidência infeliz ou se um produto particularmente circula", explica à AFP a procuradora da República, Frédérique Porterie.
Frequentemente compradas pela internet e entregues pelo correio, as drogas dificilmente são rastreáveis: catinonas como a 3-MMC e a 4-MEC (estimulantes), a quetamina (euforizante), ou ainda o GBL, limpador automóvel de venda livre que, uma vez ingerido, se degrada em GHB (desinibidor e relaxante).
"A prática é democratizada. Há uma tendência nacional no desenvolvimento deste tipo de drogas recreativas", confirma uma fonte policial. "Costumam vir dos Países Baixos, podemos encomendar estes produtos na darknet" (darkweb).
O "chemsex", termo derivado das palavras inglesas "chemicals" (substâncias químicas) e "sex" (sexo), surgiu inicialmente nos países anglo-saxónicos, sobretudo nos Estados Unidos e no Reino Unido, nos anos 2000.
Em França, o seu apogeu ocorreu nos anos 2010, assinala num relatório o professor Amine Benyamina, psiquiatra especializado em dependências químicas na Assistência Pública - Hospitais de Paris (AP-HP), maior sistema hospitalar da Europa.
Mas a quantificação do fenómeno permanece algo "complexa", relata este documento datado de 2022, submetido ao Ministério da Saúde.
"Poderia abranger cerca de 20% dos HSH (homens que fazem sexo com homens), ou seja, potencialmente entre 100.000 e 200.000 pessoas em França". "Inicialmente muito urbano", também é reportado "no meio rural", com um "rejuvenescimento dos perfis", detalha o relatório.
Segundo dados da associação Aides, os praticantes são em 90% dos casos homens homossexuais e em 10%, de outros perfis. O 'chemsex' também é documentado entre os heterossexuais praticantes de swing e os adeptos de festas rave.
"Sorte de ter escapado"
Em Bordéus, por volta das 10h, é a hora da abertura da Crunch, uma sauna masculina que de noite funciona como bar.
Funcionários limpam a pista de dança, o jacuzzi e, no subsolo, os "dark rooms", cabines privadas com camas, exibição de filmes pornográfricos e distribuição de lubrificantes. Muitos cartazes de conscientização lembram que os estupefacientes são proibidos.
"É difícil notar [os consumidores de drogas] na entrada", admite o co-gerente do espaço, Jess Royan, de 48 anos, que às vezes encontra "seringas nas cabines".
"Hoje em dia, um tipo que não se droga parece quase como anormal", acrescenta este ator pornográfico de cabelo rapado, t-shirt apertada e tatuagens tribais.
"Uma vez por semana" ou "uma vez por mês", um cliente sob efeito de estupefacientes passa mal, explica. "O tipo cai e precisamos de chamar os bombeiros. A mistura de droga, álcool, o calor, o barulho..."
Julien, de 42 anos, companheiro de David, também "brincou com fogo", num contexto no qual a indiferença é a regra.
"Para a minha geração, que tem acesso ao PrEP (pílula preventiva para pessoas expostas à infecção por HIV), dizemos, 'Vai, atira-te, vai curtir sem preservativo'", diz o homem de Orléans, de rosto alongado e piercing na orelha.
"Até eu já tive relações sem PrEP e com pessoas que eram 'carimbadas'", diz ele, consciente da sua "sorte de ter escapado".
Atualmente desempregado, este filho de um operário, que se afastou por volta dos 16 anos de uma família na qual não se encaixava, acredita, transtornado, ter sido injetado sem o seu conhecimento numa noitada de "chemsex": "Eu fiquei inconsciente".
Perda de consciência
Alexandre (nome fictício), de 31 anos, também teve um episódio de perda de consciência e memória, ou "G-Hole".
Este franco-marroquino de óculos redondos e barba meticulosamente aparada, antigo gerente de estabelecimentos da boémia de Bordéus que está a mudar de área de trabalho, começou a consumir substâncias há cerca de uma década, às vezes participando em noitadas 'chemsex'.
Numa noite "bem movimentada", misturou, por descuido, álcool e resíduos de GHB que estavam no fundo de um copo. "Bastou uma micro-gota, no fundo (do copo) para que eu tivesse um G-Hole. Eu senti chegar, o formigamento... Tive a presença de espírito de dizer ao meu amigo que não estava bem, fui para o quarto e dormi durante oito horas", lembra.
Para evitar situações como estas, é preciso observar as horas de ingestão de cada um e zelar pelo outro, completa Hugo, que descreve as festas às vezes "sem indulgência", entre a "perversidade" e participantes oportunistas, "que têm dificuldade em ter parceiros ocasionais".
Além dos riscos de overdose ou de infecções sexualmente transmissíveis, o 'chemsex' pode provocar fadiga intensa, com efeitos de depressão, ansiedade e paranóia.
Sobretudo tratando-se de populações "bem inseridas" socialmente e pouco habituadas às drogas, analisa Jean-Michel Delile, psiquiatra especialista em dependência química.
Estes praticantes "subestimam o perigo e o risco de se drogar", avalia.
"O cérebro demanda novamente"
No início, segundo ele, alguns praticantes podem consumir as substâncias como uma "ajuda para passar ao ato", num contexto de "auto-estigmatização em relação à homossexualidade". Mas, em seguida cria-se "uma distância abissal" entre a sua motivação inicial e "a realidade com a qual são confrontados": não ter relações sexuais e procurar antes de tudo a ingestão de substâncias.
"Eu conheci sete pessoas falecidas mais ou menos diretamente devido a estas substâncias em Bordéus nos últimos cinco anos. Seja de overdose ou suicídio...", conta Alexandre, que ainda pratica ocasionalmente, mas de forma menos "escancarada".
"Depois que excitamos a caixinha do 'prazer', o cérebro volta a pedir sempre, às custas de romper as barreiras sociais, afastar-se do trabalho, mentir à família", afirma, condenando a "lei do silêncio" que reina entre os praticantes, pouco inclinados a pedir ajuda em caso de mal-estar por medo de serem criminalizados.
Daí a importância do acompanhamento médico e associativo, como as mensagens digitais que alertam os utilizadores sobre os riscos envolvidos.
"A justiça salvou minha vida", admite Hugo, que usa pulseira eletrónica por infringir a lei dos estupefacientes. "Só a justiça poderia ter-me ajudado a sair, visto que eu me drogava às vezes ao longo de três dias seguidos"
David e Julien são acompanhados num Centro de Acolhimento e Acompanhamento para a Redução dos Riscos para Utilizadores de Drogas (Caarud) para "baixar a bola".
"Talvez tenhamos excedido muito", admite David. "Voltámos a fazer coisas mais básicas, que consistem em desfrutar da vida um do outro de outra forma além do sexo e das drogas. Nós diminuímos nosso consumo. Antes de gastar 300 euros em drogas, preferimos viajar para Barcelona", concluiu.
Comentários