A gente põe-se a caminho e, mal sobe a bordo, quase sente logo o cheiro a casa. Entra-se no Oriente e já se ouve o apitar do metro em Campanhã, apressado a avisar a entrada. Uma pessoa senta-se no lugar e espera chegar ao destino — ignorando a distância e o caminho.
E, depois, vai embater numa máquina e fica ali perdido em Soure, Coimbra. José Pereira, 73 anos, vinha de Lisboa à espera de chegar a Vila do Conde. Estava sentado, com a mulher e o neto, na carruagem seis do Alfa Pendular, a joia da ferrovia portuguesa, o mais veloz, mais qualificado dos comboios.
Veio o embate: “só se via as malas a cair e os ferros a rebentar”. José agarrou-se ao neto. Saíram os três praticamente ilesos.
Morreram duas pessoas, dois funcionários do VCC — Veículo de Conservação de Catenária — da Infraestruturas de Portugal (ex-REFER), que pereceram a norte da estação de Soure. São as duas únicas vítimas mortais de um acidente ainda não entendido que fez 43 feridos, sete dos quais em estado grave, num total de 214 pessoas envolvidas no acidente ferroviário.
Pedro Nuno Santos, o ministro das Infraestruturas, garante que a ferrovia é segura. E o resultado do acidente mostra-o: a violência do embate foi tolerada pelo Alfa, onde não morreu ninguém. Apesar da destruição, provada pelas imagens, apesar dos ferimentos, a tragédia não foi tão grave quanto outras que, em passados antigos, os caminhos de ferro portugueses já tiveram a infelicidade de conhecer.
Mas duas mortes são sempre duas mortes. Dois trabalhadores cuja vida terminou a meio da linha, por causa de um acidente que tem agora de ser esclarecido. Porque a ferrovia portuguesa está dotada de tecnologia que devia evitar precisamente este tipo de coisas. Não evitando, falhou. E essa falha, seja de quem (ou do quê) a responsabilidade, custou duas vidas.
Comentários