“Demoraram semanas a reagir. E essas semanas tiveram efeitos devastadores”, lamentou a especialista israelita em direito internacional Cochav Elkayam-Lévy, presidente da Comissão Civil sobre os Crimes do Hamas contra as Mulheres e as Crianças, organização independente criada após os sangrentos ataques de outubro.
“A justiça começa com o reconhecimento dos crimes”, insistiu, emocionada, a jurista israelita, em entrevista à agência noticiosa France-Presse (AFO), na sede do Conselho Representativo das Instituições Judaicas francesas (CRIF), em Paris.
Na últimas semanas têm-se multiplicado os relatos de testemunhas de violações, violências sexuais e mutilações genitais, acusações negadas pelo movimento islamista palestiniano, mas que são já objeto de investigações difíceis e complexas em Israel.
A ONU e várias das suas agências foram fortemente criticadas em Israel, que as acusa de terem reagido demasiado tarde, com o secretário-geral da ONU, António Guterres, a pronunciar-se sobre o assunto apenas no final de novembro, apelando à realização de investigações.
“O longo silêncio das Nações Unidas sobre estes crimes foi visto pelos israelitas como uma traição, mas também como uma traição à humanidade”, afirma Elkayam-Lévy, “imensamente chocada” com o que descreve como “a negação infligida a toda uma comunidade pelas próprias agências que, supostamente, são quem tem de fazer cumprir o direito internacional”.
“O silêncio alimentou uma campanha de negação em todo o mundo, campanhas de ódio e antissemitismo. O silêncio permitiu que se espalhassem mentiras”, continuou.
Elkayam-Lévy está em Paris numa altura em que a Representante Especial da ONU para a Violência Sexual em Conflitos, Pramila Patten, visita Israel para se encontrar com vítimas, testemunhas e profissionais, a quem instou a “quebrar o silêncio” e a contar as suas histórias.
“Há sinais encorajadores e a ONU está agora a mencionar estes crimes. Mas houve um falhanço profundo e o sistema tem de ser radicalmente alterado”, defendeu Elkayam-Lévy.
A 07 de outubro, a professora de direito israelita estava em sintonia com um país inteiro, atónito e impressionado com a dimensão do acontecimento.
“Era como se as portas do inferno se tivessem aberto à nossa frente. Aconteceu algo inimaginável. Quando percebi que estávamos perante a negação, disse aos meus colegas: temos uma missão histórica, temos de documentar o que aconteceu a estas mulheres e crianças, temos de criar um arquivo”, conta.
A partir de um grupo no WhatsApp com uma dezena de colegas juristas e outros peritos, Elkayam-Lévy criou a Comissão Civil para documentar “no estrito respeito das normas internacionais” os assassínios, torturas e violências sexuais atribuídas ao Hamas.
A Comissão deverá publicar em breve o primeiro relatório preliminar, mas Elkayam-Lévy recusa-se a fazer estimativas sobre a dimensão destes crimes.
“Nunca saberemos o número exato de vítimas de abusos sexuais, nunca saberemos o que aconteceu às mulheres que foram mortas, o que sofreram”, afirma.
A escassez de relatos de sobreviventes e a falta de conhecimentos forenses tornam difícil avaliar a dimensão destes crimes sexuais. No entanto, segundo Elkayam-Lévy, a notícia começa a ser divulgada em Israel, sobretudo desde que os primeiros reféns foram libertados durante uma trégua no final de novembro.
“Este assunto está a ser cada vez mais discutido e levado ao conhecimento do público em Israel”, afirma, sublinhando não ter dúvidas de que o Hamas tencionava levar a cabo uma campanha deliberada de violação e violência sexual. “Isso é algo que será decidido por um tribunal internacional de justiça”.
O ataque do Hamas a Israel causou cerca de 1.140 mortos, na maioria civis, segundo uma contagem da AFP baseada em números oficiais israelitas.
A resposta israelita em Gaza causou 26.637 mortos, na grande maioria mulheres, crianças e adolescentes, segundo reportou o Ministério da Saúde do Hamas.
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