Os casos de covid-19 em Portugal (e no mundo) estão mais uma vez a subir. E esta subida acontece numa altura diferente. Se em março e abril, quando os números cresciam, os apelos gerais eram para a necessidade de fechar e proteger, hoje, com os recordes dessa altura a serem ultrapassados, há uma aura de impaciência. "Não podemos morrer da cura", ouve-se amiúde, descurando que ainda há quem morra da doença todos os dias.
O presidente da Câmara de Guimarães, Domingos Bragança, determinou hoje a suspensão temporária dos espetáculos programados para todos os equipamentos culturais do concelho. A diretiva vai vigorar “até que a Proteção Civil Municipal, na qual têm assento as autoridades de saúde e de segurança, ouvidas as entidades gestoras dos equipamentos municipais que acolhem espetáculos, conclua das medidas a tomar”, adiantou Domingos Bragança.
A posição foi tomada “em face das notícias e imagens” sobre um espetáculo realizado no Multiusos de Guimarães, promovido pela Cooperativa Tempo Livre, que sugeriram despeito pelas regras de segurança sanitária associadas à covid-19. “A situação epidemiológica que atualmente se verifica no concelho obriga a adoção de regras mais restritivas do que aquelas que atualmente estão previstas no quadro legal aplicável a estas situações”, reconhece Domingos Bragança.
Também no sábado, a GNR acabou com uma festa ilegal num bar em Corotelo, no concelho de São Brás de Alportel, que reunia cerca de 50 pessoas. Em comunicado, o Comando Territorial de Faro da GNR adianta que, na sequência de uma denúncia a informar sobre a existência de “uma festa com música ao vivo num estabelecimento de bebidas”, militares do Posto Territorial de São de Alportel deslocaram-se ao local para fiscalizar a ocorrência.
Os militares desmobilizaram as pessoas para “cumprimento das normas referentes à pandemia de covid-19”. Na nota é ainda referido que o proprietário foi identificado e foi elaborado “um auto de contraordenação”.
Já hoje, em Lisboa, o movimento cívico Covid-19 com Ciência organizou uma concentração, em frente à Assembleia da República, para exigir “liberdade” para as crianças e contestar as medidas sanitárias nas escolas, no contexto da pandemia de covid-19. Cerca de duas centenas de pessoas – crianças e adultos – juntaram-se na base da escadaria do parlamento, empunhando cartazes onde se lia “Pelas crianças, pela saúde”, “Abram os parques infantis, deixem as crianças brincar” e “Infância há só uma”.
O movimento critica a atuação da Direção-Geral da Saúde (DGS), numa altura em que os novos casos de infeção com covid-19 em Portugal ultrapassam o milhar diário pelo quarto dia consecutivo. A Associação Nacional de Espaços Infantis e Recreativos associou-se também à concentração, que juntou cerca de duas centenas de pessoas, poucas usando máscara (que não é obrigatória no espaço público) e nem sempre cumprindo o distanciamento social.
Enquanto isso, a Escola Básica Marques Leitão, em Valbom, Gondomar, esteve para encerrar na segunda-feira, por falta de funcionários para cumprir as diretrizes da Direção-Geral da Saúde. Em comunicado dirigido aos encarregados de educação, a direção explicava que, na segunda-feira, vai contar com menos três funcionários, que cumprem então o terceiro e último dia de isolamento, por instrução da linha de Saúde 24. Com este défice de pessoal faltam “condições mínimas de segurança que permitam o normal funcionamento das atividades letivas”, sublinha a not, a autarquia anunciou ter conseguido funcionários para a escola abrir),
Enquanto isso, a Misericórdia de Bragança registou hoje a nona morte relacionada com a covid-19, vitimando uma utente de 93 anos. A nonagenária já tinha sido levada para o Hospital de Bragança, onde ocorreu o óbito, detalhou a fonte. A instituição regista, nesta altura, um total de 154 casos ativos — 108 em utentes e os restantes 46 em colaboradores —, num surto descoberto com um primeiro teste positivo de uma funcionária a 23 de setembro. Desde então foram testadas todas as valências da Misericórdia de Bragança, que incluem três lares de idosos, Unidade de Cuidados Continuados, escolas e Centro de Educação Especial.
Em março, quando todos se fecharam orgulhosamente em casa, convictos de que faziam a sua parte do esforço global de lutar contra um ser invisível, toda a precaução fazia sentido. Todos se convenceram de que o mundo era um lugar melhor, unido e coeso. Aqui chegados, de que cor são os arco-íris?
Hoje, Portugal registou o quarto dia consecutivo com mais de um milhar de novos casos. Sábado teve o pior dia de sempre (e é sabido que ao domingo e à segunda-feira os números são cronicamente mais baixos). É verdade que hoje são feitos muito mais testes — mas também é verdade que hoje há mais fatores a ter em conta: ao vírus vêm juntar-se os problemas respiratórios sazonais; desta vez voltar a fechar tudo terá em todos um sabor mais amargo.
Que fazer? Talvez valha a pena, antes de esperar pelas proibições, ter uma consciência muito clara do que são os comportamentos de risco (encontros próximos, demorados e desprotegidos; seja com quem for, seja onde for), e procurar contorná-los na medida do possível. Uma espécie de mini-confinamento-pessoal — aliás, troquemos "confinamento" por "contenção". É necessário conter. Significa isto estar fechado em casa? Não, de todo. Significa ser exigente: ir aos espetáculos que garantam segurança; entrar em estabelecimentos que imponham a segurança; denunciar quando não há segurança: no trabalho, nos transportes, na escola, na faculdade, na igreja, no centro comercial (se considerar relevante, pode denunciar para aqui)
O papel de todos conta: seja a garantir a segurança sanitária, seja a preservar as liberdades essenciais de cada um. Porque só lembrando o autocontrolo e o livre-arbítrio necessários para o bem-comum, se pode passar por isto sem que mais ninguém morra desnecessariamente pela doença — ou pela cura.
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