Como vê o desafio das autárquicas?

Aí as coisas estão complicadas para o PSD, que parte de uma posição muito, muito difícil. Aliás, o meu prognóstico é que se Passos aguentar até lá, pode morrer na noite das autárquicas, porque vai ter uma situação muito complicada em Lisboa e no Porto, em Sintra, na Amadora, em Gaia, tudo grandes concelhos. Por mais que ganhe nos pequeninos, o resultado será muito mau. Para o PS, a questão que se coloca é se vai ou não ensaiar coligações com o Bloco e se isso é formalizado. Acredito que o PC queira ir a votos sozinho.

Passos Coelho cai nas autárquicas?

Não vejo como é que ultrapassa uma derrota nas autárquicas. O grande problema, e o que está a jogar contra o PSD, foram aqueles 38%. Se o PSD tivesse perdido as eleições taxativamente, Passos já teria saído porque tinha sido derrotado, já teria sido eleito um novo líder, já tinham passado à fase da autocrítica e estavam na fase seguinte. Mas o maldito resultado que não lhes deu para governar mas que, supostamente, lhes deu para ganhar as eleições, é o problema do PSD. É preciso um projecto novo, caras novas e avançar. O CDS fez isso.

Quem pode ser o sucessor de Passos Coelho?

O PSD vai atravessar uma fase como atravessou há dez anos – também aconteceu ao PS – e, possivelmente, terá um ou dois líderes antes de chegar àquele que ganha eleições.

E quem pode ganhar eleições?

Quanto a mim, só há uma pessoa dentro do PSD que pode ter um projecto e uma dinâmica ganhadora a prazo: Carlos Moedas, que está na Europa [comissário Investigação, Ciência e Inovação]. Até lá vamos andar com lideranças muito fracas, qualquer dos nomes que está em cima da mesa não tem condições para ganhar. E nem vou falar de outros nomes, como o da ex-ministra das Finanças, que isso deve ser para o PSD ficar atrás do CDS nas próximas legislativas. Já estou a ver a campanha do BE, e não vão ser cartazes com Jesus Cristo, vão ser cartazes com umas setas a dizer Arrow. O PS nem tem de se esforçar, o Bloco faz a festa toda.

Porquê Moedas?

É de uma geração mais nova e a única pessoa que saiu do governo anterior menos queimada. Também ninguém sabia quem era Passos, as coisas fazem-se. Hoje a comunicação social faz e desfaz.

Disse que «a realidade deriva quase sempre do trabalho dos meios de comunicação». Isso quer dizer que é uma realidade manipulada?

Não, é realidade, mas é feita…

É transgénica?

É transgénica, é isso, vamos utilizar essa palavra. Mas não é só em Portugal. Trump é um produto da comunicação. Nem ele imaginava. E hoje é difícil encontrar um líder que não seja ele próprio produto da comunicação. A questão é saber se ele tem alguma coisa além disso. Penso que algumas lideranças se esgotam nesse marketing. Mas é a comunicação que faz a realidade, acredito que um novo partido em Portugal só tem hipótese de ultrapassar a barreira dos 3% ou 4% se tiver caras mediáticas.

O PAN conseguiu eleger um deputado.

Vamos ver se se aguenta. A sorte é que as pessoas que conseguem faz­er isso têm uma personalidade autodestrutiva. Foi o caso de Marinho Pinto, que conseguiu a obra de passar de 8% para 1%, quando, em Itália, Grilli conseguiu chegar aos 25% e hoje, segundo as sondagens, é o maior partido. Outro erro tático brutal foi o de Paulo Morais. Aqueles 3% ou 3,5% numas eleições legislativas são dois deputados aos berros no Parlamento. Numas presidências, morreu ali.

Portugal ainda tem um eleitorado muito bipolarizado?

Sim. Grande parte, cerca de 4 milhões, vota sempre no mesmo partido - até o rato Mikey tinha tido 38%. Há 2 milhões que votam à direita, 1,5 milhões que vota PS e mais os 400 mil do PC. Mas um milhão é volátil e, cada vez mais, decide à última hora, em função da campanha. É aí que entra a realidade mediática, que não é o mesmo que realidade manipulada.

E a abstenção, vamos conseguir ver-nos livres dela?

A menos que haja um partido novo, movimentos novos, não vejo como. Há pessoas com 25 anos, 30 anos, que nunca votaram, o que significa que, provavelmente, nunca irão votar na vida.