Numa audição na comissão parlamentar de inquérito ao furto de Tancos, o coronel Estalagem começou por referir que o ex-diretor da Polícia Judiciária Militar (PJM), coronel Luís Vieira, obrigou o capitão Bengalinha, que trabalhava nas inquirições sobre o furto de Tancos, a “ir de férias” por um período de cinco dias, em "meados de julho".

“O capitão [João] Bengalinha estava a trabalhar nessas inquirições quando é obrigado a ir de férias. O diretor [da PJM, coronel Luís Vieira] diz, `você está muito cansado, vá de férias´”, declarou o coronel Estalagem.

O coronel acrescentou que questionou a decisão do diretor da PJM, por não ter razão de queixa do trabalho do capitão João Bengalinha, mas recebeu uma resposta perentória: “não o quero cá, ele que meta cinco dias de férias”, o que terá acontecido “em meados de julho”, entre 15 dias a três semanas depois de divulgado o furto de material militar de Tancos.

Segundo o testemunho do militar, quem assumiu o trabalho de João Bengalinha foi o major Vasco Brazão, por indicação do diretor da PJM.

“A certa altura o diretor-geral disse-me que queria o Brazão na estrutura da investigação, é major e é mais velho, é assim que ele entra”, contou.

Depois, em agosto, relatou o coronel Estalagem, o capitão Bengalinha foi outro período de férias e quando regressa, no final do mês, telefonou-lhe a dizer que “estava a sentir-se posto de parte na investigação”.

“E eu estive de férias o mês de setembro, teria sido o mês ideal para alinhavar essa ação [operação de recuperação do material militar]. Não tive informação nenhuma, o capitão Bengalinha telefonou-me e me disse que queria sair da investigação porque tinha a sensação que lhe estavam a sonegar informação”, referiu.

Questionado pelo deputado do PCP Jorge Machado, o coronel Estalagem disse que formalmente só o capitão Bengalinha foi nomeado investigador chefe do inquérito ao furto de Tancos, antes de o inquérito passar para a Polícia Judiciária (PJ) civil.

“Enquanto investigador chefe há uma nomeação do capitão Bengalinha porque estava de piquete e assumiu o processo [em 28 de junho]. Não chegou a haver despacho de exoneração”, salientou.

Inquirido sobre se “é normal” não ter havido uma nomeação formal de Vasco Brazão a substituir Bengalinha na direção da investigação, o coronel Estalagem respondeu que “não é normal, mas acontecia” o diretor mudar os investigadores.

Na audição, o ex-diretor da Unidade de Investigação Criminal da PJM disse que, da sua parte, nunca colocou qualquer obstáculo ao trabalho da Polícia Judiciária civil, nem sentiu “melindre” por a direção do inquérito ter passado para a PJ.

O coronel admitiu que sentiu até “alívio” quando o Ministério Público atribuiu à PJ civil, em 03 de julho de 2017, a condução da investigação ao furto do material militar, frisando que a PJM não tinha elementos, nem a competência, para “andar na rua e nesses bairros problemáticos à procura das armas”.

Na audiência que se seguiu, João Bengalinha confirmou a versão de Manuel Estalagem.

Primeiro, foi um “afastamento involuntário temporário”, em julho de 2017, quando o então diretor-geral da PJM o “obrigou” a ir de férias uma semana, porque, segundo Luís Vieira, “estava extenuado”.

Pouco depois, ainda em julho, é informado que o major Vasco Brazão, hoje em prisão domiciliária no processo Hubris, vai coadjuvá-lo e quando voltou de férias de verão, em setembro, decidiu ele próprio afastar-se.

Nessa altura, pelo que descreveu, já Vasco Brazão estava a liderar o processo pela parte da PJM, tinha “feito diligências” no Algarve e delas não lhe deu conhecimento, por ordem do coronel Luís Vieira.

“Senti uma grande quebra de confiança e de lealdade”, afirmou o capitão Bengalinha que ainda disse que se sentiu “‘persona non grata’ naquilo que estava a ser planeado”, numa referência implícita à alegada encenação na descoberta do material militar, em outubro de 2017.

O furto de material de guerra foi divulgado pelo Exército em 29 de junho de 2017. Quatro meses depois, a PJM revelou o aparecimento do material furtado, na região da Chamusca, a 20 quilómetros de Tancos, em colaboração de elementos do núcleo de investigação criminal da GNR de Loulé.

Entre o material furtado estavam granadas, incluindo antitanque, explosivos de plástico e uma grande quantidade de munições.

A comissão de inquérito para apurar as responsabilidades políticas no furto de material militar em Tancos, pedida pelo CDS-PP, vai decorrer até junho de 2019, depois de o parlamento prolongar os trabalhos por mais 90 dias.